DESTROÇOS

Virginia, EUA

A destruição dos destroços. Por José Horta Manzano

…“Os destroços estão altamente fragmentados.” Ora é normal que destroços estejam fragmentados. Se o objeto estivesse inteiro, não seriam destroços, mas uma carcaça…

DESTROÇOS
Virginia, EUA

  Volta e meia, grandes jornais publicam artigos saídos no New York Times ou no Washington Post, grandes diários dos EUA. A ideia é boa, dado que nem todo leitor brasileiro costuma acompanhar a imprensa internacional.

No original, os textos são escritos em inglês, fato compreensível. Para publicação no Brasil, têm de passar por uma tradução. Nos tempos de antigamente, esse trabalho era entregue a profissionais de verdade, que caprichavam em tornar o original perfeitamente compreensível ao leitorado brasileiro. Aos poucos, porém, essa prática parece estar sendo abandonada.

Os textos apresentados ao público nacional já não são esmerados como antes. Não sei bem qual é a causa. Será que profissionais da tradução escasseiam? Será que, mal pagos, deram um apegrêide na função e passaram a traduzir só artigos científicos? Será que, com a necessidade de postar imediatamente todo artigo novo na edição online, o tempo concedido aos tradutores, muito exíguo, já não permite trabalho de qualidade? Será talvez que os tradutores automáticos à disposição na rede são responsáveis pelo trabalho malfeito?

Não tenho a resposta, só me cabe constatar. Vi hoje no Estadão um relato traduzido do Washington Post. Traz esclarecimentos daquele caso do jatinho particular que, perseguido por caças das Forças Aéreas dos EUA, rodopiou e caiu numa região desabitada do estado da Virgínia. Traduzido para o português, o artigo soou realmente estranho. Vejam.

 “O local do acidente levará muito tempo para chegar”, disse o chefe da investigação. Confesso que não entendi essa frase. O local do acidente levará muito tempo para chegar aonde?

Outro exemplo: “Os destroços estão altamente fragmentados.” Ora é normal que destroços estejam fragmentados. Se o objeto estivesse inteiro, não seriam destroços, mas uma carcaça.

Mais adiante, o artigo informa que o avião continuou a voar a cerca de 34 mil pés. Gentilmente, o tradutor explica para o público tupiniquim que essa medida equivale a 103 mil metros de altura. Só que nenhum avião comercial tem capacidade de atingir essa altitude. Cem quilômetros de altura? Só satélite artificial. O tradutor se enganou de uma vírgula. Na verdade, o avião voava a 10.300 metros, na faixa de velocidade utilizada por aviões civis.

Há outros deslizes que, se não bloqueiam a compreensão, causam ruído aos ouvidos. Fala-se da “destruição dos destroços”, sequência infeliz de palavras, quando se sabe que os destroços já são, por definição, o que sobrou de uma destruição.

Outro trecho pontifica que “a altitude é um local crítico para perder a pressurização”. Avião no solo não precisa de pressurização. Ela só costuma ser acionada durante o voo, ou seja, em altitude. Portanto, essa última frase ficou parecendo um truísmo. Perda de pressurização só pode ocorrer em altitude.

Se você tiver um amigo cujo cunhado tem um vizinho que conhece alguém dentro da redação de um grande cotidiano nacional, mande a dica que dou a seguir.

Para ganhar tempo – e qualidade de tradução – esqueça o Google translation. Prefira o DeepL. Tem uma oferta de línguas menos extensa do que o concorrente, mas sua qualidade está próxima da perfeição.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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2 thoughts on “A destruição dos destroços. Por José Horta Manzano

  1. Caro Manzano,
    Que saudade do revisor de texto nos periódicos – coisa estranha hoje em dia – tanto o revisor, quanto os periódicos.
    Talvez com vontade de ser moderninhos, os meios mediáticos passaram a adotar uma linguagem meio ao estilo Paulo Freire.
    Os tradutores muitas vezes usam o Google; quem sabe aprenderam inglês ou outra língua naquele método antigo de “aprender dormindo”.
    Continuam dormindo sem saber.
    Desculpe, mas no fim o texto sai “nas coxas”.
    Na verdade, a maneira atual de comunicação em redes sociais leva a absurdos, como kkk, rss, tb , vc, e por ai vai.
    Talvez eu seja um velho chato a criticar – meus netos as vezes me escrevem assim e eu os corrijo – mas, como manter uma língua sem respeito por ela?
    Me divirto com a coluna do seu colega Cacalo Kfouri, que aponta erros de nossa mídia, embora as vezes ele próprio cometa alguns.
    Ruim para quem lê uma notícia e não consegue entender o que o articulista quer informar.
    Aprendi que conhecer uma língua significa não só saber os tempos verbais, mas também noção do espaço, lugar e expressões que são característicos do lugar.
    Ajuda muito gostar de música, pois ali está o lugar de um pais.
    Um abraço!
    Inté!

    SP 06/06/2023

  2. Caro Xará,
    Falando em línguas, escrevi um texto hoje contando o apego e o carinho que os franceses têm pela língua deles. É de dar inveja. Deve sair rapidamente neste Chumbo Gordo.
    Abraço.

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