SÍMBOLOS

Os símbolos de lá e os de cá. Por José Horta Manzano

 OS SÍMBOLOS DE LÁ E DE CÁ

JOSÉ HORTA MANZANO

…A simbologia contida na simulação de ataque balístico era de destruição pura, de eliminação da Justiça republicana, como quem dissesse: «Não queremos uma Justiça independente. Essa instituição podre tem de ser eliminada. Exigimos que esse Poder seja entregue a nosso líder»…

SÍMBOLOS

Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor, Brasil de Longe.

 

Berlim, 29 de agosto de 2020

Era uma passeata autorizada. Milhares de manifestantes desfilaram pela cidade para exigir a suspensão da obrigação de usar máscara de proteção contra a covid-19. A manifestação decorreu pacífica, mesmo porque, fora a reivindicação dos participantes, não havia choque de ideias. Não se tratava de embate entre facções; os que se dispunham a acatar a ordem de usar máscara ficaram em casa.

Lá pelas tantas, um grupo de 200 a 300 simpatizantes de extrema-direita, mais exaltados que os demais, conseguiu saltar as grades de proteção que rodeiam o Reichstag, a sede do Parlamento Nacional. Alguns chegaram até a subir os degraus da escadaria antes de serem dispersados por policiais munidos de bombas de gás lacrimogêneo.

Numerosos invasores, saudosistas, agitavam a bandeira do Império Alemão (1871 a 1918) assim como a do início do III° Reich (1933 a 1935). É atitude temerária num país em que cicatrizes de um passado trágico ainda não se fecharam de todo. Ninguém ousou erguer a bandeira nazista, aquela com a suástica, que isso é pecado mortal na Alemanha, passível de encrenca pesada com a Justiça. Após o malogro, os invasores revelaram ter tido intenção de ‘ocupar’ o Parlamento.

 Brasília, 13 de junho de 2020

Fazia tempo que apoiadores de Jair Bolsonaro tinham montado acampamento na Esplanada dos Ministérios. Era uma forma peculiar de protestar contra determinadas instituições da República cujo funcionamento não era do gosto deles. O assentamento era selvagem. A lógica elementar ensina que é vedado a um particular assenhorear-se do espaço público, mormente instalando lá sua residência, ainda que temporária. O governo do Distrito Federal ordenou a remoção das tendas. Naquele dia, a ordem foi cumprida. Os apoiadores do presidente, simpatizantes de extrema-direita como os berlinenses, não apreciaram o despejo.

Lá pelas tantas, um grupo mais exaltado de recém-expulsos teve a bizarra ideia de munir-se de fogos de artifício e utilizá-los como mísseis terra-terra. Atiraram os artefatos em direção à sede do STF, como se de bombardeio se tratasse. Jornalistas presentes à ocorrência gravaram ameaças acompanhadas de um caudal de impropérios, todos endereçados a ministros do Supremo.

Conclusão

Ambos os episódios têm pontos em comum. Por exemplo, as duas manifestações começaram dentro de relativa calma para, no final, desandarem por obra e graça de grupos radicais. Por seu lado, seguindo um figurino de romantismo adolescente, alemães e brasileiros se rebelavam contra a ordem estabelecida, fosse ela encarnada por instituições do Estado, fosse pela obrigatoriedade de portar a detestada máscara anticovid. Mais um ponto comum: os manifestantes, tanto os de lá quanto os de cá, estavam cientes de não ter a menor chance de atingir o objetivo esboçado. Nem o Reichstag seria tomado, nem o STF, incendiado. Os atos eram claramente simbólicos.

Ao observador atento, porém, não há de escapar a discrepância maior entre os manifestantes de Berlim e os de Brasília: a simbologia contida na violência de cada episódio. Os exaltados de Berlim mimaram uma tomada de assalto do Parlamento alemão. Por trás de toda purpurina, estava o desejo de tomar a si as rédeas de uma instituição do Estado. Foi como se dissessem: «Arredem daí! Nós, o povo, vamos cuidar do Parlamento melhor do que vocês. Fora!». Nada, na movimentação dos manifestantes alemães, deixou transparecer desejo de eliminar o Parlamento; só de corrigi-lo e de pô-lo no ‘bom caminho’.

Já em Brasília, foi diferente. Nossos exaltados não mostraram intenção de ‘corrigir’ nem de redirecionar a atuação do STF para o ‘bom caminho’. A simbologia contida na simulação de ataque balístico era de destruição pura, de eliminação da Justiça republicana, como quem dissesse: «Não queremos uma Justiça independente. Essa instituição podre tem de ser eliminada. Exigimos que esse Poder seja entregue a nosso líder».

A conclusão que se pode tirar é tenebrosa: nossos exaltados tupiniquins são mais perigosos do que os herdeiros do III° Reich.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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