MILICOS

Milicos no poder. Por Edmilson Siqueira

MILICOS NO PODER

EDMILSON SIQUEIRA

… o país afundou mais e mais e os milicos foram lembrados várias vezes. Planos mirabolantes na economia só serviram para mostrar a ignorância dos que os aplicavam, deixando os pobres mais pobres ainda.

militares

Por um bom tempo, depois do fim da ditadura no Brasil, os militares se recolheram aos quartéis e, a partir daí, foi iniciado um trabalho de recuperação da imagem dos milicos como guardiões da democracia e da Constituição. Aquele papo de “as FFAA estão unidas e coesas” próprio da época ditatorial e que serviu a ótimas piadas, foi jogado no lixo. A discrição passou a ser o mote da conduta e o propaganda dos 20 e tantos anos de autoritarismo deixou de lado tudo de ruim que aconteceu e passou a enaltecer a segurança “daquele tempo”, o crescimento do Brasil e outras bobagens que a memória fraca do brasileiro assimilou como verdades. Mesmo porque, a ditadura entregou um Brasil quebrado pela dívida externa, atulhado de estatais e ainda promoveu a volta de todas as raposas políticas que existiam antes da ditadura, acrescidas de outras que a própria ditadura forjou.

A censura vigente então fez seu trabalho de cegar o cidadão para as atrocidades do regime e para a corrupção vigente, daí se falar até hoje que os milicos eram honestos e que “naquele tempo” não tinha corrupção. E, pior ainda, que era seguro andar pelas ruas à noite, o que é uma grande mentira.

Mas, mercê talvez até à discrição com que os militares assistiram o desenrolar da política brasileira nas mãos dos civis, a imagem deles ganhou conteúdo positivo, alavancado por alguns bons generais que davam, quando solicitados, opiniões sensatas sobre o andar da carruagem. E motivos não faltaram para que, bem antes da insensatez bolsonarista, os milicos fossem lembrados para dar um jeito “nisso aí”.

A corrupção, por exemplo, correu farta e grossa no primeiro governo civil pós-ditadura. A família Sarney, que já vinha acumulando dinheiro alheio durante a ditadura, ao se ver no poder com a morte de Tancredo, nadou de braçadas a ponto de ter um estado inteiro do Brasil para chamar de propriedade particular. E, multimilionária, deixar esse estado como o mais miserável do país.

Depois de Sarney, o playboy das Alagoas, menino rico criado no Rio, ex-marido de uma herdeira das melhores no cenário carioca, eleito presidente com a promessa de acabar com “tudo isso que está aí”, surgiu no cenário como a solução para a roubalheira dos Sarney. Era engodo, como vimos.

Nessas duas situações o país afundou mais e mais e os milicos foram lembrados várias vezes. Planos mirabolantes na economia só serviram para mostrar a ignorância dos que os aplicavam, deixando os pobres mais pobres ainda.

A era Fernando Henrique, apesar dos pesares, foi um oásis no meio da disfunção diretiva do Brasil. Finalmente um plano econômico vingou, a moeda ficou forte e só a covardia de um partido de centro-esquerda, cheio de mimimis justifica o fim de num projeto que vinha sendo vitorioso. A covardia de não privatizar as grandes estatais por medo do falso discurso da esquerda e outras ações que empacaram o desenvolvimento do Brasil, tiraram quase todo o brilho de um governo diferente dos anteriores e que realmente deu alguma esperança para a maioria dos brasileiros.

A consequência foi que a esquerda light de Lula, aliada à esquerda radical de alguns setores do partido e de alguns partidos que viviam à rabeira do PT chegaram ao poder e tomaram posse diante do largo sorriso do sociólogo-presidente que deve ter faltado às aulas sobre as artimanhas históricas da esquerda no mundo. Ou, pior, achou que Lula seria melhor que o candidato de seu próprio partido.

Depois foi o que se viu e muita gente pediu a volta dos militares para consertar “de novo” o Brasil. E esse discurso passou a encontrar eco cada vez maior no desmemoriado eleitor brasileiro.

Foi aí que, diante do descalabro petista, diante da gigantesca corrupção, diante da enorme violência matando culpados e inocentes, foi que um obscuro deputado do baixo clero, que vivia do expediente de defender reivindicações sociais de milicos e meganhas e de roubar dinheiro público do salário dos seus funcionários – prática essa estendida a seus filhos políticos e muito comum em todo o Brasil – percebeu que, diante do pobre quadro político brasileiro teria chances de alçar um voo mais alto.

Outros fatores, como a disseminação de redes sociais pela internet e o velho discurso do “nós contra eles” que ele já vinha praticando nos púlpitos e corredores da Câmara, completaram um cenário onde valeria a pena arriscar.

… A eleição de Bolsonaro foi, na verdade, a volta simbólica dos milicos ao poder que era pedida por muita gente. Tanto assim que vários generais, coronéis, almirantes etc., foram convocados para o governo e em poucos meses de governo ele já havia trocado alguns generais do seu entorno, mostrando que, como na guerra, a fidelidade ao comando é essencial.

Porém, o fato de ser um capitão reformado e manter aquela postura de milico bravo, forjaram uma figura que caiu no gosto de todos aqueles que não se conformavam em ver a roubalheira desenfreada do PT e a possibilidade de nos transformarmos numa imensa Venezuela. Foi o suficiente para botarem suas esperanças no deputado do baixo clero.

A eleição de Bolsonaro foi, na verdade, a volta simbólica dos milicos ao poder que era pedida por muita gente. Tanto assim que vários generais, coronéis, almirantes etc., foram convocados para o governo e em poucos meses de governo ele já havia trocado alguns generais do seu entorno, mostrando que, como na guerra, a fidelidade ao comando é essencial. Ou seja, o regime era (ainda é) de quartel lá pelas bandas do Palácio do Planalto. Pois é como uma guerra que ele tenta dirigir o país, atacando diariamente seus inimigos imaginários e remando contra a maré do bom senso para, diante dos seguidos fracassos, posar de vítima de uma conjuntura maligna que quebrou o país e deixou-o sem qualquer opção.

Para os milicos que estão no governo, o quadro até pode parecer bom: os soldos são maiores, o poder é maior e há um monte de ajudante de ordens puxando-lhes o saco. Há milicos que adoram tudo isso, como estamos vendo.

Só que aquela imagem dos militares, de guardiões da democracia e da Constituição (que é falsa, mas foi bem construída), está indo para o brejo. Hoje, há militares no governo e militares fora do governo. E uns criticam os outros, numa divisão que não se via desde que Geisel resolveu peitar Frota (quem não sabe da história, o Google ajuda).

E enquanto Bolsonaro bajula militares de todos os tipos – ele vai a formatura de PMs e PFs, o que jamais um presidente anterior fez – outra ala franze a testa, entorta o nariz e engraxa as botas para uma eventual necessidade. Ou seja, os milicos voltaram ao poder, mas os que nele se encastelam parecem ser a banda podre da corporação e isso não é uma coisa boa para o Brasil.

Pois quando militares de um mesmo país estão divididos, as consequências podem ser funestas. Que os deuses da guerra determinem que eu estou enganado.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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