A Nova Zelândia nos ensina a governar. Por Ministro Maurice P. Mc Tigue*

A Nova Zelândia nos ensina a governar

  Ministro Maurice P. Mc Tigue*

Introdução

O ex-ministro da Nova Zelândia, Maurice P. Mc Tigue, expôs na Hillsday College, Michigan, EUA como os neozelandeses tiraram o país da miséria crescente, muito parecida (ponha parecida nisso) com a brasileira atual.  A abordagem é fascinante, por nossas semelhanças e pelos resultados que eles obtiveram.  Cito um exemplo com a redução de número de funcionários:

Ministério

Nº de Funcionários

  Antes Depois
Transporte 5.600 53
Meio Ambiente 17.000 17
Obras Públicas 28.000 1

Para a obtenção destes números, entre muitos outros, houve um trabalho sistemático exposto nesta matéria de lei­tura obrigatória para os que se dedicam ao governo no Brasil.

RECADO Chumbo gordo, 

Este artigo foi enviado especialmente ao Chumbo Gordo 
pelo engenheiro e estudioso de Economia Pedro John Meinrath,
que elaborou a apresentação acima,

Menos Governo, vida melhor

Ministro Maurice P. Mc Tigue

… Pode esta situação de agigantamento do estado ser interrompida ou mesmo revertida?…

Na década de 1980, a Nova Zelândia, que até então havia sido rica, era um país relativamente atrasado (com renda per capita era igual às de Portugal e Turquia), estagnado e sem grandes perspectivas.  A economia era engessada, fechada, protegida e ineficiente.

Até que, em meados da década de 1980, um governo de esquerda fez o inimaginável e adotou medidas contrárias a esta ideologia: austeridade monetária e fiscal, redução dos privilégios, abolição de várias tarifas protecionistas e, principalmente, forte redução da máquina pública, com a demissão de muitos funcionários públicos.

Se olharmos para a história, notaremos que o crescimento do governo é um fenômeno recente.

Desde a década de 1850 até as décadas de 1920 ou 1930, a fatia que o governo ocupava no PIB da maioria das economias industrializadas do mundo raramente ultrapassava os 6%.  Porém, desse período em diante — e em par­ticular desde os anos 1950 —, vivenciamos uma explosão maciça na fatia que o governo ocupa no PIB.  Em alguns países, o valor varia de 35 a 45%.  (No caso da Suécia, houve um ponto que chegou a 65%, e o país quase que se autodestruiu como resultado.  A Suécia agora está desmantelando alguns de seus programas sociais para se manter economicamente viável).

Pode esta situação de agigantamento do estado ser interrompida ou mesmo revertida? Com base em minha experi­ência pessoal, a resposta é “sim”.  No entanto, isso não apenas requer altos níveis de transparência, como ainda é necessário saber lidar com as consequências severas de eventuais decisões erradas — e essas não são coisas fá­ceis.

A primeira mudança necessária está na mentalidade da população.  Tem de haver uma mudança na forma como as pessoas veem as atribuições do governo e suas responsabilidades, principalmente a fiscal.  A antiga ideia de respon­sabilidade fiscal simplesmente dizia que o governo não deveria gastar mais dinheiro do que arrecadou.  A nova ideia de responsabilidade fiscal tem de se basear na seguinte pergunta: “O que é que obtivemos em termos de be­nefícios públicos como resultado do gasto deste dinheiro?”.

Esta é uma pergunta que sempre foi feita no setor privado, mas que raramente foi a norma para o setor público.  E os governos que resolveram lidar com essa questão apresentaram resultados extraordinários. Esta foi certamente a base das reformas bem-sucedidas no meu próprio país, a Nova Zelândia.

A renda per capita da Nova Zelândia no período anterior ao final da década de 1950 era a terceira maior do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Canadá.  Porém, já em 1984, a renda per capita havia caído para a 27ª posição, ao lado de Portugal e Turquia.  Não apenas isso, a nossa taxa de desemprego era de 11,6%, tínhamos tido 23 anos de sucessivos déficits (os quais, em algumas ocasiões, chegavam a 40% do PIB), a nossa dívida pública havia alcan­çado 65% do PIB, e as nossas classificações de risco — concedida pelas agências Stan­dard & Poor’s, Moody’s e Fitch — eram continuamente rebaixadas.

