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Mito ou realidade? Por Meraldo Zisman

A RELAÇÃO ENTRE DOR E DOENÇA COM A CRIATIVIDADE LITERÁRIA:  MITO OU REALIDADE?

Dizem que a doença é a musa inspiradora dos escritores, mas tenho minhas dúvidas em relação a esta afirmação. Muitos consideram que a arte literária surge da dor e do absurdo, mas acredito que textos com valor literário só podem ser produzidos quando o escritor está com a mente em equilíbrio.

Nunca testemunhei um artista em crise paranoica ou com dores atrozes produzindo obras de arte. A relação entre doença e trabalho criativo é muito fantasiosa.

Por exemplo, Manuel Bandeira, poeta brasileiro, foi diagnosticado com tuberculose aos 18 anos e precisou interromper seu curso de Arquitetura para se internar em sancionatórios. No entanto, afirmar que a inspiração poética de Bandeira nasceu nesses momentos de reclusão e ócio forçado é forçar a barra. Apesar de a tuberculose ter sido, no início do século passado, um mal estigmatizado e sem esperança de cura. Bandeira viveu até os 82 anos.

É verdade que a tuberculose permeou a vida de escritores notáveis, como Álvares de Azevedo, Castro Alves, Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Anton Tchekhov, Lorde Byron, Robert Louis Stevenson e outros mais. De forma mais ou menos explícita todos eles manifestaram nos seus trabalhos o significado agudo da passagem da vida ao ter uma doença grave.

A epilepsia também influenciou a obra de alguns dos maiores expoentes da arte da escrita. Fiódor Dostoiévski, por exemplo, criou dois personagens epiléticos em seus romances. Entre nós, Machado de Assis sofreu durante todo o seu período produtivo de convulsões e, em especial, no fim de sua vida, quando elas se tornaram mais frequentes. Machado é a figura mais emblemática do estigma duplo: preconceito racial e epilético. É fato que muitas obras-primas de Machado, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Alienista, Quincas Borba e Memorial de Aires, foram baseadas em temas médicos, mas seria forçar a barra afirmar que foram inspiradas nas doenças.

A moderna psicanálise não crê que a produção artística minimize o sofrimento dos artistas. Os artistas são inventivos porque são. É importante lembrar que a tuberculose ainda mata mais pessoas do que qualquer outra doença infecciosa durável, especialmente em países em desenvolvimento. Se a doença realmente inspirasse grandes gênios da literatura, os países subdesenvolvidos seriam os líderes em prêmios Nobel.

Associar genialidade literária com doença é pura literatice – uma literatura pretensiosa, porém ridícula. É verdade que há uma ideia romântica e fantasiosa que relaciona a dor e a doença com a criatividade e a produção artística, mas essa ideia não é necessariamente verdadeira. Embora algumas doenças possam influenciar a obra de um artista, a inspiração literária e a qualidade da obra estão muito mais relacionadas com a habilidade e criatividade do escritor do que com sua condição física ou mental. Além disso, muitos escritores, como Manuel Bandeira, conseguiram criar obras literárias de qualidade, apesar das doenças que enfrentaram.

É importante destacar que as doenças ainda são um grave problema de saúde pública em muitos países, e associar a genialidade literária com a doença pode ser ofensivo para aqueles que lutam contra doenças graves. A criatividade literária é uma habilidade que pode ser encontrada em pessoas de diferentes origens e circunstâncias, independentemente da presença ou ausência de doenças.

Em resumo, embora haja exemplos de escritores que criaram obras literárias influenciadas por suas doenças, não se pode generalizar a ideia de que a dor e a doença são a musa inspiradora dos escritores. A criatividade literária é uma habilidade que não está necessariamente ligada às condições físicas ou mentais do escritor, e a qualidade da obra literária depende muito mais da habilidade e da criatividade do escritor do que da presença ou ausência de doenças.

É importante não romantizar a doenças, respeitar aqueles que enfrentam problemas de saúde, evitando associar a genialidade literária com a doença.

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.

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1 thought on “Mito ou realidade? Por Meraldo Zisman

  1. O entendimento fica na simplicidade.
    Não consigo relacionar genialidade literária com doença, mesmo que muitas doenças sejam desencadeadas por problemas emocionais.

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