O rei da fuga. Por Edmilson Siqueira

O REI DA FUGA

EDMILSON SIQUEIRA

 Ok, ele não pode saber de tudo, mas para isso basta dizer que ainda não leu, que não foi informado, que vai conversar com o ministro da área, que é contra isso ou aquilo etc., e continuar a entrevista. Ou encerrá-la de modo educado. Sair repentinamente e calado por considerar a pergunta ofensiva ou sei lá o quê…

Já faz algum tempo que aconteceu pela primeira vez, mas parece que agora o ato virou rotina: basta um repórter fazer uma “pergunta difícil” ao presidente, ele vai embora, sem resposta alguma, encerrando a entrevista.

Além da total falta de respeito com profissionais que estão trabalhando, o ato denota outras leituras, nenhuma delas favorável ao chefe do Executivo.

Quando Bolsonaro para à saída ou entrada de algum lugar para falar com jornalistas, prevê-se que ele está disposto a responder qualquer pergunta. Ok, ele não pode saber de tudo, mas para isso basta dizer que ainda não leu, que não foi informado, que vai conversar com o ministro da área, que é contra isso ou aquilo etc., e continuar a entrevista. Ou encerrá-la de modo educado. Sair repentinamente e calado por considerar a pergunta ofensiva ou sei lá o quê, mostra apenas o grau de imaturidade de um deputado do baixo clero que não sabe o que fazer com o poder que lhe foi dado pelo voto do povo.

Mas significa outras coisas também. Se a pergunta é sobre um fato que pode sugerir corrupção, e ele encerra a entrevista sem respondê-la, pode deduzir que ele não sabe de alguma coisa grave que está acontecendo em seu governo  ou que ele está praticando mesmo corrupção, por isso é melhor se calar. É grave? Claro que é.

…Maluf não fugia do páreo, aguardava uma pergunta mais fácil e tocava o barco. Já Bolsonaro, talvez sem a esperteza de Maluf e com muito menos cérebro, simplesmente foge da raia, como se quisesse fazer um infantil desaforo à imprensa toda que não pergunta sobre seus “grandes feitos” no governo, confundindo esses “grandes feitos” com a normal obrigação de um político eleito para realizá-los.

A pergunta que ensejou essa nova fuga presidencial do “terrível ataque do repórter” era sob o fato de o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, ser sócio de uma empresa que recebe dinheiro de emissoras com contratos com o governo, o que é proibido por lei. Bolsonaro poderia responder que está averiguando, que é contra qualquer prática que fira a lei, que vai tomar providências caso o fato seja mesmo ilegal etc. e tal.

Ora, o fato existe, caso contrário não haveria a pergunta. Se não existisse, seria ótima oportunidade para, com sua fina educação, mandar o repórter enfiar a pergunta no… como ele adora fazer, para vergonha de todos os brasileiros com um mínimo de pudor.

A fuga de perguntas embaraçosas teve um precursor bem mais inteligente que Bolsonaro. O ex-político Paulo Maluf inaugurou as respostas vazias, nas quais ele aproveitava para fazer autopropaganda.  O repórter perguntava se ele ia cumprir tal promessa de realizar certa obra e a resposta vinha em forma de outras obras que ele tinha feito, menos aquela, claro, que era solenemente ignorada. Fez escola entre a malandragem política que, infelizmente, é maioria no Brasil.

Mas Maluf não fugia do páreo, aguardava uma pergunta mais fácil e tocava o barco. Já Bolsonaro, talvez sem a esperteza de Maluf e com muito menos cérebro, simplesmente foge da raia, como se quisesse fazer um infantil desaforo à imprensa toda que não pergunta sobre seus “grandes feitos” no governo, confundindo esses “grandes feitos” com a normal obrigação de um político eleito para realizá-los.

Bolsonaro já fugiu quando lhe perguntaram sobre o caso Queiroz, já se mandou quando perguntaram sobre as críticas que lhe fez o ministro do STF, Celso de Mello, já saiu de fininho quando questionado sobre o uso de helicóptero da FAB por sua família e já puxou o carro quando quiseram saber mais sobre o vídeo que seu filho postou na página dele (dele, presidente) com seus ‘adversários’ como se fossem hienas (entre os quais o STF).

Ou seja, ele está se tornando o rei da fuga, transformando a pergunta que provocou a fuga na principal da entrevista toda e fazendo, com isso, que um assunto que lhe irrita ganhe uma repercussão muito maior do que se ele, educadamente, saísse pela tangente, dissesse que ia se inteirar do assunto, ou mesmo que não comentaria tal fato. Como se vê, a fuga é muito pior do que uma resposta vazia.

Ditadores costumam desprezar a imprensa num primeiro momento. Depois, se se tornarem mais poderosos, encerram as atividades dela e criam a imprensa chapa branca, paga pelo governo, que só publicará o que o governo quer e só fará perguntas fáceis e adrede combinadas. Comprar a opinião de publicações através das verbas oficiais, o que está implícito na fatal pergunta de hoje, também é um caminho para um regime autoritário.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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