Independência ou sorte! Por Alexandre Schwartsman

Independência ou sorte!

Por Alexandre Schwartsman

… Este mercado existe. Há quem venda proteção contra calotes de países e empresas, cobrando uma taxa por isto, que, conforme argumentado acima, reflete, entre outras coisas, a percepção do risco de não pagamento, por este motivo chamada de “prêmio de risco”.

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 20 de julho de 2016

Amélia emprestou R$ 1 mil a Bento por um ano, cobrando 10% de juros, mas passou a ter dúvidas sobre sua capacidade de pagamento. Uma amiga, Cristina, lhe ofereceu então o seguinte negócio: caso Bento furasse, Cristina pagaria por ele; em troca da garantia, cobraria de cara 7% do valor do empréstimo, ou seja, R$ 70.

Assim, em caso de calote, Amélia receberia o valor do empréstimo (R$ 1 mil), menos o que pagou a Cristina, ficando com R$ 930; caso contrário, receberia o principal e juros, R$ 1.100, o que, deduzindo o pagamento da proteção, chegaria a R$ 1.030. Já Cristina receberia R$ 70, mas, se Bento aprontasse, teria que pagar R$ 1 mil para Amélia, amargando um prejuízo de R$ 930.

Parece um negócio ruim para Cristina, mas depende crucialmente da sua percepção da probabilidade de Bento dar o calote. Suponha que seja 5%. Neste caso ela ganharia R$ 70 com 95% de chance e perderia R$ 930 com 5% de chance, isto é, um ganho esperado de R$ 20 (0,95 x 70 – 0,05 x 930).

Na verdade, qualquer probabilidade de calote inferior a 7% traria ganhos esperados, enquanto qualquer probabilidade superior a 7% implicaria perdas esperadas. (Ignoramos, por simplicidade, qualquer avaliação de como Cristina lida com risco). Caso houvesse um mercado grande de amigos de Amélia dispostos a vender seguro contra o calote de Bento o valor cobrado refletiria a percepção de mercado sobre a chance de levar o cano, ou seja, sob concorrência o ganho esperado deverá ser zero.

Este mercado existe. Há quem venda proteção contra calotes de países e empresas, cobrando uma taxa por isto, que, conforme argumentado acima, reflete, entre outras coisas, a percepção do risco de não pagamento, por este motivo chamada de “prêmio de risco”.

Em particular, no final da semana passado o prêmio de risco do Brasil (para um período de cinco anos) caiu abaixo de 3% ao ano pela primeira vez desde agosto de 2015, depois de chegar a mais do que 5% em fevereiro deste ano. Houve, portanto, uma reavaliação considerável da percepção de risco da dívida brasileira, muito embora ainda permaneça bem mais alta do que a observada para países sérios da América Latina, como Chile, Colômbia, Peru, ou México.

Posto de outra forma, a avaliação predominante sugere que o problema ainda é grave, embora menos do que parecia ser no começo do ano. Em que pesem fatores globais, que ajudaram a maioria dos países, há razões para crer que a maior parte deste movimento resultou da mudança de política econômica por parte da nova administração, em especial o tratamento das contas públicas para reverter o aumento persistente da dívida relativamente ao PIB.

O governo promete retomar a trajetória de superávits primários a partir de 2019, de modo a atingir os valores necessários para este objetivo. O nó da questão, como notado por Samuel Pessôa, é que a atual estratégia, embora possa render frutos, requer disciplina por muitos anos, ao longo dos quais teremos que torcer para que o resto do mundo continue a demonstrar paciência com nossa abordagem gradualista.

Concretamente, sem medidas adicionais do lado do gasto, muito possivelmente a dívida só fará a inflexão após 2020-2022 (senão depois). Ou tratamos de avançar mais rápido, ou a sorte será a única alternativa que nos restará.

thomas jefferson

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Alexandre-BSB• * ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, agora integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)

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