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Um susto italiano. Por José Horta Manzano

… Susto não foi, porque já fazia semanas que as pesquisas estavam mostrando a tendência. Assim mesmo, quando a boca de urna confirmou a vitória da extrema-direita nas eleições italianas, um calafrio percorreu Oropa, França e Bahia. A primeira página de jornais mundo afora reflete o choque.

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Susto não foi, porque já fazia semanas que as pesquisas estavam mostrando a tendência. Assim mesmo, quando a boca de urna confirmou a vitória da extrema-direita nas eleições italianas, um calafrio percorreu Oropa, França e Bahia. A primeira página de jornais mundo afora reflete o choque.

Afinal a Itália, além de ser membro fundador da União Europeia, é sua terceira economia. Uma Itália que hesitasse a seguir caminho com os demais parceiros seria um golpe extremamente pesado, do qual a UE teria dificuldade em levantar-se. Num momento em que há uma guerra trovejando no continente, é pra lá de importante que todos se mantenham unidos.

Li e ouvi numerosas análises, cada uma com sua explicação do resultado das urnas. “Como é possível que os italianos estejam se mostrando saudosos de um passado fascista?” “Onde foi parar a esquerda, relegada ao papel de simples figurante no próximo parlamento?” “Como explicar essa deriva ‘trumpista’ que tomou conta da península?”

Acredito que, para abraçar o problema e encontrar a resposta, não precisa muita filosofia – uma análise terra a terra do ânimo dos eleitores é suficiente. Muitos povos, se não for a humanidade inteira, vivem à espera do homem providencial, aquele que virá salvar a lavoura e a pátria inteira. É um estado de espírito problemático, pois a entrega do destino de um país nas mãos de um único indivíduo costuma terminar em desastre.

A Alemanha de Hitler conheceu esse destino; os EUA de Trump também; a Rússia de Stalin, a Líbia de Kadafi, a Nicarágua de Ortega idem. E decerto a própria Itália de Mussolini. Mas não vamos exagerar. A república italiana, tal como está estruturada pela Constituição de 1946, conta com pêndulos e contrapoderes que tendem a equilibrar a governança.

A razão pela qual os italianos votaram no partido da Signora Meloni (Fratelli d’Italia) não tem tanto a ver com ideologia, mas com as dificuldades do dia a dia. Carestia, desemprego, inflação, juros altos, queda do poder aquisitivo – essas são as engrenagens que levaram ao voto de extrema-direita. O pequeno comerciante obrigado a trabalhar 14 horas por dia pra tirar um salário magrinho no fim do mês é tipicamente um eleitor insatisfeito com o sistema.

Nos últimos anos, a Itália conheceu governos de esquerda moderada, de direita moderada, de centro-esquerda, de centro-direita. Aos olhos de muitos, o país continua empacado. Por isso, decidiram votar num partido que, apesar de trazer vapores tóxicos de um fascismo idealizado, lhes pareceu capaz de levantar o país. Foi assim que investiram Signora Meloni no papel de salvadora da pátria.

A meu ver, a situação guarda certa semelhança com o Brasil de 2018. Quase ninguém estava querendo implantar a extrema-direita no país. O grande motor do voto foi a ojeriza ao lulopetismo. Bolsonaro foi o candidato que pareceu encarnar mais virulentamente o antipetismo. Por isso e para isso foi eleito.

Não se pode – nem se deve – acreditar que a Itália está à beira de um novo período de obscurantismo medieval, de leis raciais e de perseguição de oponentes e de homossexuais. Se os contrapoderes internos não forem suficientes, a União Europeia tem argumentos muito poderosos, como por exemplo o repasse periódico de dezenas de bilhões de euros a que Roma tem direito.

Pra finalizar, convém relativizar. Somente 64% dos eleitores votaram, o que significa que 1 em cada 3 italianos ficou em casa num domingo de chuva. O partido vencedor ficou com apenas 26% do total. Se calcularmos 26% de 64%, veremos que menos de 17% dos eleitores votaram para Fratelli d’Italia.

Não é o caso de puxar os cabelos e começar a gritar.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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