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Será que é como eu vejo? Por Alexandre Henrique Santos

SERÁ QUE É COMO EU VEJO?

ALEXANDRE HENRIQUE SANTOS

Os sentidos são uma criação fantástica da natureza; convém que inspirem bom uso e gratidão. O perigo não está neles nem no que percebemos, mas na rapidez com que julgamos aquilo que percebemos. Daí que para o lado que a gente se vire encontraremos provérbios nos sugerindo calma e atenção na hora de avaliar as aparências…

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM JORNAL DO ESTADO DO RIO, 6 DE JANEIRO DE 2021

“Ver sem julgar é a manifestação suprema da inteligência humana”.   

                            – Jiddu Krishnamurti

Sou um insaciável colecionador de causos sobre os desencontros entre a percepção e o que chamamos de realidade. É comum a gente achar que percebe as coisas como elas são, avalizar o ponto de vista próprio e relativizar a visão dos demais. Jung foi cirúrgico ao afirmar que “tudo depende de como vemos as coisas, e não de como as coisas são!”  Tendemos de maneira inata a acreditar que distorcer, generalizar e omitir dados capturados pelos sentidos é algo que ocorre apenas com os outros. Esse comportamento costuma ser tão disseminado que o primeiro mando dos pilotos de aviões de caça existe para impedir essa arrogância: “Se a pergunta for: posso confiar nos meus sentidos? A resposta é não – confie nos instrumentos!

É fato que não vivemos na cabine de um jato militar. No dia a dia tanto nós quanto os pilotos de avião precisamos, sim, nos guiar pela percepção. E esse está longe de ser o centro dos referidos desencontros. Os sentidos são uma criação fantástica da natureza; convém que inspirem bom uso e gratidão. O perigo não está neles nem no que percebemos, mas na rapidez com que julgamos aquilo que percebemos. Daí que para o lado que a gente se vire encontraremos provérbios nos sugerindo calma e atenção na hora de avaliar as aparências…

HÁ O QUE É E PARECE SER;

HÁ O QUE NÃO É E NÃO PARECE SER;

TEM TAMBÉM O QUE PARECE SER E NÃO É;

E AINDA, O QUE NÃO É, MAS PARECE SER.

COMO VOCÊ CONSEGUE SABER?

Não é fácil responder a essa pergunta; ela pede um tempo de reflexão e quase ninguém dá. Grande parte das nossas antipatias e rusgas interpessoais não nasce dos fatos objetivos que ocorreram conosco; e sim das interpretações prematuras que fazemos. O problema está nos juízos instantâneos expostos no calor do momento. Essa opinião é compartilhada por profissionais das mais diversas áreas: mediação, psicoterapia, negociação etc. O sujeito mal se dá conta de algo e pumba! – com pose de magistrado, dispara o seu “Eu acho que…”. Embora tantos nem desconfiem, a prática do achismo nos parece tão “natural” que equivale a uma pandemia, uma pandemia de opiniões apressadas.

Sabemos que inexiste solução mágica para os desafios humanos. Reduzir a distância entre o que se mostra e o que eu percebo demanda esforço. Por isso, o propósito da epígrafe não é impedir o exercício da crítica e/ou estimular uma dócil neutralidade. Ao contrário, Krishnamurti busca impedir o achismo, a preguiça de refletir e a banalização da ignorância, que são a fonte de todos os preconceitos. Claro que nós podemos julgar; mas depois da reflexão consciente, serena e responsável.

Sobre o que eu vejo, ouço, degusto, cheiro e sinto – para ficarmos apenas nos cinco sentidos tradicionais – há e sempre haverá um halo de dúvida. É assim, é humano e ponto. Cabe a mim bendizer essa incerteza com humor e naturalidade. Mais que isso, posso usá-la para dar trabalho e utilidade à massa cinzenta que temos na cabeça. Sim, a prática do não-julgamento exige suor e assepsia dos sentidos – o que se pode obter com reflexões, meditação e disciplina. Em troca podemos ter aprendizados, conhecimento e, com sorte – outros dirão, com merecimento –, até sabedoria, que é o saber utilizado com compaixão.

Só eu posso decidir o que fazer com o quase quilo e meio do cérebro que carrego comigo. Posso preferir não o utilizar e deixar-me abduzir pelo vapt-vupt dos achismos e dos preconceitos. Ou posso refletir com paciência e responsabilidade antes de dar um parecer – se dar um parecer for necessário. Somente eu tenho o poder de respirar fundo e pedir gentilmente a mim mesmo: observe sem pressa e não faça suposições!

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – é sociólogo, consultor de empresas, terapeuta e coach. Atuou mais de 30 anos em e para grandes corporações na área do desenvolvimento humano. Mora em Madri e dá palestras, consultorias e workshops presenciais e à distância na Península Ibérica e na América Latina. É meditante, vegano, ecologista, participa de trabalhos voluntários e campanhas de solidariedade. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes.

Contato: alex@ndre.com.br

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