O triste fim de um capitão da reserva

O triste fim de um capitão da reserva. Por Edmilson Siqueira

… O leitor, pode, portanto, escolher a data em que o governo do capitão da reserva acabou. Em todas elas encontrará motivos mais que justificados, talvez até outros que não listei aqui, pois não faltam ocasiões em que Bolsonaro mandou às favas o bom senso (se é que ele teve algum dia), conspirou contra a democracia, apoiou corruptos, fez declarações assassinas…

fimFaltando ainda um ano e três meses para Jair Bolsonaro passar a faixa presidencial, seu governo já não existe mais. Talvez seja um recorde na história brasileira um governo acabar com tanto tempo sobrando e ainda existindo a possibilidade de reeleição. E talvez esse recorde seja ainda maior, pois desconfio que seu governo começou a acabar há mais tempo ainda. Pode ser quando ele fez de tudo para Sergio Moro deixar o ministério, pode ser quando ele iniciou campanha contra a ciência na pandemia, pode ser quando Luiz Henrique Mandetta foi demitido, pode ser quando ele, para não ser cassado, se ajoelhou frente aos líderes do Centrão e entregou as chaves dos cofres para o agrupamento que tem usufruído do erário de forma não republicana nas últimas décadas (e bote década nisso!) trocando o apoio ao governo pela ocupação desenfreada de cargos e a consequente dilapidação dos cofres públicos. Ou pode ser quando fez o acordão com os suspeitos de sempre para acabar de vez com a Lava Jato.

O leitor, pode, portanto, escolher a data em que o governo do capitão da reserva acabou. Em todas elas encontrará motivos mais que justificados, talvez até outros que não listei aqui, pois não faltam ocasiões em que Bolsonaro mandou às favas o bom senso (se é que ele teve algum dia), conspirou contra a democracia, apoiou corruptos, fez declarações assassinas e mentiu olimpicamente com a maior cara de pau que se já viu no poder (e olha que, depois de Lula, ganhar esse prêmio de maior cara de pau é um feito e tanto).

O capitão da reserva mostrou, a todo o Brasil e ao mundo, que não nasceu para ser titular. No Exército, um capitão comanda companhias (pelo menos minha companhia, quando servi, era comandada por um capitão). Bolsonaro cursou a AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras), uma escola de excelência na formação de oficiais, mas parece que pouco aprendeu por lá. Tem também formação de paraquedista, o que sugere trocadilhos óbvios. Sua titubeante leitura de discursos, seu pobre vocabulário e o apelo constante a recursos chulos por não ter como encerrar frases demonstram que não era bom aluno de português e jamais teve qualquer aula de oratória, mesmo depois que se tornou político.

Como destacou o jornalista de O Globo, Merval Pereira, quem está governando o Brasil hoje é o Centrão. Seus membros, que formam sólida maioria na Câmara, têm conseguido não só alguns ministérios, cargos chaves no governo e comandos de estatais, mas também fazer as leis que bem entendem no Legislativo. A tática é simples e nem precisa de qualquer sofisticação para dominar o capitão da reserva. Quando não são os próprios deputados autores das mais absurdas propostas para aumentar ainda mais a impunidade e/ou aumentar os gastos públicos em ações que facilitam a corrupção, eles pegam um projeto enviado pelo governo e fazem nele as modificações todas que lhes interessam e aprovam. Depois mandam à sanção presidencial – e ai do capitão do reserva se não sancionar.

De resto, Bolsonaro hoje não passa de um fantoche fazendo a mesmíssima coisa que fazia antes de ser eleito, andando pelo Brasil e falando para seus grupelhos de fanáticos que o consideram “mito”, da mesma forma que os fanáticos petistas consideram Lula inocente e Moro desonesto. Só há duas diferenças da campanha de 2018 para os dias atuais: hoje ele faz suas aparições cavalgando uma motocicleta e o custo das encenações todas é pago por nós, contribuintes. Como se trata de descarada campanha, há uma tênue e rara possibilidade de ter sua candidatura cassada por isso e, mais raro ainda, ter de devolver o dinheiro gasto aos cofres públicos.

Assim, inventando obras para “inaugurar” e com os mesmos discursos mentirosos de sempre que abastecem as redes sociais de sua manada imbecil, Bolsonaro caminha para um inédito e triste fim de sua tentativa de governo. Depois de não cumprir praticamente nenhuma promessa importante de campanha, depois de aprovar reformas que mais complicaram do que ajudaram, depois de ver sua popularidade se restringir a grupelhos errantes que já não sabem mais a quem apoiar devidos às idas e vindas do chefe, depois de contribuir significativamente para a morte de mais de 600 mil brasileiros com seus negacionismo crônico, Bolsonaro se prepara agora para ser o primeiro presidente a não conseguir se reeleger desde que a regra foi inaugurada nas eleições de 1998.

Talvez nem concorra a um segundo mandato para não passar pelo vexame de não ir nem para o segundo turno na eleição do ano que vem. A chamada terceira via começa a ganhar força entre políticos, na imprensa e pode, muito bem, começar, em breve, a se destacar nas pesquisas. Basta que a oposição a Bolsonaro – sem contar o PT que vai insistir no velho corrupto de sempre – deixe de lado suas ambições pessoais e pense mais no Brasil.

Como a possibilidade de impeachment, que seria a melhor solução, não será adotada, pois o Centrão quer sugar os cofres até o início do próximo governo, essa débâcle do capitão da reserva é, pelo menos, meio caminho  andado: há um enorme espaço para ser preenchido por um alternativa saudável para o Brasil e não podemos nos dar ao luxo de perder mais essa oportunidade.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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