FEVEREIRO - TEM CARNAVAL

O Governo está à procura de quem vai pagar a conta. Por Aylê Quintão

O GOVERNO ESTÁ À PROCURA DE QUEM VAI PAGAR A CONTA

Aylê-Salassié F. Quintão*

…A saída desse cenário vai ser muito difícil. Daí a importância do auxílio emergencial.  Mas é complicado. O governo vem tentando reduzir os valores.  Passou da ajuda individual de R$ 600,00 para R$400,00, depois para R$ 200,00…

Pessoas se divertindo e dançando no carnaval brasileiro | Vetor Grátis

Circulava esta semana pelo WhatsApp um vídeo do pessoal da escola de samba da Portela (Rio) ensaiando para o carnaval. Será?!… Daqui a duas semanas entra-se no período de festas de fim de ano. Chega dezembro e, com ele, o Natal. Depois a virada para o ano novo e, em seguida, vem o carnaval.

Teria sido nessa passagem festiva do 2019 para o 2020 que o Covid se espalhou, contaminando cidadãos distraídos pela alegria nas   praças, nas ruas, em clubes, nos estádios e até em residências particulares. Gente chegando e saindo. Resultado, no Brasil: dos mais de 5,8 milhões diagnosticados, 160 mil morreram. Com o isolamento, 5 milhões de empregos desapareceram. O Produto Interno Bruto caiu 9,7 %, e endividamento público aproxima-se de 100% desse mesmo PIB. Os investimentos despencaram em 73%, e a Lei do Orçamento de 2021 encontra-se presa no Congresso. Anuncia-se para abril sua aprovação. Há um vácuo aí nesse meio.

A pandemia acelerou o uso de tecnologias substitutivas do trabalho convencional e dos processos produtivos. O número de empresas nas áreas tecnológicas ganhou velocidade a ponto de o governo acreditar que, em 2021, o PIB vai reverter a atual tendência de queda. Registros da Confederação Nacional do Comércio indicam, entretanto, que nos últimos 12 meses foram fechadas próximo de 12 milhões de vagas de trabalho. No mundo projeta-se para os próximos cinco anos a perda de 85 milhões de empregos, substituídos por essas inteligências artificiais.  Por aqui, o número de beneficiários do auxílio emergencial em alguns estados brasileiros já é maior do que o de empregados com carteira assinada.

O mercado de trabalho formal no Brasil representa pouco mais de 50 milhões de empregos. O Banco Central constata que 68% das grandes e médias empresas aceleraram a automação dos processos e tarefas, mesmo sabendo que somente 36,9% dos trabalhadores tem habilidades digitais e apenas 16,5% tem educação avançada. O empreendedorismo informal, de subsistência, cresceu de fato, mas não o suficiente.

A saída desse cenário vai ser muito difícil. Daí a importância do auxílio emergencial.  Mas é complicado. O governo vem tentando reduzir os valores.  Passou da ajuda individual de R$ 600,00 para R$400,00, depois para R$ 200,00. A seguir, o Congresso rejeitou a proposta alternativa de R$ 300, e aumentou o auxílio para R$ 500. A ajuda do Governo, com a instituição temporária do tal de coronavoucher (Lei 13.982/2020), não apenas tirou milhões da pobreza absoluta como alimentou uma inibida dinâmica comercial, sobretudo, nas áreas mais pobres do Nordeste.

Ninguém se lembrou do alerta de Luiz Gonzaga: “Uma esmola para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

A situação não é tão simplória assim como dizia o rei do baião. Existe de fato e historicamente uma vulnerabilidade tolerada ou mal assistida. Josué de Castro chamou-a de “geopolítica da fome”.  No Brasil, convive-se com ela, ignorando-a. Milhões não tem nenhuma renda. A ajuda criada no governo Fernando Henrique e ampliada pelo governo Lula, encostou Bolsonaro na parede, ao ter agravados, pela pandemia, os índices de pobreza no País.  Mas, tem prazo no Orçamento para acabar. O caso é que por estas bandas, o temporário torna-se sempre permanente. Tirar a ajuda, que chega a representar 40 % do PIB em alguns municípios e 80 da renda familiar no interior do Nordeste, poderá fazer milhões de brasileiros retornar ao estado de carência anterior à pandemia.

A questão é se existe na política fiscal elasticidade para tanto. Não faltou nessas eleições defensores do rompimento com o teto dos gastos públicos. Estudos da Universidade Federal de Pernambuco demonstram que o custo total do auxílio emergencial deve chegar a R$ 260 bilhões até o final de 2020. O segredo está em descobrir quem vai pagar a conta. O governo está de olho nos segmentos produtivos e financeiros. A euforia das festas de fim de ano cede aos poucos à preocupação do que poderá ocorrer em seguida. Efetivamente, só em abril se saberá do rombo nas contas públicas.

Para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, teoricamente, a saída da crise tende a ser mais inclusiva, com governos de todo o mundo reforçando suas políticas sociais. A formulação parte de diálogos com a sociedade. Mas o que se vê por aqui é a ressurreição da voracidade especulativa sobre os preços, aproveitando-se desse cenário angustiante para o cidadão, frágil para o Governo e até desonroso para o País.

Não há samba que resista, nem mesmo o da grande Portela.

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Aylê-Salassié F. QuintãoJornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília

 

 

 

 

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