Advocacia livre, cidadania aprimorada. Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

Precisamos adotar medidas eficientes para coibir que inexperiência e má formação continuem a macular os julgamentos perante as Cortes de Justiça

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S.PAULO
OPINIÃO, 17 DE OUTUBRO DE 2023

Poucas profissões necessitam de esclarecimentos e explicações sobre a sua natureza, objetivos e atuação dos seus integrantes como a advocacia. A incompreensão sobre a nossa atividade constitui uma marcante característica da profissão.

Seria simplificar a questão afirmar ser o advogado aquele que representa alguém e por ele fala. É verdade, essa é mesmo a nossa origem. Nós somos os que, em nome de outrem, postulamos perante o Poder Judiciário a solução de conflitos. O Judiciário é inerte, assim, só atua quando provocado, e são os advogados os únicos legitimados a acionar a máquina da Justiça.

No entanto, inúmeras são as especificidades da advocacia, múltiplas são as formas de nossa atuação, variados são os campos de nossas atividades, que a sociedade não só não nos compreende, como acha que em diversas circunstâncias somos desnecessários, até porque como profissionais a nossa contratação implica ônus financeiros.

Aqueles que, no entanto, tiveram a sua postulação acolhida pela Justiça ficam agradecidos. Agradecidos nem sempre, pois em áreas como a penal, terminado o caso, em regra, o cliente procura retirar da memória o advogado que lhe relembra os maus momentos passados no processo.

A nossa importância e nossa imprescindibilidade estão declaradas no artigo 133 da Constituição Federal. No entanto, como disse, há uma corrente que nos acha desnecessários. Aliás, até já foi dito que nós, advogados, atrapalhamos. É possível que atrapalhemos, sim, aqueles que querem agir sob o manto do autoritarismo e do arbítrio. Nós, ao contrário, queremos a lei e a liberdade como garantias ao nosso sagrado mister de postular em nome alheio.

Somos o país com o maior número de faculdades de Direito e com o maior número de advogados: aproximadamente 1,3 milhão. Saiba-se que a quantidade de formados é muito maior. O exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), requisito para advogar, em São Paulo reprova por volta de 75% dos que prestam a prova.

O excessivo número de faculdades desprovidas da necessária qualidade do ensino ministrado em algumas delas tem provocado danos à administração da Justiça como um todo, pois juízes, promotores e delegados, por terem a mesma origem – as faculdades –, também padecem da mesma má formação.

Não se pode negar a existência de advogados e integrantes das demais carreiras com bom preparo. No entanto, deve-se atribuir o seu preparo também ao autodidatismo e aos seus esforços pessoais. Por outro lado, o baixo nível do ensino, claro, não atinge todas as faculdades de Direito e não as devemos separar entre capital e interior dos Estados. Há boas e ruins em todos os rincões.

No entanto, o preparo deficiente provoca consequências danosas, mostrando que providências deverão ser adotadas, e com urgência. No início da década de 1970, quando já estava em curso a proliferação das faculdades, foi instituído o Exame de Ordem. A grita foi geral e até hoje se discutem no Congresso Nacional projetos que querem aboli-lo. As suas razões não são ligadas ao ensino, como é óbvio, mas são motivações financeiras dos que transformaram o ensino do Direito em instrumento de obtenção do lucro fácil.

Pois bem, parece-me que uma das providências deva ser a organização da advocacia em carreira, como ocorre em outros países. Significa que, durante um determinado tempo após a inscrição na ordem, o colega só poderá advogar em primeiro grau. Após alguns outros anos, sua atuação já será perante os tribunais estaduais, para, posteriormente, decorrido outro período, poder exercer a profissão perante os tribunais superiores de Brasília. Imagino que esses lapsos possam ser de cinco anos.

Lembro que o juiz tem escalonamento em sua carreira. Ele não tem assento nos tribunais assim que ingressa. Há uma hierarquia de instâncias e, também, de entrâncias, pois começa nas cidades menores até chegar às maiores. O mesmo se dá com os membros do Ministério Público e da Polícia Civil. Inúmeras atividades públicas e privadas exigem a gradação, que é proporcional ao tempo de exercício das funções e à experiência obtida.

Pode-se dizer que advogados antigos também erram e comprometem os jurisdicionados e a nossa imagem. Infelizmente, é verdade. Vimos lamentáveis exemplos recentemente em julgamentos perante o Supremo Tribunal Federal. Não em um, mas em vários casos, as sustentações orais estão sendo produzidas de forma inadequada quanto à sua forma, quanto ao conteúdo e quanto à eficiência. No entanto, com os que já advogam nada poderá ser feito. Assim, como ocorreu em relação ao exame de ordem, o direito adquirido deverá ser respeitado. No entanto, aos que vierem, os lapsos temporais deverão ser obedecidos.

Caso não adotemos medidas eficientes para coibir que a inexperiência e a má formação continuem a macular os julgamentos perante as Cortes de Justiça, nós estaremos contribuindo para um danoso rebaixamento da qualidade da administração da Justiça, com consequências imprevisíveis para a cidadania e para o Estado Democrático de Direito.

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado criminalista, da Advocacia Mariz de Oliveira. Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Conselheiro no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e atuou como Secretário de Justiça e Secretário de Segurança Pública de São Paulo nos anos 1990. Foi presidente da AASP e da OAB-SP por duas gestões.

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