Os gastos do governo chegavam a 44% do PIB, os investimentos estavam em queda, os investidores estrangeiros estavam abandonando o país, e o governo queria gerenciar praticamente todas as atividades da economia, desde as grandes empresas até as mercearias.  Havia controle de capitais e controle de câmbio, o que significava que eu não podia comprar uma assinatura da revista The Economist sem a autorização do Ministério das Finanças.  Eu não po­dia comprar ações de uma empresa estrangeira sem abrir mão da minha cidadania.

Havia controle de preços em todos os bens e serviços, em todas as lojas e em todo o setor de serviços. Havia con­trole e até mesmo congelamento de salários.  Patrões que eventualmente quisessem conceder aumentos salariais aos seus funcionários — ou mesmo pagar-lhes um bônus — estavam legalmente proibidos de fazê-lo.

Havia controle de importação, com o governo determinando quais bens eu podia trazer para o meu país.  Havia ma­ciços subsídios às indústrias, a fim de mantê-las viáveis.  Os jovens neozelandeses estavam deixando o país em massa.

Quando um governo reformador foi eleito, em 1984, ele imediatamente identificou três problemas: gastos excessi­vos, impostos excessivos, e excesso de governo.  A questão era como cortar gastos e impostos e como diminuir o papel do governo na economia.

Bem, a primeira coisa a se fazer nesta situação é descobrir o que se está recebendo em troca de cada unidade de dinheiro gasto.  Para este fim, implantamos uma nova política, segundo a qual o dinheiro não seria simples­mente distribuído aos ministérios, agências e repartições governamentais; em vez disso, haveria um contrato com os altos funcionários de cada órgão do governo, claramente delineando o que era esperado em troca do dinheiro alocado.

Os líderes de cada órgão do governo passaram a ser escolhidos com base em critérios rigorosos.  Foi feita uma se­leção em nível mundial e os escolhidos receberam contratos a termo: cinco anos com uma possível extensão de mais três anos.  O único fundamento para a sua demissão era a não-execução do que fora acordado, de modo que um governo recém-eleito não pudesse simplesmente mandá-los embora como havia acontecido com os funcionários públicos no sistema antigo.

Obviamente, com esse tipo de incentivo, os novos líderes dos órgãos do governo — tais como os CEOs do setor privado — se certificaram de que seu grupo de subordinados também tivesse objetivos muito claros, os quais se es­perava que também fossem cumpridos.

A primeira medida que tomamos em relação a cada órgão tinha como base as políticas a ser adotadas. Isso tinha o objetivo de gerar um vigoroso debate entre o governo e os líderes de cada órgão sobre como alcançar metas do tipo “reduzir a fome” e o “número de sem-teto”.  Isto não significava, vale enfatizar, que o governo deveria fornecer casa e comida para as pessoas.  O que realmente era debatido era o grau em que a fome e o número de sem-teto seria realmente reduzido.

Em outras palavras, deixamos claro que o importante não era quantas pessoas estavam recebendo políticas assistencialistas, mas sim quantas pessoas estavam saindo do assistencialismo, deixando de depender do Estado e passando a viver com independência.

Tão logo começamos a trabalhar por meio deste processo, fizemos algumas perguntas fundamentais aos ministérios e agências. A primeira pergunta foi: “O que vocês estão fazendo?”. A segunda pergunta foi: “O que vocês deveriam estar fazendo?”.

… Quando começamos este processo, o Ministério dos Transportes tinha 5.600 funcionários. Quando terminamos, tinha apenas 53.  O Ministério do Meio Ambiente tinha 17.000 funci­onários.  Quando terminamos, tinha 17.  Quando aplicamos isso ao Ministério das Obras Públicas, lá havia 28.000 funcionários.  Quando terminamos, tinha apenas um: eu mesmo…

Com base nas respostas, dissemos: “Eliminem o que não deveriam estar fazendo” — isto é, se estão fa­zendo algo que claramente não é responsabilidade do governo, parem de fazer isso.

