by Caio Gomez (1984-), desenhista brasiliense

…Por décadas, a aquisição de nova cidadania esteve praticamente vetada aos brasileiros. Os que ousassem fazê-lo, arriscavam a perda do passaporte nacional…

by Caio Gomez (1984-), desenhista brasiliense
Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor

 Cheguei a cruzar com alguns imigrantes que, tendo deixado para trás a desesperança de uma Europa arrasada por guerras incessantes, aportavam por estas bandas em busca de um futuro melhor. Naqueles anos 1960 e 1970, os que chegavam já não eram numerosos como os que vieram nos primeiros anos do século 20; é que, com o boom econômico europeu, oportunidades locais foram se abrindo para a juventude, e as migrações transatlânticas foram aos poucos se esgotando.

A década de 1980 marcou o ponto de inflexão das correntes migratórias entre Europa e Brasil. Na mesma medida em que cada vez menos europeus vinham tentar a sorte em nossa terra, cada vez mais conterrâneos nossos ousavam lançar-se à aventura de fazer as malas e partir sem passagem de volta.

A cada período de crise nacional, o contingente dos que se vão tende a engrossar. Crise, entre nós, é o que não falta, a começar pela tragédia da hiperinflação que, por mais de uma década, aniquilou o poder do dinheiro e afetou justamente os que menos possuíam. Desde aquela época, cada vez mais gente tem pensado em ir-se embora – quem pôde, já se foi. O aumento exponencial da criminalidade também tem encorajado a decisão de candidatos à emigração.

Pelos cálculos do Itamaraty, há hoje 4,6 milhões de brasileiros vivendo fora do país. Se esse contingente formasse um estado, ele se situaria pelo meio do ranking nacional: o Brasil tem 15 unidades federativas que não atingem essa população. Trata-se de um número considerável de conterrâneos, aos quais os sucessivos governos nem sempre souberam (ou quiseram) dar a devida importância.

O dinheiro que os expatriados enviam à família significa importante aporte de moeda forte. As entradas anuais já beiram os 3,5 bilhões de dólares (R$ 17,4 bi). Há que lembrar que não se trata de investimento especulativo, daquele que hoje entra, amanhã vai-se embora. É dinheiro bem-vindo, gerado fora do país, que acaba injetado no circuito econômico nacional: lucro líquido e certo.

A reatividade é o próprio da lei. Em princípio, a legislação não cria o fato, antes, reage a uma realidade pré-existente ou pressentida. Nossa legislação está há décadas preparada par regular a atribuição da nacionalidade a estrangeiros que manifestem o desejo. No entanto, o crescente movimento de brasileiros se transferindo para o exterior pegou nosso legislador de surpresa.

Todo cidadão que deixa o país de origem tem a intenção de retornar um dia, mas a vida nem sempre corre como cada um imaginava. Vem o casamento, vêm os filhos, o tempo vai passando e a volta definitiva às origens vai ficando problemática. Enquanto isso, o Brasil continuava apegado a uma legislação de cunho pseudopatriótico, que, sem dizê-lo, trata emigrantes como verdadeiros traidores da pátria.

Por décadas, a aquisição de nova cidadania esteve praticamente vetada aos brasileiros. Os que ousassem fazê-lo, arriscavam a perda do passaporte nacional. Essa rigidez da visão da nacionalidade mostrava o pouco traquejo internacional de um legislador cuja vivência nesse campo raramente vai além de alguma rápida vilegiatura pelo sul da Florida.

Essa falha está sendo sanada. Uma PEC aprovada estes dias, ora em tramitação final para promulgação, corrige uma distorção herdada dos tempos trevosos do “Brasil: ame-o ou deixe-o”. A partir do momento em que a nova redação do Art° 12 da Constituição estiver em vigor, o cordão umbilical da nacionalidade acompanhará todos os expatriados brasileiros. E sua descendência. A aquisição de nova cidadania não mais será sancionada.

Além de reconhecer a forte mobilidade do mundo atual, a resposta dada pela PEC é solução de bom senso. O mundo dá voltas. Não é impossível que, no futuro, a baixa natalidade transforme o Brasil em importador de mão de obra. Se assim for, já teremos nova geração de brasileirinhos nascidos e formados no exterior, com experiência internacional, com noções de língua portuguesa e, ainda por cima, com a cidadania brasileira no bolso. Prontos para ingressar no mercado nacional de especialistas.

Dá gosto ver uma alteração da Lei Maior que corrige injustiças passadas, tira muita gente da clandestinidade e ainda abre boas perspectivas para o futuro.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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4 thoughts on “Dupla cidadania. Por José Horta Manzano

  1. Obrigado colega Manzano. Minha filha que foi brasileirinha apátrida, tem automaticamente a dupla nacionalidade. Mas era preciso usar o passaporte brasileiro nas viagens ao Brasil. Só que na última viagem ela esqueceu e viajou só com o passaporte suíço. Entrou, mas levou um sabão na entrada em Guarulhos. E será que vai poder sair com passaporte suíço? fiquei pensando. Tive pesadelos com isso. Mas saiu sem problemas. Obrigado por alertar sobrea aprovação da PEC, que soluciona definitivamente a questão. Vivo em Berna, um dia desses podemos nos encontrar… Rui.

    1. Olá, prezado colega!

      A próxima batalha agora é para obtermos uma representação no Congresso brasileiro, como italianos e franceses já têm. Um contingente de quase 5 milhões de cidadãos merece ter deputados e senadores trabalhando por seus interesses. Precisa mudar a Constituição? Ora, onde está o problema… Leis são feitas para serem mudadas e adaptadas aos novos tempos.

      Forte abraço.

  2. Sim, caro colega.
    Depois do movimento pelos brasileirinhos, criei o Conselho de Brasileiros. No começo tudo deu certo, mas como fui um tanto intransigente com o Itamaraty, não percebi a chegada do pessoal interessado em se apropriar do Conselho, Dilma não deu o apoio esperado, e levei uma rasteira. Mas como era difícil essa atividade com muitas viagens e como, ao mesmo tempo, precisava fazer frilas para viver, tirei o time de campo. Atualmente, não acho aconselhável postular representantes. Os evangélicos entraram e dominam essa área e seriam facilmente eleitos com suas propostas e pautas fundamentalistas. Uma pena, talvez dentro de alguns anos… Espero que não tenham também essa idéia! Abraço e boa semana!

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