País ruim, futebol pobre

País ruim, futebol pobre. Por Edmilson Siqueira

País ruim, futebol pobre

A derrota do Palmeiras no Mundial de Clubes, apesar dos esforços do clube brasileiro, mostrou uma realidade que existe há muito tempo por aqui. A diferença gritante de elenco é resultado de quanto os times ingleses (e não só ingleses, mas vários europeus) têm para gastar comprando craques e pagar a eles salários totalmente impensáveis na América Latina. E para ter tanto dinheiro é preciso ter um país desenvolvido, cuja economia sirva aos interesses da nação e não a grupos políticos, como acontece em nuestra América.

Nosso subdesenvolvimento econômico é grande. Apesar de ser uma das dez maiores economias mundiais, todo o dinheiro aqui produzido é mal-usado, a começar pelas obrigações todas criadas por uma Constituição, no mínimo, surreal, completamente atrasada e que obriga o país a não sair do abismo econômico em que se encontra. E, claro, há a corrupção, os cabides de emprego espalhados por todos os serviços públicos do país, as rachadinhas que proliferam feito praga, os lobbies de funcionários do governo (dos 3 poderes) onde uma boa parte ganha salários absurdos e muitas outras coisas mais que impedem o desenvolvimento normal do país. Vivemos de projetos que param no meio do caminho e de esmolas traduzidas em programas sociais que, ao invés de ajudar o cidadão a progredir, perenizam a pobreza. Não à toa, esses programas atingem cada vez mais famílias, pois o “benefício” é moeda de troca eleitoral. E o “curral” precisa ser mantido. Ou crescer.

No futebol não poderia ser diferente. Qualquer craque que se revele num time, seja grande ou pequeno, logo recebe propostas inacreditáveis para jogar num Barcelona, Real, Chelsea, Manchester, Liverpool, Bayer, PSG ou outros. Por exemplo: o goleiro do Liverpool, o brasileiro Alisson. É um dos melhores goleiros do mundo, talvez o melhor. Saiu do Internacional de Porto Alegre por míseros 7,5 milhões de euros. Foi para a Roma e, de lá, para o Liverpool. O preço dessa segunda transação foi de 54 milhões de euros. Hoje, segundo sites especializados, Alisson ganha 90 mil libras (667 mil reais) POR SEMANA. No Brasil é difícil encontrar jogador que ganhe mais de 500 mil reais por mês. Agora imaginem 2,6 milhões de reais. A diferença é muito grande.

Exemplos como de Alisson ululam por aí. Comparados aos europeus da primeira divisão, os clubes brasileiros têm orçamentos de segunda divisão, então fica difícil manter jogadores que despertem interesses dos europeus. E não só deles: recentemente uma revelação do São Paulo não quis assinar contrato depois da Copinha e, desconfiam os dirigentes tricolores, que ele recebeu proposta de um clube chinês. Anthony, última revelação do São Paulo, saiu para um clube holandês. Ou seja, além dos 5 grandes países europeus – Alemanha, Itália, França, Espanha e Inglaterra – outros países europeus têm cacife suficiente para tirar os craques brasileiros com a simples oferta de trocarem o símbolo do dinheiro que recebem de real para euro.

E não há que resistir: além do salário ser multiplicado por cinco, seis, dez vezes ou até mais, há a necessidade do clube receber algum dinheiro pela venda e pagar as dívidas já vencidas para não falir. Muitos clubes grandes do Brasil devem mais do que o orçamento anual. E vivem de empréstimos no mercado financeiro para pagar outros empréstimos.

Essa é a realidade da América Latina e ela só vai mudar quando houver uma economia saudável gerando riquezas. Com todo mundo ganhando mais, o consumo aumenta e aumenta o interesse nos patrocínios, os clubes receberão mais e poderão manter craques por mais tempo. O próprio torcedor, com melhores salários, frequentará mais os estádios, se associará ao clube e ajudará a compor o orçamento anual. Na Europa, a chegada de um craque muitas vezes é quase totalmente amortizada pela venda da nova camisa. Alguns milhões de peças a 80, 100 euros são vendidas em poucos dias. Façam as contas. Aqui, produções piratas faturam mais que os clubes com camisas e outros suvenires.

Enquanto o Brasil não se tornar um país de verdade e eliminar a farsa política e econômica em que vivemos – e eu duvido que isso comece a acontecer nos próximos anos – vamos ver nossos melhores times – Palmeiras, Flamengo, Atlético e outros que consigam um mecenas qualquer – vivendo de algumas revelações que, se forem bons mesmo, duram pouco no clube, ou então da “repatriação” da Europa porque não têm mais mercado por lá (por falta de futebol) e são obrigados a trocar uns dez milhões de euros por ano por uns 6 milhões de reais anuais. Há ainda os em fim de carreira, que não conseguem acompanhar mais o nível de lá e vêm encerrar a carreira por aqui. E até jogam bem, mas já não mais o suficiente para desfilar em gramados europeus, onde o nível hoje é muito maior que o nosso.

A América Latina virou uma espécie de terceira divisão do futebol mundial, com jogos horríveis e jogadores reclamando o tempo todo, que vive de revelar craques para a primeira e segunda divisão da Europa e de outros países mais desenvolvidos.

E vai demorar pra mudar.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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