E então fizemos a pergunta final: “Quem deveria estar pagando por isso — os pagadores de impostos, o usuário, o consumidor ou a indústria?”.  Perguntamos isto porque, em muitos casos, os pagadores de impostos estavam subsi­diando coisas que não os beneficiavam.  Quando você afasta o custo dos serviços dos seus reais usuários e consu­midores, você inevitavelmente acaba promovendo o uso excessivo destes serviços e, com isso, desvaloriza o que quer que esteja sendo feito.

Quando começamos este processo, o Ministério dos Transportes tinha 5.600 funcionários. Quando terminamos, tinha apenas 53.  O Ministério do Meio Ambiente tinha 17.000 funci­onários.  Quando terminamos, tinha 17.  Quando aplicamos isso ao Ministério das Obras Públicas, lá havia 28.000 funcionários.  Quando terminamos, tinha apenas um: eu mesmo.  Eu fui Ministro das Obras Públicas e acabei sendo o único funcionário deste órgão.  Neste último caso, quase tudo que o ministério fazia era construção e enge­nharia; mas havia muitas pessoas que poderiam fazer tudo isso sem o envolvimento do governo.

“Ah, mas você destruiu todos os postos de trabalho!”, você pode me dizer.  Só que isso simplesmente não é verdade.  O governo deixou de empregar pessoas naqueles postos de trabalho, mas a necessidade daquele trabalho não de­sapareceu.  Eu mesmo visitei alguns dos trabalhadores florestais alguns meses depois de terem perdido seus em­pregos no Ministério do Meio Ambiente, e eles estavam bastante felizes.  Eles me disseram que estavam ganhando cerca de três vezes o que costumavam ganhar — além disso, eles ficaram surpresos ao saber que conseguiam fazer cerca de 60% mais do que aquilo a que estavam habituados.  A mesma lição se aplica aos outros trabalhos que mencionei.

Algumas das coisas que o governo estava fazendo simplesmente não eram função do governo.  Por isso vendemos telecomunicações, companhias aéreas, sistemas de irrigação, serviços de informática, gráficas governamentais, em­presas de seguro, bancos, ações, hipotecas, ferrovias, serviços de ônibus, hotéis, empresas de navegação, serviços de assessoramento agrícola, etc.

Resultado principal: quando vendemos estas coisas, sua produtividade subiu e o custo dos seus serviços caiu, tradu­zindo-se em ganhos importantes para a economia.

Além disso, decidimos que outros órgãos deveriam ser geridos como empresas com fins lucrativos e que pagam impostos.  Por exemplo, o sistema de controle de tráfego aéreo foi transformado em uma empresa autônoma, cujo objetivo era obter uma taxa de retorno aceitável e pagar impostos, tendo sido alertada de que não receberia qualquer aporte, investimento ou capital de seu proprietário (o governo).

Fizemos o mesmo com aproximadamente 35 órgãos.  Juntos, eles nos custavam cerca de um bilhão de dólares por ano; depois, passaram produziram cerca de um bilhão de dólares por ano em receitas e impostos.

Conseguimos uma redução global de 66% no tamanho do governo, medido pelo número de funcionários.  A fatia que o governo ocupava no PIB caiu de 44 para 27%.  Estávamos agora com supe­rávit e estabelecemos uma política de nunca deixar dólares à disposição: sabíamos que se não nos livrássemos desse dinheiro, algum engraçadinho o gastaria em proveito próprio.  Consequentemente, utilizamos a maior parte do superávit para pagar a dívida, de modo que a dívida baixou de 63 para 17% do PIB.

… Em primeiro lugar, temos de reconhecer que o principal problema dos subsídios é que eles tornam as pessoas de­pendentes; e quando você torna as dependentes, elas perdem a sua criatividade e toda a sua capacidade de inova­ção, tornando-se ainda mais dependentes…

O que restava do superávit de cada ano foi utilizado para reduzir a carga de impostos. Reduzimos as alíquotas do imposto pela metade e eliminamos outros impostos.  Como resultado destas políticas, a receita aumentou 20%. Sim, Ronald Reagan estava certo: alíquotas de imposto menores produzem mais receitas.

O que dizer sobre a invasão governamental que ocorre sob a forma de subsídios?

Em primeiro lugar, temos de reconhecer que o principal problema dos subsídios é que eles tornam as pessoas de­pendentes; e quando você torna as dependentes, elas perdem a sua criatividade e toda a sua capacidade de inova­ção, tornando-se ainda mais dependentes.

