Quando Bolsonaro acerta sem querer. Por Antonio Silvio Lefèvre

QUANDO BOLSONARO ACERTA SEM QUERER

…parando de abastecer no Posto Ipiranga.

ANTONIO SILVIO LEFÈVRE

… Ao pretender reduzir os preços dos combustíveis, lixando-se para o “mercado” e intervindo na Petrobras, Bolsonaro “dilmou”.  Mas sem querer acertou, pondo a nu a ilusão liberaloide em relação a Petrobras. Aliás, uma grande estatal como esta, não só não deve e nem pode ser privatizada como deveria comprar de volta todas as ações da companhia em mãos do mercado privado.

 

petrobras

Diante da grita geral na imprensa por causa da evidente intervenção de Bolsonaro na Petrobras com o objetivo de baixar o preço dos combustíveis, fui novamente ler e ouvir o que dizem os economistas a respeito. E, como sempre, vi os “liberais” reclamando, dizendo que os preços são “de mercado”, internacionais, etc. que a Petrobras  não é uma estatal pura, porque tem acionistas privados na bolsa e que por isso não se pode prejudica-los, reduzindo os lucros da empresa, e por aí vai.

Na GloboNews vi uma entrevista do economista André Perfeito. Ótimo, pensei, que sabe agora ouço uma análise mais aprofundada, senão perfeita.  Mas, nada: veio a mesma ladainha dos liberaloides, lamentando o ostracismo a que Paulo Guedes está sendo jogado pelo “estatismo” do Bozo.

Eu não sou economista, sou apenas um ex-ator da TV e um sociólogo com mestrado pela Sorbonne, mas nem precisaria de diploma algum para perceber aquilo que o simples bom senso joga à nossa cara.  Ou seja, que a economia “de mercado”, o liberalismo, são ótimos para estimular o crescimento e favorecer os consumidores, mas só quando há concorrência real no mercado.

Já escrevi aqui  sobre a “ditadura dos bancos” que fez com que 4 deles tenham formado um cartel que impõe ao mercado empréstimos com juros superiores a 10% ao mês e, como o Itaú, ainda tenha a cara de pau de anunciar que são “juros especiais” para parcelar a fatura do cartão. E olha que os juros só não são maiores ainda porque, felizmente, ainda existem o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, estatais, que empurram os juros um pouquinho para baixo.  (não muito, porque a Febraban não deixa.)

Liberalismo é ótimo no mercado varejista, com milhares de lojistas competindo e reduzindo os preços ao mínimo possível para ganhar o consumidor.  Mas num setor como o do petróleo, onde apenas uma gigantesca estatal controla toda a extração e a comercialização dos produtos, como querer ser liberal?  Liberal para concorrer com quem?

Os que pedem a privatização da Petrobras já pararam para pensar como a gigantesca empresa privada resultante iria tratar os consumidores? Alguma ilusão de que iria atender aos anseios dos milhões de consumidores,  entre os quais os caminhoneiros?

O caso da Petrobras é emblemático no sentido de demonstrar aquilo que o meu grande mestre inspirador, Monteiro Lobato, já disse em idos tempos, antecipando a fundação da companhia: “O petróleo é nosso!”.  E a conclusão é óbvia. Num setor tão importante para a economia e o progresso do país como o dos combustíveis, o controle tem que ser do Estado mesmo porque nenhum empresário colocaria os interesses dos consumidores à frente dos seus lucros.  Se fosse para privatizar a Petrobras, teriam que quebra-la em dezenas de partes e coloca-las em leilão, porém impedindo que um mesmo grupo empresarial comprasse mais de uma parte. para não começar a formar cartel.

Outro exemplo de estatal que não dá para privatizar? Os Correios!  Por um simples motivo: é que nenhuma empresa privada aceitaria levar um livro de um extremo ao outro do país por uma tarifa subsidiada de menos de R$ 10..  Eu, como livreiro, sinto isso na própria pele e, recentemente, gritei por socorro à Regina Duarte quando, na sua curta permanência como ministra, alguns ansiosos pela privatização dos Correios já tentavam preparar o terreno para isso, acabando com a tarifa subsidiada para livros. Felizmente não conseguiram.

