REGRA 34

cartaz

Regra 34 mostra como gozar sofrendo. Por Rui Martins

… O filme Regra 34, de Julia Murat, me lembra aquelas bebidas ou remédios com um aviso no rótulo: cuidado para não passar da dose prescrita ou tomar em excesso pode ser mortal…

Cobertura especial do Festival de Cinema de Locarno

 Júlia Murat
Júlia Murat: O BRASIL NO FESTIVAL DE LOCARNO

O filme Regra 34, de Julia Murat, me lembra aquelas bebidas ou remédios com um aviso no rótulo: cuidado para não passar da dose prescrita ou tomar em excesso pode ser mortal. É como uma espécie de jogo para ser feito a dois, três ou quatro, mais já é outra coisa e vulgarmente se chama suruba ou orgia.

Ou como disse Julia, é coisa para se fazer em clima de confiança. Ou daí, deduzindo, um tipo de coito ou relação sexual  com gente de confiança, nada de numa festinha de aniversário ou na boate dizer pro parceiro ou parceira “vamos dar uma de sadomasô?” porque um pode se sair mal e ser socorrido às pressas ou ficar traumatizado.

Quem se cansou de fazer “papai-mamãe”, por trás, ou felação,  e quiser variar num terreno a riscos, precisa primeiro ler a cartilha do BDSM, bondage, disciplina, dominação, submissão, sadomasoquismo, com seu marido, esposa, amante ou amigo(s) regular(es), nada de incluir estranho porque pode entrar numa fria.

Na cena final do filme, a personagem Simone aceita jogar uma espécie de tudo ou nada com um de seus amantes virtuais, com o pseudônimo de Bite (piroca): seria um sadomasô sem regras. Mas felizmente recuou, numa dessas com um estranho e com violência sem regras, haveria um feminicídio.

Aí há uma certa contradição que vejo no filme: de um lado querer dar às mulheres brancas, negras ou loiras o must do gozo, brincando com a violência, num país chamado Brasil onde impera o racismo e o machismo. O sadismo unilateral aplicado nas mulheres sem partilha é moeda corrente.
Experiência sadomasoquista com regras BDSM é coisa para grupos fechados de gente intelectualizada pra frente e devem existir muitos grupinhos se torturando e se fazendo medo para um gozo pleno, sem moralismos e complexos pregados nas igrejas, onde mulher tem de ser vestal ou dar sem receber.

No contato da equipe do filme com a imprensa, um colega estranhou o sexonline da Simone com monetização, que seria prostituição. Sol Miranda não se ofendeu e explicou que, desde que o mundo é mundo, existe prostituição, umas se prostituem por gosto outras por necessidade econômica (seria o caso da prostituição virtual da Simone para poder continuar seus estudos) e outras por escravidão. Um filme na Piazza Grande (com Juliette Binoche e Morgan Freeman) mostra um grupo de traficantes de meninas que eram raptadas para serem mais tarde prostitutas, isso nos States.

No próprio filme Regra 34, se fala em não se proibir a prostituição e de se proteger a prostituta.

Enfim, haveria o risco do filme viralizar e se tornar um perigoso modismo? Julia diz que também se preocupa com isso, mas lembra a regra de fazer só com pessoas de confiança.

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Rui Martins, especial, direto do Festival Internacional de Cinema de Locarno

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Náufrago da Utopia: RUI MARTINS: BRECHT O CHAMARIA DE "IMPRESCINDÍVEL"Rui Martins – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

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