Deixem-me dar um exemplo: em 1984, 44% da renda da criação de ovelhas na Nova Zelândia era oriunda de subsí­dios do governo.  O produto principal era o cordeiro e, no mercado internacional, o cordeiro era vendido a 12,50 dóla­res americanos (com o governo neozelandês fornecendo mais 12,50 dólares americanos) por unidade.  Nós então abolimos, em apenas um ano, todos os subsídios. Obviamente, os criadores de ovelhas não ficaram nada satisfeitos.

Porém, tão logo eles perceberam que a decisão era permanente, que os subsídios não iram voltar, eles montaram uma equipe de pessoas encarregadas de descobrir como poderiam obter 30 dólares por unidade.  A equipe concluiu que isso seria difícil, mas não impossível.  Era necessário chegar a um produto inteiramente diferente, processá-lo de maneira diferente e vendê-lo em diferentes mercados.

Dois anos se passaram e, em 1989, haviam conseguido converter o seu produto de 12,50 dólares em algo cujo novo valor era de 30 dólares.  Por volta de 1991, valia 42 dólares; em 1994, valia 74 dólares; e em 1999, valia 115 dólares.

Em outras palavras, a indústria de ovelhas da Nova Zelândia “saiu para o mercado” e descobriu pessoas que esta­vam dispostas a pagar preços mais elevados pelo seu produto.

Hoje, vocês podem ir aos melhores restaurantes dos EUA e comprar cordeiro da Nova Zelândia e pagar algo entre os 35 e os 60 dólares por libra (cerca de 450g).

Desnecessário dizer que, quando abolimos todos os subsídios do governo à indústria, foi amplamente previsto que haveria um enorme êxodo de pessoas fugindo desses setores.  Mas isso não aconteceu. Para dar um exemplo, ape­nas 0,75% dos empreendimentos agropecuários apresentaram prejuízos e quebraram – e essas eram pessoas que nem sequer deveriam estar no ramo.  Adicionalmente, alguns previram um grande movimento em direção à organi­zação corporativa em oposição à agropecuária familiar.  Mas ocorreu exatamente o oposto.  Em vez de uma expan­são na agropecuária corporativa, foi a agropecuária familiar que se expandiu.  Todos viraram empreendedores, pro­vavelmente porque as famílias estão dispostas a trabalhar por menos do que as empresas.

No final, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.  E demonstrou que se as pessoas tiverem como única opção serem criativas e inovadoras, elas irão encontrar soluções.

A Nova Zelândia tinha um sistema educacional que também estava se comprovando um fracasso.  A taxa de repe­tência chegava a 30% das crianças — especialmente aquelas em áreas socioeconômicas mais baixas.  Ao longo dos 20 anos anteriores, o governo despejava cada vez mais dinheiro na educação, e os resultados eram cada vez piores.  Custava-nos duas vezes mais para obter um resultado pior do que o que tinha sido obtido 20 anos antes com muito menos dinheiro.

… Cada escola passou a ser admi­nistrada por um conselho de gestores eleito pelos pais das crianças que a frequentavam, e por mais ninguém.  Demos às escolas uma quantia de dinheiro com base no número de alunos matriculados, sem impor condições especiais…

E então decidimos repensar o que estávamos fazendo nesta área também.  A primeira coisa que fizemos foi identifi­car para onde estavam indo os dólares despejados na educação.  Contratamos consultores internacionais (porque não confiávamos nos nossos próprios órgãos para executar esta tarefa) e eles relataram que, para cada dólar que gastávamos com educação, 70 centavos eram consumidos pela administração.

Assim que ouvimos isto, eliminamos imediatamente todo o Ministério da Educação.  Cada escola passou a ser admi­nistrada por um conselho de gestores eleito pelos pais das crianças que a frequentavam, e por mais ninguém.  Demos às escolas uma quantia de dinheiro com base no número de alunos matriculados, sem impor condições especiais.  Ao mesmo tempo, dissemos aos pais que eles tinham o direito absoluto de escolher onde os seus filhos seriam educados.  É absolutamente detestável que seja um burocrata qualquer diga aos pais que eles têm de mandar os seus filhos para uma escola ruim.  Convertemos 4.500 escolas a este novo sistema em um único dia.

