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Lobo come Lobo? Por Manoel Gonçalves Ferreira Filho

LOBO COME LOBO?

 MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO

 …Tudo isto é possível em razão de uma regra absoluta implícita: “lobo não come lobo”. O que um faz ninguém contraria, não somente por corporativismo, mas também porque já teria feito coisa semelhante…

(ou como funciona – ou funcionava – a máquina STF)

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A recente decisão do Supremo Tribunal Federal ao aprovar por 9×1 ato do seu Presidente que cassou decisão monocrática de um dos Ministros concedendo a liberdade a um facínora, é um marco na história recente desse E. Tribunal e na do direito constitucional brasileiro.

Não exagero. Ela, sobretudo, não por sua importância em si, mas pelas manifestações feitas por Ministros ao votarem, pôs a nu uma deformação não só no processo deliberativo da Corte, como pode ensejar o respeito à Constituição por parte de alguns dos guardiões da Constituição.

Quanto ao primeiro aspecto ela trouxe para a vista de todos o risco de decisões monocráticas e atos semelhantes que servem para dar um poder absoluto a seus Ministros. Sim, elas permitem que numa decisão cautelar um Ministro suspenda uma lei votada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República para todo o sempre já que essa liminar somente viria ao Plenário quando bem quisesse. Ou suspenda ato da competência de outro Poder com base em meras ilações. Ou determine que se faça isto ou aquilo que somente caberia por meio de lei, impondo assim a suas idiossincrasias, ou sua visão ideológica (não raro contra a letra da Constituição). O pretexto seria prevenir violações à Constituição segundo sua particular visão das coisas. Nisto, era posto de parte um artigo da Constituição que exige para declarações de inconstitucionalidade o quórum da maioria absoluta da Corte (art. 97). Não vou dar exemplos, porque não quero personalizar a questão, entretanto, todos os operadores do direito os conhecem muito bem.

E essa não é a única maneira de uma vontade soberana prevalecer.

Nos casos que vão à pauta, bastava um pedido de vista para que a decisão ficasse para um futuro indeterminado, já que o solicitante teria o tempo que lhe parecesse necessário para estudar a fundo a questão. Nisto, o próprio o Regimento era posto de lado.

Já se vê que neste quadro um todo poderoso Ministro tem isoladamente mais poder que os Poderes da República. E ele pode arbitrar a seu alvedrio todas as questões políticas, simplesmente considerando algum tema questão “interna corporis”, ou relativa a “preceito fundamental”. Pode mesmo tomar decisões flagrantemente inconstitucionais que seriam nulas e de nenhum efeito se outro fosse o prolator.

… Temo, porém, que esse arrependimento seja passageiro. Não por motivos personalíssimos, mas por uma razão prática. O STF está soterrado de casos por julgar e pautar…

Tudo isto é possível em razão de uma regra absoluta implícita: “lobo não come lobo”. O que um faz ninguém contraria, não somente por corporativismo, mas também porque já teria feito coisa semelhante ou se resguardava para fazê-lo quando lhe parecesse adequado ou oportuno.

Esta regra foi quebrada. Daí a veemência e a indignação dos votos.

A promessa é a de que para o futuro não ocorrerá mais o abuso das decisões monocráticas, especialmente em matéria constitucional. Espero que isto se estenda aos pedidos de vista. Trata-se de um louvável caso de arrependimento eficaz.

Temo, porém, que esse arrependimento seja passageiro. Não por motivos personalíssimos, mas por uma razão prática. O STF está soterrado de casos por julgar e pautar para o Plenário a decisão de questões que hoje são tomadas monocraticamente, causará um congestionamento e um retardamento inaceitáveis.

Mas há solução para evitá-lo. Uma é excluir da competência do guardião da Constituição questões não constitucionais, outra criar à parte uma Corte especializada em matéria constitucional. É o que se tem feito pelo mundo afora, por exemplo, na Alemanha, na Itália, em Portugal, na Espanha.

O Congresso Nacional que goza do poder constituinte derivado pode fazer a opção (se uma cautelar monocrática não o tentar impedir…).

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho –  Professor Emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

 

 

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