general - UNIFEI

A visita do General. Por Dagoberto Alves de Almeida

… Uma destas portas foi a do gabinete do General Hamilton Mourão, então Vice-presidente da República. Por ocasião da reunião aproveitamos para convidar sua excelência para visitar nossa instituição. Para nossa surpresa e satisfação o campus sede da Unifei recebeu o Vice-presidente e sua comitiva poucos meses depois…

general - UNIFEI

Escrevo este texto na primeira pessoa do singular; mais do que uma crônica, como um depoimento.

Na condição de Reitor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) em 2019 eu e minha equipe batemos em várias portas na expectativa de buscar apoio para a reativação do complexo de laboratórios do Instituto Senai de Inovação em Sistemas Elétricos (ISI-SE), em vista da interrupção da construção em Itajubá deste que seria o 8º maior centro de pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico no mundo. Uma destas portas foi a do gabinete do General Hamilton Mourão, então Vice-presidente da República. Por ocasião da reunião aproveitamos para convidar sua excelência para visitar nossa instituição. Para nossa surpresa e satisfação o campus sede da Unifei recebeu o Vice-presidente e sua comitiva poucos meses depois.

Críticas ecoaram na instituição, o que é bastante compreensível em vista da liberdade democrática que todos desfrutamos, em especial no ambiente acadêmico. Todavia, vale contrapor que na condição de Vice-presidente da República nosso visitante foi respeitosamente recebido independentemente da visão política deste ou daquele, em especial do dirigente máximo da instituição. Nada mais óbvio, embora convenientemente desconsiderado em tempos de extremismo ideológico. Afinal, a impessoalidade é um dos princípios da Administração Pública.

Desta passagem me recordo que além da bombástica alteração da rotina da cidade no dia da visita, nem a universidade e nem a região capitalizariam qualquer coisa de positiva no âmbito acadêmico, científico ou tecnológico. O leitor poderá justificadamente argumentar que há iniciativas inócuas e outras que dão frutos segundo seus propósitos, mas que isso faz parte das iniciativas de extensão de qualquer instituição, seja acadêmica ou não. E nesse contexto é papel da atuação política do dirigente investir em relações influentes que possam republicanamente beneficiar sua instituição e região. No caso do ISI-SE nada mais razoável não apenas porque a construção do complexo ocorria nas imediação da universidades, mas também porque a Unifei é uma instituição tradicional na área de engenharia elétrica. Lamentavelmente, até o momento, apesar do esforço de alguns abnegados, a construção deste formidável complexo laboratorial ainda não foi reativada, apesar de já terem sido gastos 50 milhões de reais quando de sua interrupção no início de 2019.

Uma pena porque a reativação deste complexo laboratorial faria do ISE-SE o maior complexo de laboratórios para o setor elétrico da América Latina e o único do hemisfério sul. Preocupação que foi detalhadamente apresentada no discurso proferido quando da recepção ao Vice-presidente no salão nobre do Conselho Universitário. Apesar da ineficácia futura da visita para somar esforços em prol da reativação do ISI-SE fica como registro que a consequência imediata foi o constrangimento provocado pelo fato de que parte dos membros da comunidade acadêmica e dos convidados externos terem sidos, literalmente, confinados no auditório do Conselho por exigência da equipe de segurança enquanto a segunda metade da visita transcorria nos laboratórios da universidade.

Com a acachapante e inócua perspectiva que só o futuro proporciona concluo que o convite não deveria ter sido feito e não, não é porque nosso visitante não cerrou fileiras em prol da reativação de um centro laboratorial deste porte e desta importância para o Brasil. A razão deste inócuo desconvite póstumo refere-se ao rompimento de uma cláusula pétrea: a defesa da gratuidade da universidade pública, tal como exposto cerca de dois anos depois no Projeto de Nação: o Brasil em 2035, sob a autoria de três ONG criadas por militares, o Instituto Sagres, o Instituto General Villas Boas e o Instituto Federalista, com o apoio do então vice-presidente Hamilton Mourão, hoje senador pelo Republicanos do Rio Grande do Sul.

Vale o adendo que, por coerência, o Projeto de Nação: o Brasil em 2035 deveria também defender o término da gratuidade para os centros de formação militar, ou a equiparação da previdência entre militares e civis, assim como acabar com as esdrúxulas, injustas e abusivas políticas que permitem que filhas “solteiras” de militares continuem sendo bancadas pelo erário público como se seus pais ainda estivessem lutando na Guerra do Paraguai ou, ainda mais grave, eliminar o pagamento vitalício de soldos para viúvas fictícias de militares condenados por crimes como terrorismo, estupro ou trafico de drogas.

… Às vezes me pego divagando sobre o imenso desperdício e perversidade da atuação dos poderosos estar, fundamentalmente, no uso indevido dos instrumentos que têm à disposição; pelo descaso quanto a tomar medidas que de fato justifiquem o cargo que ocupam…

Na minha condição de ex-agente público e, principalmente de cidadão me reservo o direito de defender que o melhor para o Brasil seria a efetiva implementação das medidas cabíveis para o atingimento das 169 metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, da qual o país já é signatário, em vez deste enviesado Projeto de Nação.

Pois é, no futuro que almejo para o meu país políticas públicas que não tentem retirar dos brasileiros o direito à gratuidade da educação e da saúde, nem tutelar a democracia. Pelo contrário, que os indicadores de desempenho sejam alinhados para que, simultaneamente, os índices de desenvolvimento humano e de redução da desigualdade sejam melhores que os atuais.

Às vezes me pego divagando sobre o imenso desperdício e perversidade da atuação dos poderosos estar, fundamentalmente, no uso indevido dos instrumentos que têm à disposição; pelo descaso quanto a tomar medidas que de fato justifiquem o cargo que ocupam. Pode parecer piegas e mesmo ingênuo uma leitura que não seja aderente ao pragmatismo da realpolitik.

Mais realisticamente, expectativas infundadas quanto à atuação de pessoas públicas no atendimento de interesses de fato patrióticos embora acabem por resultar em frustração na maioria dos casos, vez ou outra, esperançosamente, quando cumprem seus propósitos republicanos podem significar a diferença para um país melhor e um avanço civilizatório.

____________________________

SIGAA - Sistema Integrado de Gestão de Atividades AcadêmicasProfessor Dagoberto Alves de Almeida – ex-reitor da Universidade Federal de Itajubá -UNIFEI – mandatos 2013/16 – 2017-20

____________________________________________________________________

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter