LUVAS

Natal de luvas. Por José Paulo Cavalcanti Filho

NATAL DE LUVAS

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

Certa vez, ao dar um par de luvas, disse-lhe um velho: – “Não posso aceitar. Nunca ninguém me deu nada. O que você quer de mim?”. Greenberg queria só um aperto de mãos. E insistiu até quando, 15 minutos depois, o homem aceitou…

Luvas

 Natal é tempo de contar histórias. Como esta, de Meyer Michael Greenberg. Um homem simples que trabalhou na Revlon (Nova Iorque) até se aposentar, em 1990. Não era rico. Nem tinha prestígio no mundo social da cidade. Mas ficou famoso por algo que fazia, sempre, no inverno congelante da cidade. Ele distribuía luvas de lã. Ao morrer, Greenberg mereceu generoso obituário no New York Times, escrito por Lawrence Van Gelder. E acabou mais famoso que (quase) todos os milionários da Wall Street. Prova de ter razão, Matinas Suzuki (O Livro das Vidas), ao dizer que “é mais negócio ter um bom obituário no NY Times do que ir para o céu”.

Certa vez, ao dar um par de luvas, disse-lhe um velho: – “Não posso aceitar. Nunca ninguém me deu nada. O que você quer de mim?”. Greenberg queria só um aperto de mãos. E insistiu até quando, 15 minutos depois, o homem aceitou. Ainda jovem, foi figurante da Metropolitan Opera. E admirava o primeiro tenor, que brilhava, enquanto ele ficava nos fundos, segurando uma lança. Mais tarde o reconheceu, esmolando na rua. E lhe deu um par de luvas que o antigo parceiro agradeceu, comovido. Sem a menor ideia de que, no passado, estiveram juntos num palco. Ele, como estrela. Greenberg, como ninguém.

Um repórter, certa vez, acompanhou suas andanças. E perguntou se sabia quanto custava cada par. – “Sei. Custa um aperto de mão” – “O senhor é rico?”. – “Sim, claro”. – “E a quanto monta sua fortuna?” – “O senhor não está entendendo. Minha riqueza não está no dinheiro. Mas em trazer alegria para quem precisa”. Greenberg sabia que poderia entregar luvas em abrigos, que as distribuiriam. Mas escolheu fazer isso ele mesmo. E ia procurando, nas ruas, quem mais precisasse. – “Prefiro aqueles que evitam o olhar. Não é tanto a luva, mas dizer para as pessoas que elas importam”. No fim da vida, repetia sempre uma frase que seu pai vivia dizendo, – “Nunca se prive da alegria de doar”.

O amigo Fernando Pessoa um dia escreveu, no Cancioneiro (Natal), “Nasce um Deus. Outros morrem…/ Temos agora outra eternidade,/ E era sempre melhor a que passou”. Que neste Natal brasileiro, em tempos de pandemia, a lição se espalhe. E que, no coração de todos e cada um de nós, esteja presente, sempre, a disposição para doar. De ser solidário. De compreender bem dentro, no coração, o espírito desse tempo.

Bom Natal, amigo leitor.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.

jp@jpc.com.br

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