JUNHO E A MULHER INVISÍVEL

Em junho completo mais uma rodada em torno do Sol, chego agora a ser oficialmente mais idosa ainda do que até já era, como determinam decretos. Agora não há mais discussão, e espero ao menos não correr mais o risco de ficar sem o transporte coletivo gratuito como ocorreu até que se reestabelecesse este ano.

JUNHO E A MULHER INVISÍVEL

Nada fácil falar de idade, embora nunca tenha omitido ou mentido a minha. Mas sei bem como funciona, sempre prestei muita atenção nisso. Nada fácil ser mulher. Nada fácil ser mulher e falar de idade – a gente vive mais, mas parece que vai ficando a cada dia mais transparente aos olhos de todos. Uma invisibilidade progressiva que se acentua e, pior, já começa quando ainda se é vital na sociedade que cada vez mais se torna supérflua, instantânea. Falo de amor, de atenção, de flerte, mas também – e muito – de reconhecimento profissional e da procura por espaços abertos ao crescimento.

Engraçado é que comecei bem cedo. Tinha 15 anos quando sai para trabalhar fora pela primeira vez, como vendedora de uma loja na Rua Augusta, na vã esperança de que poderia ganhar para ao menos comprar uma motocicleta, minha paixão à época. Cheguei antes a ter uma, aos 13, mas nesse país sempre cheio de decretos regulando nossas vidas, especialmente durante a terrível ditadura, à época foi proibido esse acesso a quem tivesse menos de 18; revoltada, fui obrigada a vê-la sendo levada. Mas nesse trabalho quase paguei, e nada ganhei. Só que dali em diante nunca mais parei.

Foi, no entanto, ao sair para a vida, quando descobri muitas coisas novas, desde com pessoas que propunham a liberdade total naquele momento, do mundo do rock e seu redor, à luta política que também me levou ao feminismo, ao jornalismo, onde já completo mais de 47 anos, 44 contando da formatura oficial na Universidade. Sempre me meti nas coisas antes do tempo, me adiantando a ele, assim continuo e assim pretendo continuar. Enquanto não ficar transparente total vão me ver nessa luta. Nela, aos 65, ainda serei precoce em tudo como sempre. Não desaparecerei assim sem mais ou menos.

Toda hora vejo aqui e ali novas determinações e regras de pode isso, não pode aquilo, muitas travestidas de modernidade, de conselhos, de bondades. No fundo é tudo mesmo muito preconceituoso. Pode vestir isso, “vai ficar bem para a idade”, mas não aquilo, pela elegância. Matérias sobre 40 +, 50+, 60+ inundam os portais, mas sempre com um quê de condescendência, de faça isso, sinta-se assim, para obter um selo de aprovação. Durante toda a vida às mulheres sempre cabe estarmos postas em cercadinhos de etapas, que devemos passar pulando, como cercas, como que tocadas como gado.  Upalelê, agora é hora de casar; ser mãe; ser avó; fazer plástica; cortar o cabelo; encompridar a saia; dar espaço aos jovens; aposentar; se aquietar; morrer?

Sou do contra. Até na audácia de falar sobre isso. De chegar até aqui onde cheguei vendo tantas outras desistirem no caminho e na alegria de saber que muitas de nós persistem, mesmo que como corpos estranhos na sociedade, destacadas como seres exóticos, “originais”, entre outros adjetivos que ganhamos. Outro dia mesmo ouvi que sou “autêntica” e fiquei pensando se isso queria falar bem ou mal.

Nasci no glorioso ano de 1958. Assim, chego daqui a alguns dias nesta nova maioridade, me acostumando a ela, em forma, e alguns fios prateados. Pela primeira vez o aniversário cai em um feriado neste junho, mês especial de festas para Santos, de chuva de meteoros, de tapetes de flores nas ruas. De muitos arco-íris nas ruas festejando, defendendo e consagrando a liberdade e a diversidade sexual – tudo na mesma semana.

Sei que receberei centenas de mensagens maravilhosas, amada, porque mesmo do jeito que sou – e talvez até mesmo por isso – sou bem considerada por pessoas de todos os cantos, tipos, formas, pensamentos que conheci ao longo desse tempo, mesmo que tantas outras tão especiais tenham sido perdidas e seguiram para algum outro plano. Já fico feliz em pensar nisso como uma forma de apoio. Pessoas que de alguma forma reconhecem (e muitas invejam!)  que nenhum dia é fácil para quem fez as escolhas que orgulhosamente fiz, faço e cumpri. Amei, fui amada, sobrevivi aos fins e sempre afiada e pronta aos começos.

Desde já, agradeço, de coração, pelo menos a elas estar bastante visível. Para as que ainda tentam me arrancar de suas histórias ou me ignorar, só posso dizer que isto é impossível: a memória é implacável.

