salvo pelo gongo

…um dos pavores ancestrais da humanidade é ser enterrado vivo. Houve tempos em que, para remediar situação tão sufocante, famílias atavam uma corda ao pulso do defunto, sendo que a outra extremidade era amarrada a um sino (um gongo). Em caso de desconforto, bastava ao enterrado fazer um leve movimento de braço pra tocar o sino…

salvo pelo gongo

O culto leitor e a esforçada leitora já devem ter ouvido a expressão “salvo pelo gongo”. O significado de ‘ser salvo pelo gongo’ é escapar, no último momento, a um perigo ou a uma situação delicada.

Mas… de onde vem essa frase feita? Procurei saber qual é a origem. Nenhuma das fontes tem certeza absoluta da explicação que dá. Mas vamos lá.

Uma das explicações é de arrepiar os cabelos. Recorda que um dos pavores ancestrais da humanidade é ser enterrado vivo. Houve tempos em que, para remediar situação tão sufocante, famílias atavam uma corda ao pulso do defunto, sendo que a outra extremidade era amarrada a um sino (um gongo). Em caso de desconforto, bastava ao enterrado fazer um leve movimento de braço pra tocar o sino, chamar a atenção e ser liberado de tão incômoda situação. De dar medo, não?

Há outras versões. Entre elas, a desventura de um guarda palaciano de Londres que, acusado de dormir em serviço, safou-se relatando que, naquela noite, tinha ouvido o sino desregulado da igreja ao lado soar 13 vezes em vez de 12. “He was saved by the bell” – foi salvo pelo sino (ou gongo).

Todas as explicações são divertidas, mas pouco convincentes. Fico com a que me parece menos fantasiosa. Veja como a edição de 4 agosto 1929 do jornal Folha da Manhã descrevia o final de uma luta de box. (Conservei a grafia e a pontuação do original).

Eugenio e Armandinho abrem a “soirée” com um movimentado combate em quatro assaltos e cuja victoria cabe ao segundo. Juiz foi Cesar. Em seguida sobe Savino e lógo após, Bozzato. Lucta violenta. No terceiro assalto, Bozzato cahe tres vezes por sete segundos cada, tendo sido salvo pelo “gong”.

Foi só nos anos 1920 que a expressão começou a aparecer na imprensa brasileira, sempre relacionada ao pugilismo. Isso parece excluir a medonha explicação medieval. Nas primeiras décadas do século 20, escrevia-se “gong”, grafia fiel à palavra javanesa, provavelmente de origem onomatopaica.

Já a partir da década de 1940, o “gong” foi abrasileirado para “gongo” – que passou a soar também em programas radiofônicos de calouros. Quando o âncora considerava que o candidato era muito ruim, não tinha piedade: tocava o gongo e mandava o infeliz embora.

Hoje em dia, usa-se a expressão pra indicar que um indivíduo escapou por um triz a uma situação cabeluda. O Lula, por exemplo. Com a sorte que o tem acompanhado a vida inteira, está escapando de fininha de um problema espinhoso. Se não, vejamos.

Juscelino dos Santos Rezende Filho, ministro das Comunicações, requisitou jato da FAB sob falso pretexto de comparecer a encontros oficiais quando, na verdade, passeou quatro dias num leilão de cavalos de raça. Recebeu as diárias pelos dias de viagem. Na última declaração, tinha ocultado alguns milhões de reais em patrimônio. Quando deputado, utilizou a verba do orçamento secreto para pavimentar a estrada que conduz a sua fazenda no Maranhão. Enfim, um primor de comportamento. De fazer revirar-se no túmulo o Juscelino original, um dos maiores presidentes que o Brasil já teve.

Seria o escândalo do momento se não tivesse surgido outro de dimensões internacionais: a crise dos diamantes de Bolsonaro. Um escândalo suplanta outro, e o dos brilhantes venceu. A mídia tem se dedicado tanto a escarafunchar o “presente” das Arábias pela frente e pelo avesso, que acabou esquecendo os cavalos árabes do nobre ministro.

Lula foi salvo pelo gongo.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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