fanfarronices

Fanfarronices. Por Aylê-Salassié F. Quintão

Queira Deus essas ameaças não passem de fanfarronices pré-eleitorais! Nenhuma tem efeito prático ou tem a ver com a “desprezível” angústia da população com a inflação, com o desemprego, ou acenam com novas esperanças. 

– Navegando nas águas da lei –

Daniel Silveira:

Quando não cabe um calafrio, vem um desencanto, um desapontamento. A retórica é sempre autoritária, bárbara e vulgar:

– Invade a casa deles, pô! 

– Todos terão de obedecer ao indulto.

– Enfia goela abaixo.

– “As Forças Armadas receberam orientação para efetuar ações contrárias à democracia”.

Onde estamos?  Que país é este?!!! bradava Renato Russo. Todo o tempo, daqui e dali, tem gente tentando incendiar o Brasil. Queira Deus essas ameaças não passem de fanfarronices pré-eleitorais! Nenhuma tem efeito prático ou tem a ver com a “desprezível” angústia da população com a inflação, com o desemprego, ou acenam com novas esperanças.

 O indulto é o tema da vez. Seria constitucional ou inconstitucional?  Para a população não é nem uma coisa, nem outra. Nesse e em casos similares do passado recente é uma imoralidade. Ajuda somente a encher as piscinas dos que adoram banhar-se em controvérsias amplas para ajudar a confundir a população.   Por analogia, crimes maiores por aqui geraram preocupações e dúvidas jurídicas menores. Mas as jurisprudências aceitam esses mergulhos infinitos e aventurosos nas águas da lei.

O Supremo Tribunal Federal tem boa parte da culpa. Cada ministro adora fazer justiça com as próprias mãos, ajudado pela conivência de quem navega, na História, em águas turvas. Não se ouve falar na Corte Suprema dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra, de Portugal e até da Argentina. Mas, aqui nossos juízes maiores são manchetes na imprensa diária. Ninguém vê isso.

Efetivamente, esse cenário demonstra que o ano de 2022 será um ano perdido no Brasil. Cinco por cento de “aumento eleitoral” para   os assalariados, frente a uma inflação acumulada de quase 30%, e estamos conversados.  Não se visualiza algo que vá apaziguar a inquietação dos desempregados, mais de 15 milhões. Aqueles que esperam vagas para atendimento em hospitais públicos continuarão a remarcar suas consultas para a semana que vem, para o mês seguinte, para daqui a seis meses. Ah! Mas aí entra no período eleitoral! Então…, para 2023.

Esses empurrões com a barriga, causam enormes perdas na autoestima dos cidadãos e na credibilidade externa do Brasil. Há um desarranjo geral na plataforma estrutural do Estado Brasileiro. Engana-se quem pensa que as agências de avaliação de risco estão descuidadas no ranqueamento do desenvolvimento econômico e da estabilidade política dos países, conforme revelam os boletins do mercado financeiro.

No dia primeiro de maio, uma data em que os trabalhadores comemoram as conquistas para a categoria, haverá, como sempre, uma grande mobilização pública, no Brasil “com a presença do candidato” à Presidência da República. Concomitante, algumas categorias trabalhistas pouco convergentes anunciam frentes de manifestação no mesmo dia, nos mesmos locais ou nas suas proximidades, com o candidato oposto também presente. Parece um acordo espúrio, clandestino, ou uma provocação premeditada à procura dos amplos efeitos na mídia.

O cenário é, no mínimo, incômodo. Nele não se consegue sequer imaginar em que direção o Brasil caminha. Entre as contradições, aberrações e desqualificações que o País tem vivido nos últimos anos, surge o caso desse Daniel. É de um surrealismo total  a pena imposta pelo Supremo Tribunal a um desordeiro boquirroto, contumaz, haja vista o riso irônico que as ameaças ao ministro provocaram nos próprios julgadores. As falas do arengueiro de boteco talvez fossem mesmo mais apropriadas para um picadeiro, ou mesmo para serem repetidas numa delegacia de polícia.

Mas, o indulto, sobre uma decisão colegiada do Supremo é moralmente um desastre para a imagem do País… e para o governo. De onde esperar mais crises? Um sujeito insignificante provoca um alarmismo que chega a incomodar militares na caserna, embora mais pareça uma uma comédia eleitoreira. Na esteira do estágio alcançado pelas fanfarronices do rapaz, já se fala até em alterar a Constituição. Um casuísmo esfarrapado e atentatório às instituições que se respeitam.

Os brasileiros não aprendem. A jornalista Circe Cunha lembra o  nosso brilhante economista Roberto Campos,  citando, sistematicamente, o chanceler alemã Bismarck, quando ponderava que os povos podiam ser classificados em três grupos: aqueles que aprendem com a experiência alheia, os inteligentes; aqueles que aprendem com a sua própria experiência, os  medíocres; e aqueles que   nunca aprendem, os idiotas.

Certo é que, parece, todas as frentes tentam fragilizar o Estado e a Constituição cuja elaboração reuniu, na democratização, as melhores cabeças deste País e que levou dois anos para ser concluída.  A brasilidade como patronímico a cada dia torna-se mais envergonhada. E não parece ser o caso de uma intervenção do tipo “Ame-o, ou deixe-o”, que alguns, silenciosamente, sugerem

O caso desse rapaz, eventualmente deputado federal, é um problema doentio. Não deveria ter saído do Congresso.  As agressões repetidas vezes contra as autoridades brasileiras deixaram, e deixam, qualquer pessoa honesta, não só o André Mendonça, diante de uma situação altamente desconfortável, na hora de votar. É como se a fala do rapaz tivesse surgido de uma mesa de boteco. O tal Daniel desacatou um ministro, instigando o ódio contra a Corte Suprema, com palavras chulas, do submundo da transgressão. Caso de polícia. Agora vão criar uma jurisprudência para isso: é a pulsação da censura.

Difícil é entender o silêncio da Comissão de Ética do Congresso. Mas também surpreende o desfecho escatológico da pena aplicada pelo Supremo sobre uma bazófia, bem como a “graça” concedida ao rapaz pelo chefe do Estado. O STF tem extrapolado seus limites, sim, politizado a Justiça, sim, mas com tanto jurista por aí, porque não são chamados para, nos termos da Constituição, reposicionar os limites da Alta Corte.  Tudo parece uma comédia.  Levada a sério, como fazia Robespierre, na Revolução Francesa, tem efeitos, e podem ser assombrosos para a população, que já vive encerrada em suas angústias.  Tudo é enfiado goela abaixo dos cidadãos. Vive-se por aqui a caricatura de uma democracia.

Por mais que a imprensa se esforce para explicar, a população não consegue enxergar com clareza o esgarçamento das instituições.  Desacredita-se a Justiça que, nas águas correntes, leva junto as instituições, as autoridades constituídas e, por extensão, aqueles que estão aí se auto credenciando para assumir a chefia do Estado Nacional. Do jeito que os protagonistas da Política conduzem o Brasil, preconiza outra jornalista, Cristina Serra, “Vamos terminar perdendo este País”.

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) .

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