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marli - PIRANDOMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

(FOTO:@CATHERINEKRULIK)

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6 thoughts on “Junho e a mulher invisível. Por Marli Gonçalves

  1. Cara Marli,
    Olhemos pelo lado bom.
    Como você nasci nos anos 50 – sou de 1951 – e, tive a felicidade de ver, sentir e passar por grandes momentos da história.
    Começou com a mudança cultural pelos beatniks, seguiu a mudança comportamental no movimento hippie, e culminando na música dos anos 60 – excelente – que até hoje é símbolo de um momento intenso, vibrante, que ocorreu no mundo todo, inclusive aqui no Brasil.
    Existe momento mais importante musicalmente falando que os anos 60?
    Correndo em paralelo, a tecnologia foi radical, ao saímos do orelhão da esquina para um verdadeiro computador de bolso (celular).
    Pensar que isso era fantasia nos quadrinhos de Dick Tracy ou afins, foi um salto e tanto.
    São muitas as mudanças que passamos, impossível determinar qual foi a mais importante.
    Talvez seja o momento de lembrar de um gênio esquecido, que no fim do século 19 e princípio do século 20 previu – e criou meios – para que a tecnologia de hoje existisse: Nicolas Tesla.
    Abraço!
    Inté!

    Feliz aniversário!

    SP 03/06/2023

  2. Prezada. Já passei pela hora de casar, e casei. Pela de ser pai, e fui (de uma moça lindíssima que no início do ano que vem me trará uma neta… e de uns tantos cãezinhos também lindinhos que já me fizeram avô e bisavô…). Vida que se renova e renova o espírito de quem está por perto. Plástica, nunca fiz ; não encomprido calças, mas como professor sempre dei espaço aos jovens. Aposentar, não vou ; nunca. Pretendo trabalhar até o dia do juízo final, pois morrer, ou aquietar-se sem remissão, é coisa que poucos conseguem planejar – embora todos, por mais incompetentes que sejam, realizem um dia. Em suma, passar pela vida é ela própria. Completá-la é acessível a todos, mesmo que nem todos a completem como a desejem. Creio que, pelas tuas palavras, você está no caminho do sucesso, e deixará em tua história uma narrativa marcada de atos que bem te representarão. Acredite, é o máximo que se pode conseguir diante da eternidade… De resto, um aniversário a mais é apenas isso : um a mais. Outros virão, esteja certa. Mantenha-se lúcida, pois. Joyeux anniversaire !

    1. Querida Marli, Tens difícil de ser abordado, mormente por una mulher!
      Como tu, virei a folhinha em maio: 71! Pareço? Não, mesmo! Me dão 55! Isso me incomoda ou me lisonjeia? Também não! N o Período da Ditadura no nosso país, eu estava completando 12 anos! Não entendia nada, a não ser, que era perigoso sair às ruas! Por quê? Não sabia responder!
      Também não saberia responder porque fui me render à corte de um membro de minha família, ainda aos 17 anos, ao chegar do intercâmbio nos USA! Sempre fui alta para minga idade, longilinha e muito notada!
      Namorei, noivei e casei-me com um primo, num idílico e fulminante prazo de seis meses! “A ditadura saiu do campo militar para o campo doméstico matrimonial!” Tive) tenho cinco filhos_ sem perder qualquer concepção _, do mesmo casamento, e sou avó de quatro. Feliz? Julguei que seria! Que era!Tinha todos os atributos que se esperava de uma menina que se casou aos 18 anos recém completados, em 1970.
      As sinapses da vida a dois nos requerem muito, como mulher! Com uma diferença de dezesseis anos de diferença entre nós, e tendo identificado seu narcisismo há doze anos, decidi, resolvi, patenteei a separação há trinta meses, no ano em que ” celebramos as Bodas de Ouro.” Hilário? Cômico, se não fosse trágico! Remorso? Só se for pelo amor aos filhos não ter me separado antes!
      Estive tão imersa na geração e educação da prole, visando o bem estar dela e do marido, que não vi os anos passarem! Talvez, pela boa genética_ aliada à nenhuma pretensão de esticar, tirar, colocar e acrescentar alguma estética alheia à minha aparência_ estou vivendo e convivendo muitíssimo bem! Ao fazer essa longa travessia e ainda assim, sair ilesa fisicamente,
      deixei para trás meio século de opressão de todas as formas, continuando muito bonita! A outra parte, coitada…? A INVEJA que o acompanhou durante toda a sua vida, deu-lhe o troco, bem dado! Há trinta meses, não pergunto aos filhos como está ou deixa de estar! O contrário do amor, Marli, não é o ódio! É a indiferença!
      Acabe de ler o que escrevi e vá até o espelho! Repita para si própria: ” Como somos seres completos e alvo da inveja masculina!”. Um grande e carinhoso beijo,
      Maria Helena 🌻

  3. Marli, primeiramente, parabéns pelo seu aniversário!
    Cada um com sua história que, em algum ponto dela e em alguma situação, também é do contra, voluntária ou involuntariamente.
    O importante é a fidelidade de cada um a si mesmo.
    Aqui vai um mimo pra você, geminiana:
    https://youtu.be/to1RDSnwnqs

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