MUGABE

Aprendendo com Mugabe e os faraós. Por Aylê-Salassié F. Quintão

APRENDENDO COM MUGABE E OS FARAÓS

AYLÊ-SALASSIÉ QUINTÃO

… A prática dos faraós do Egito (e de Mugabe, no Zimbawe) é lembrada por Fernando Henrique Cardoso àqueles que se arvoram a lançar-se candidato à Presidência da República na América Latina. O Brasil pertence a este universo, onde a governabilidade transita por um espaço politicamente volúvel e enganador…

Novo Império Egípcio - Egito Antigo - InfoEscola

Milho em uma mão e chicote na outra ou, no lugar do milho, um livro. A prática dos faraós do Egito (e de Mugabe, no Zimbawe) é lembrada por Fernando Henrique Cardoso àqueles que se arvoram a lançar-se candidato à Presidência da República na América Latina. O Brasil pertence a este universo, onde a governabilidade transita por um espaço politicamente volúvel e enganador, às vezes bárbaro, que desliza com facilidade da esquerda para a direita e vice versa em atitudes irracionais e atropeladoras.

A região é um universo institucionalmente conservador, ideologicamente confuso, identitariamente mal construído, cujo Produto Interno Bruto tende a registrar, em 2020, uma queda média de 9,1%, revelando um nível de desempregados superior a 44 milhões de trabalhadores. Projeta-se que, com a pandemia, o Brasil vai perder quase U$ 200 bilhões do seu PIB (US$ 2 trilhões), a Argentina (US$ 500 bilhões) mais de U$ 50 bilhões, a Venezuela o dobro, o Chile perto de 20 bilhões, a Bolívia em torno de 4 a 6 bilhões.

De acordo com a CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina, o índice de pobreza vai fechar o ano com um aumento de 37,3%, o que significa 230,9 milhões de pessoas vivendo nessa faixa em 2020, de um total de 600 milhões de cidadãos. Os maiores aumentos na taxa de pobreza serão na Argentina, Brasil, Equador, México, Peru e, sobretudo, na Venezuela, cujos dados são desconhecidos. Cerca de 28,5 milhões passarão à pobreza extrema.

Os latino-americanos estão entre os mais afetados no mundo pelo Covid-19: 3,4 milhões de pessoas infectadas e quase 350 mil mortos. Alguns analistas   preconizam a possibilidade da região vir a  ser tomada por um processo nebuloso,  que eles chamam de “venezuelização”, e que conduziria à “marchas de insensatez”, a partir da queda do PIB, inflação descontrolada, seguidas do fortalecimento de  milícias urbanas, de um sindicalismo ativo, provocando interrupções no sistema produtivo e, consequentemente, uma redução nas disponibilidades internas.

O Exercício de 2021 é uma incógnita: prognósticos só daqueles que se dedicam a especular. O desafio do próximo ano será descobrir como reverter essa tendência que, se persistir em 2021, vai levar à quebra de empresas e até países no continente.

Dez deles vão realizar eleições para trocar os presidentes da República e renovar os Parlamentos. Mesmo diante de um quadro agressivo como esse, opta-se sempre pela cantilena eleitoral vazia, já quase institucionalizada.

 Conforme FHC, demagogos arvoram-se de todos os lados, distribuindo rendas que nunca tiveram, e que nem sabe se existem, induzidos por pressões para além do razoável. A ascensão rápida das massas sindicais, a urbanização e a quebra de preconceitos tem feito surgir ambições novas, observa.

As eleições na América Latina sempre revelaram, com raríssimas exceções, uma alternância no Poder. As facções extremadas estão numericamente definidas. Em pleitos regulares, os candidatos presidenciais ganham eleições com pouco mais de 50 por cento dos votos. Daí ter-se um período de governos conservadores e outro de governos com tendências distributivistas. É um balanceamento de forças retrógradas enraizadas, contra as surgidas da modernização. As eleições terminam decididas pelos milhares de indecisos e flutuantes anômicos. As próximas prometem o retorno aos governos mais à esquerda, em que pese as lembranças pouco festejadas das passagens de Chavez, Maduro, Cristina, Humala, Rafael Correa, Ortega. Mas a direita não tem também o que comemorar.

Parece que nos países do continente todos pautam-se pela ideologia que mais prospera por aqui: o populismo. Resistente, mancha a história tanto à direita quanto à esquerda. O discurso populista é pegajoso, casuístico e corruptor. Transmite mensagens cheias de esperança, fetichizadas, de que o Estado tudo pode. As referências ao povo são engodos retóricos. No fundo, ambiguamente, para essas elites o Estado é o supridor e, ao mesmo tempo, o inimigo número um.

 Ao conquistar o Poder, assustam-se com o emaranhado de controles, privilégios e resistências amarrados a projetos e programas, numa teia  kafkaniana de casuísmos processuais, herdados dos antecessores.   Antes das eleições promete-se distribuir mundos e fundos dos Tesouros Nacionais, fontes aparentemente inesgotáveis de recursos, que a maioria desconhece como funciona. No governo, resolvem culpando, mudando ministros e gerando programas e projetos que se arrastam coniventemente no Congresso e meandros da burocracia.

Um governo bem intencionado não poderia ignorar o processo de educação, saúde, de políticas inclusivas, nem de futuro. Contudo, para manter vivas as forças que o impulsionam nessa direção é impossível negligenciar os aspectos fiscais da captação e distribuição dos recursos públicos. Se não houver financiamentos para o crescimento econômico não vai haver sequer “renda cidadã”, aquela que transporta a crença populista da redução da desigualdade no Brasil.

A responsabilidade cabe a um Executivo estável e responsável. Dificilmente as soluções virão do Congresso. A maioria flutua sobre realidades líquidas de mais de 30 partidos registrados no Tribunal Eleitoral e outro tanto irregulares ou clandestinos, que acabam norteando-se pelo curto prazo e pelos interesses de cada um. Como corrigir isso se, ingenuamente, as elites políticas continentais se atrelam a soluções que vem de fora: dos Estados Unidos, da China ou da Rússia?

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Aylê-Salassié F. QuintãoJornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília

 

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