Argentina, 1985

Argentina, 1985. Por Alexandre Henrique Santos

“Qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro.

É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se

distinguir o réptil perfeitamente formado.”

[Ingmar Bergman – O ovo da serpente.]

Grupo ataca a tiros concessionária em MT; PRF vê relação com manifestações antidemocráticas

Se puder assistir, não perca a oportunidade. É que se no futebol os argentinos até se atrevem a rivalizar conosco, em matéria de Cidadania e Direitos Civis nós estamos muito atrás! No filme você verá Ricardo Darin no papel do promotor público Julio César Straserra, que mandou os culpados para a cadeia. Mas, sobretudo, verá uma nação que tem coragem de fazer o que deve ser feito: punir culpados conhecidos e poderosos. Mais que isso: pela primeira vez na História um tribunal civil julgou e condenou militares criminosos que estavam até há pouco exercendo o poder.

Aqui a Sociedade Civil e o Poder Judiciário se mobilizaram, tomaram iniciativas, mas só obtiveram pequenos avanços. O corporativismo militar foi e segue sendo uma força muito maior do que a vontade de justiça. Numa reportagem do UOL dessa semana, o jornalista investigativo Carlos Madeiro nos revela a única condenação de militares por tortura e mortes durante o período da Ditadura brasileira. Quer dizer, o caso só foi investigado até o final por que se tratou de uma aberração: militares mataram militares. Sou levado a crer que se fossem militares que tivessem torturado e matado cidadãos civis o crime ainda estaria acobertado.

Segundo o jornalista, que teve acesso à cópia digital do processo, “a tortura de 15 soldados, quatro deles mortos dentro de um batalhão militar em Barra Mansa (RJ), em 1972, é um dos episódios mais marcantes e prova de como a ditadura militar (1964-1985) agia com violência brutal para tentar extrair confissões ou mesmo apenas causar medo em pessoas detidas.” Pois então, hoje, 50 anos depois desses fatos, a violência e o medo continuam sendo os recursos usados pela extrema direita para intimidar e agredir os brasileiros que não pertencem à seita.

Na noite do dia 19/11, no Mato Grosso, na concessionária da rodovia BR-163, entre Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, 10 homens encapuzados já chegaram atirando contra a base – vejam que Roberto Jefferson fez escola! Por sorte ninguém se feriu, mas atingiram carros, viaturas, incendiaram uma ambulância e um caminhão-guincho. O motivo? Ora, o ódio contra a decisão das urnas!

A referência ao filme Argentina, 1985 é pertinente porque muitos brasileiros ainda acreditam em Saci-Pererê. Alguém alguma vez falou que as Forças Armadas teriam o papel de um suposto Poder Moderador. Pura fakenews. Desconstruir essa mentira resulta simples e fácil. Primeiro, a Constituição Brasileira não dá aos militares a tarefa de moderar a relação entre os Três Poderes. Segundo, as Forças Armadas não existem para isso; não são formadas e nem treinadas para exercer a competência da mediação. E terceiro, não interessa à Sociedade Civil, à Democracia e nem à República que os militares se envolvam em questões ideológicas e partidárias. As Forças Armadas existem para defender o país de inimigos externos e para servir, com competência e lealdade, aos representantes que a Sociedade Civil escolher. Só isso; nem mais nem menos.

É enorme a desinformação que vemos no Brasil. Vejamos um singelo exemplo: a gente aprendeu que o verde da nossa bandeira simboliza as florestas. Não é bem assim. O verdadeiro significado nos remete aos interesses da monarquia portuguesa; ao escudo verde da Dinastia de Bragança. Depois disso, o verde da bandeira pode também simbolizar nossas florestas… Só a ignorância e ingenuidade – em alguns casos, também má-fé – podem levar cidadãs e cidadãos brasileiros a ficarem rezando diante dos muros dos quartéis pedindo a volta da Ditatura. Não é liberdade de expressão querer e defender a usurpação dos Poderes constituídos da República. Isso é crime e está dito textualmente na Constituição!

As Forças Democráticas e Republicanas precisam assumir sua parcela de responsabilidade na expansão do fascismo verde-e-amarelo. Se os adeptos da seita do coiso se tornaram os cães atrevidos, raivosos e violentos que vemos soltos por aí, intimidando e agredindo nas ruas e rodovias pessoas que pensam diferente, é porque diante de fatos gravíssimos nossas instituições vieram se comportando de modo leniente, tímido e covarde. Dois exemplos impensáveis numa República verdadeira: 1º) O ex-ministro general Pazzuello não ter sido punido pela participação explícita num ato de campanha eleitoral ao lado do coiso, revela o medo de se aplicar a lei aos militares. 2º) O general Braga Neto defender, sem meias-palavras, as manifestações golpistas e antidemocráticas, e tudo ficar por isso mesmo.

Nesses momentos eu confesso que tenho uma imensa inveja da coragem do povo argentino!

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..

Acesse: www.quereres.com

Contato: alex@ndre.com.br

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