Mas nós fomos ainda mais longe: tornamos possível às escolas privadas serem financiadas exatamente da mesma forma que as escolas públicas, dando aos pais a capacidade de gastar seu dinheiro onde quer que eles escolhes­sem.  Mais uma vez, várias pessoas previram que haveria um grande êxodo de estudantes do ensino público para as escolas privadas, pois as escolas privadas demonstravam uma superioridade acadêmica de 14 a 15%.  Isso não aconteceu, pois a diferença de desempenho entre as escolas desapareceu em cerca de 18-24 meses.  Por que? Porque repentinamente os professores das escolas públicas perceberam que, se eles perdessem alunos, perdiam o financiamento; e se eles perdessem o financiamento, perderiam o emprego.

Oitenta e cinco por cento dos nossos alunos iam para escolas públicas no início deste processo. Este número caiu para apenas 84% depois do primeiro ano das reformas.  No entanto, três anos depois, 87% dos estudantes estavam em escolas públicas.  Mais importante, o nível educacional da Nova Zelândia, que até então era 15% inferior ao de seus pares internacionais, tornou-se 15% superior.

Agora, falemos sobre tributação e competitividade.  O que muitos no setor público hoje não conseguem reconhecer é que o desafio da competitividade é mundial.  Capital e mão-de-obra conseguem se mover tão rapidamente de um lugar para outro, que a única maneira de impedir que as empresas saiam de um país é dando a certeza de que o clima de negócios no seu país é melhor que o de qualquer outro.

Sob este aspecto, houve uma circunstância muito interessante na Irlanda.  A União Europeia, liderada pela França, foi muito crítica em relação à política tributária irlandesa — particularmente na que diz respeito às empresas —, pois os irlandeses haviam reduzido alíquota do imposto de renda de pessoa jurídica de 48 para 12%, e, como consequên­cia, várias empresas se mudaram para a Irlanda.  A União Europeia queria impor uma penalização à Irlanda, na forma de um imposto de renda de pessoa jurídica de 17%, de modo a que o país ficasse alinhado com outros países europeus.

… encontramos um sistema extremamente complicado, que distorcia tanto os empreendimentos quanto as decisões privadas.  Consequentemente, fizemos as seguintes perguntas para nós mesmos: o nosso sistema tributário estava preocupado em coletar receitas?  Estava preocupado em coletar receitas e também em prestar de serviços sociais?…

Desnecessário dizer que os irlandeses não aceitaram nessa ideia.  A União Europeia respondeu dizendo que o que os irlandeses faziam era injusto e contrário à ideia de competitividade.  O ministro das Finanças da Irlanda concordou: ele destacou que o governo da Irlanda estava cobrando 12% das empresas ao passo que cobrava dos seus cidadãos apenas 10%.  Ato contínuo, a Irlanda reduziu a alíquota de impostos para as empresas também para 10%.  Mais uma batalha que os franceses perderam!

Quando nós, na Nova Zelândia, analisamos o nosso esquema tributário, encontramos um sistema extremamente complicado, que distorcia tanto os empreendimentos quanto as decisões privadas.  Consequentemente, fizemos as seguintes perguntas para nós mesmos: o nosso sistema tributário estava preocupado em coletar receitas?  Estava preocupado em coletar receitas e também em prestar de serviços sociais?  Ou estava preocupado em coletar receita, em prestar serviços sociais e em alterar comportamentos?  Decidimos então que serviços sociais e questões comportamentais não tinham lugar em um sistema racional de tributação.

… Reduzimos a alíquota máxima do imposto de renda de 66 para 33% e fixamos essa taxa para todos os que tinham rendimentos mais elevados.  Além disso, reduzimos a alíquota mínima de 38 para 19%, a qual se tornou a taxa fixa para a população de menor renda.

Ato contínuo, decidimos que só teríamos dois mecanismos para obter receitas — um imposto sobre a renda e um imposto sobre o consumo — e que iríamos simplificar estes mecanismos e reduzir as alíquotas ao máximo possível.