Sim, combustível é produto de primeira necessidade para toda a população. E cultura também é. E por isso é preciso colocar o interesse do consumidor antes de qualquer anseio pelo lucro.

Eu não sou contra privatizações de uma forma geral. Pelo contrário. A privatização das teles no governo FHC foi necessária e muito bem conduzida. Sim, porque embora as telecomunicações também sejam um serviço de grande porte e de enorme interesse dos consumidores, o Estado havia se revelado até então totalmente incapaz de atende-los. Telesp, Telerj e outras não faziam nada além de cobrar fortunas por uma linha telefônica fixa. Temos competição e livre mercado entre as operadoras de telefonia resultantes das privatizações? Até certo ponto. porque as operadoras são poucas, algumas já foram absorvidas por outras e os indícios de cartelização já são bem claros.

E aí chegamos a uma questão crucial: a do necessário controle do Estado sobre a concorrência nos setores fundamentais onde impera a iniciativa privada, como o dos bancos, da aviação, da telefonia, dos planos de saúde, das seguradoras.  Em tese, temos para isso o Banco Central e as agências controladoras como a Anatel, a ANS, ANAC, Anvisa e várias outras.  Só que este controle do Estado deveria ser feito única e exclusivamente em defesa do interesse dos consumidores. O que impediria que qualquer dessas agências tivesse na sua direção figuras de proa do próprio setor empresarial envolvido. Um banqueiro ou ex-diretor de banco na presidência do Banco Central, por exemplo, é o mesmo que dizer que não haverá controle algum, apenas a defesa dos interesses dos banqueiros. Seria, como sempre tem sido, uma raposa tomando conta do galinheiro. Um político vinculado de alguma forma aos interesses de empresários também não poderia assumir agência alguma. Quem poderia então? Apenas legítimos e comprovados defensores dos direitos do consumidor!  Como a minha amiga Maria Inês Dolci, que presidiu o Proteste e admiro muito. (brincadeira, não a consultei, mas teriam que ter o perfil dela).

E as grandes estatais, como a Petrobras, os Correios e a Eletrobras, agora também ameaçada de intervenção pelo Bozo, como garantir que irão se pautar apenas pelo interesse dos consumidores?. Evitando colocar na sua direção políticos ligados a partidos, como os do PT que usaram a estatal em primeiro lugar para literalmente pilhá-la. Verdade que, como pretende agora o Bozo, Dilma manteve preços dos combustíveis tão baixos quanto possível, levando a Petrobras a uma quase falência, não porque quisesse tanto ajudar os consumidores, mas porque, como agora o Bozo, ansiava apenas por votos na eleição seguinte.

 Ao pretender reduzir os preços dos combustíveis, lixando-se para o “mercado” e intervindo na Petrobras, Bolsonaro “dilmou”.  Mas sem querer acertou, pondo a nu a ilusão liberaloide em relação a Petrobras. Aliás, uma grande estatal como esta, não só não deve e nem pode ser privatizada como deveria comprar de volta todas as ações da companhia em mãos do mercado privado. “O petróleo é nosso”, como disse Lobato, e não de investidores, sejam eles quais forem. E que Paulo Guedes tenha uma boa aposentadoria.

Ou quem sabe o Posto Ipiranga lhe ofereça um emprego.

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ANTONIO SILVIO LEFÈVRE é sociólogo (Université de Paris), editor e livreiro. Interpretou Pedrinho na 1ª adaptação do “Sítio do Picapau Amarelo” para a TV, em 1954. Veja no Museu da TV.

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2 thoughts on “Quando Bolsonaro acerta sem querer. Por Antonio Silvio Lefèvre

  1. Uma verdadeira aula sobre o assunto. Parabéns!
    Claro que teve um pouquinho da inspiração do grande mestre de nós todos: Monteiro Lobato.
    Abraços

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