Pela primeira vez, o Brasil é campeão. Coluna Mário Marinho

Pela primeira vez, o Brasil é campeão

COLUNA MÁRIO MARINHO

O futebol no Brasil ainda engatinhava naquela segunda década do século XX.

Na Argentina, o futebol era um pouco mais evoluído e foi lá que nasceu a Confederação Sul-Americana de Futebol, em 1916, após um torneio de futebol do qual participaram a Argentina, o Brasil, o Chile e o Uruguai.

Decidiu-se, então, que anualmente seria disputado o Campeonato Sul-americano entre esses países.

Em 1918, chegou a vez do Brasil.

Porém uma terrível e mortal tragédia abalava o mundo: a Gripe Espanhola.

Não se conhecia remédio eficaz para combatê-la. Mas, a recomendação geral, era para que se evitassem aglomerações.

No Brasil, a Gripe Espanhola matou cerca de 40 mil pessoas, atingindo com mais força os grandes centros como Rio e São Paulo. Entre os mortos estava o presidente do Brasil, recém-eleito, Rodrigues Alves. O futebol perdeu Belfort Duarte.

Calcula-se que ao final de seu ciclo, a Gripe tenha matado, no mundo todo, entre 40 e 50 milhões de pessoas. Quatro ou cinco vezes mais do que os mortos da Primeira Guerra Mundial.

Esse, efetivamente, não era o quadro ideal para a realização do Campeonato Sul-Americano que foi adiado para o ano seguinte.

Para receber seu primeiro torneio internacional de futebol, foi totalmente reformado e ampliado o estádio das Laranjeiras, com capacidade para 25 mil torcedores, o maior da América do Sul, estádio do aristocrático Fluminense carioca.

A comissão técnica escolhida pela então CBD (Confederação Brasileira de Desportos) era formada pelos jogadores Amílcar Barbuy e Arnaldo Silveira (capitão), além de Mário Pollo, Affonso de Castro e Ferreira Vianna Netto.

A organização foi considerada impecável.

No dia 11 de maio de 1919, o Brasil fez sua estreia goleando o Chile por 6 a 0.

Friedenreich marcou três vezes, Neco duas vezes e Haroldo completou o placar.

No dia 18 de maio, Brasil venceu a Argentina por 3 a 1, com um verdadeiro show de bola.

Na segunda-feira, 26 de maio, o Brasil decidiu o título contra o Uruguai que também havia vencido seus dois jogos.

O Uruguai fez 2 a 0, mas Neco marcou dois e empatou o jogo.

Foi necessário, então um jogo desempate, marcado para quinta-feira, 29 de maio.

O jogo estava marcado para às 14 horas, mas às 9 já começaram a chegar os torcedores.

Naquela manhã, às 9 horas, o jornalista e escritor Coelho Neto escrevia a sua crônica que seria publicada na mesma noite, pelo jornal “A Noite”.

“À hora em que, de afogadilho, urgido pelo tempo, escrevo esta efeméride (nove da manhã) já a minha querida rua do Rozo (atualmente rua Coelho Neto), ordinariamente tão sossegada, só ressoando, para meu encanto, risos de crianças e chilreios de passarinhos, borborinha referve, tumultua atupida de gente, marulha o vozerio de um como assustado povo, estronda com o buzinar de numerosos automóveis, atroa estropeada dos cavalarianos que a policiam, berzoa com o pregão de um mundo de feirantes que se instalam dos passeios à sombra das árvore, com tabuleiros, crestas, latas e catimploras.”

Mais adiante, o cronista fala sobre a multidão que se empurra, que procura locais mais altos de onde se pode avistar o gramado e até casos de flagrante desrespeito jamais imaginados naquela época:

“Um ancião, de melenas brancas, vocifera enfurecido, brandindo o guarda-chuvas diante dos olhos espantados de um rapazelho.

– Eu poderia ser seu avô, sabe senhor? Seu avô. Tenho netos mais velhos do que o senhor. Falta de educação… No meu tempo os rapazes de sua idade davam caminho aos velhos, descobriam-se diante deles.

Ao que responde o rapazelho:

– É possível! Mas no seu tempo não havia football”.

Coelho Neto termina assim sua crônica:

“Ponho aqui o ponto final porque, se me demoro mais um segundo, fico a ver navios e o que eu desejo ver não é propriamente uma revista naval, mas decisão do campeonato.”

Para tão importante acontecimento, o governo decretou ponto facultativo nas repartições públicas. Bancos e principais casas de comércio também fecharam suas portas.

O jogo foi muito disputado com lances de perigo de gol dos dois lados. Mas, ao fim do tempo regulamentar, deu-se novo empate, em 0 a 0.

Foi necessária prorrogação de mais 30 minutos.

Logo aos 3 minutos, Neco invadiu pela direita e, já quase na linha de fundo, chutou para o gol. O goleiro Saporiti defende parcialmente e a bola caiu nos pés de Friedenreich que marcou o gol da vitória e do título.

No segundo tempo, cansados, os dois times se arrastaram em campo. Friedenreich foi consagrado herói nacional e ganhou dos uruguaios o apelido de El Tigre.

Friedenreich "El Tigre"
                     Friedenreich “El Tigre”

O Brasil jogou com Marcos de Mendonça (Fluminense-RJ), Píndaro (Flamengo-RJ) e Bianco (Palestra Itália-SP); Sergio Pires (Paulistano-SP), Amilcar (Corinthians-SP) e Fortes (Fluminense-RJ); Millon (Santos (SP), Neco (Corinthians-SP), Friedenreich (Paulistano-SP), Heitor (Palestra Itália-SP) e Arnaldo (Santos-SP).

Comissão Técnica – Arnaldo da Silveira (capitão), Amilcar Barbuy, Mario Pollo, Affonso de Castro e Ferreira Vianna Netto.

Na foto de abertura, ao alto: Em pé: Pedro Barbera (árbitro), Sérgio, Fortes, Millon, Bianco, Marcos Mendonça, Neco, Píndaro, Amílcar, Heitor, Arnaldo, Friedenreich e Adilson Penteado (Bandeirinha).

Afinal, tem
Mundial ou não tem?

Em jogo pela Libertadores no meio da semana, o Palmeiras deu verdadeiro show de bola ao vencer o argentino Tucumán por 3 a 1. Mostrou garra, competência, entrega, técnica, jogo coletivo – tudo o que se exige de um grande time até possuidor de um título mundial.

No sábado, o Verdão foi totalmente envolvido pelo São Paulo que teve 62% de posse de bola. Não se viu em campo o criativo Dudu; o esperto Mina, zagueiro-artilheiro; o surpreendente Tche-Tche – não se viu nada, nem mesmo a mão milagrosa de Cuca.

Foi derrotado, claro, 2 a 0.

O Palmeiras jogou como um time que está longe de ter um título mundial.

Veja os gols
Do Fantástico

https://youtu.be/Tnt4FUtHk3s

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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