Reduzimos a alíquota máxima do imposto de renda de 66 para 33% e fixamos essa taxa para todos os que tinham rendimentos mais elevados.  Além disso, reduzimos a alíquota mínima de 38 para 19%, a qual se tornou a taxa fixa para a população de menor renda.  Em seguida, definimos uma alíquota de imposto sobre o consumo de 10% e eliminamos todos os outros impostos — impostos sobre ganhos de capital, impostos sobre a propriedade etc.

O que realmente aconteceu foi que acabamos coletando 20% mais receitas do que antes.  Por que?  Porque se as alíquotas são baixas, os pagadores de impostos mais ricos não irão contratar advogados e contadores caros para encontrar brechas na legislação.  Simplesmente não compensa.  Com efeito, todos os países do mundo que pesqui­sei que simplificaram e reduziram dramaticamente as suas alíquotas de imposto terminaram com mais receita, e não menos

E quanto às regulamentações?  O poder regulador é normalmente delegado a funcionários que não foram eleitos, os quais então restringem as liberdades das pessoas sem ser cobrados e punidos por isso.  Essas regulações são extremamente difíceis de abolir uma vez implantadas.  Mas nós encontramos uma maneira: simplesmente reescrevemos os estatutos em que as regulações estavam baseadas.

Por exemplo, reescrevemos as leis ambientais, transformando-as na Lei de Gestão de Recursos — redu­zindo uma lei que tinha 63,5 cm de espessura para 348 páginas.  Reescrevemos o código tributário, todo o código florestal e de exploração agropecuária, e as leis sobre segurança e saúde no trabalho.  Para fazer isso, juntamos os nossos cérebros mais brilhantes e dissemos a eles para partirem do princípio de que não havia ne­nhuma lei pré-existente e que deveriam criar o melhor ambiente possível para a indústria prosperar.

Estas novas leis, com efeito, revogaram as antigas, o que significa que caíram todas as regulações vigentes — todas.

Deixem-me compartilhar uma última história: o Ministério dos Transportes veio até nós um dia para nos dizer que tinham de aumentar as taxas para as carteiras de habilitação.  Quando perguntamos o porquê, eles disseram que os custos para renovar uma carteira não estavam sendo totalmente cobertos pelas taxas vigentes.  Então perguntamos por que o governo deveria estar envolvido nesse tipo de atividade.  Os funcionários do Ministério dos Transportes claramente pensaram que essa era uma pergunta muito idiota. “Todos precisam de uma carteira de habilitação”, disseram eles.

E então respondi que recebi a minha quando tinha 15 anos, e ainda perguntei: “Como é que emitir uma nova carteira testa a competência do condutor?”.  Demos a eles dez dias para pensar sobre isso.

Em um determinado dia, eles disseram que a polícia precisa das carteiras de habilitação para fins de identificação.  Respondemos que este era o propósito de uma carteira de identidade, não de uma carteira de habilitação.

Finalmente, eles admitiram que não conseguiram encontrar uma boa razão para o que estavam fazendo — por isso, extinguimos todo o processo.

Agora, uma carteira de habilitação é válida até a pessoa fazer 74 anos, data após a qual deve fazer um teste médico anual para garantir que ainda é competente para dirigir.  Assim, não apenas não precisávamos de novas taxas, como ainda eliminamos todo um órgão estatal.

Isto é o que eu quero dizer quando exorto a “pensar de forma diferente sobre o governo”.  É nesta direção que um governo tem de se mover.

 

 Sobre Maurice McTigue

mauriceMaurice McTigue, 76 anos, autor deste artigo, participou intensamente de todo o processo de desregulamentação do mercado de trabalho, do sistema de transportes e da eco­nomia geral da Nova Zelândia nas décadas de 1980 e 1990.  Foi ministro do Emprego, ministro-adjunto de Finanças, ministro da Imigração. Pertence ao National Party.

 

                            (*) Este artigo foi retirado de palestra realizada 
em fevereiro de 2004 no Hillsdale College de Michigan, Estados Unidos. 
A introdução é do engenheiro brasileiro  Pedro John  Meinrath.

1 thought on “A Nova Zelândia nos ensina a governar. Por Ministro Maurice P. Mc Tigue*

  1. Excelente.
    Passei por vários sentimentos ao ler o texto. Raiva, frustração e inveja.
    Antes de jogar a toalha e ir embora do país, o que posso fazer para ajudar que essa transformação ocorra aqui também?

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