DIREITO DE DEFESA -BOLSONARO 8 JANEIRO

Direito à defesa sim, ao esquecimento não. Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

Direito à defesa sim, ao esquecimento não.

Está criada para Jair Bolsonaro a obrigação de fornecer explicações amplas e cabais à Nação.

Não há como esquecer os eventos que o envolvem direta ou indiretamente…

DIREITO À DEFESA - 8 D EJANEIRO

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S.PAULO
OPINIÃO, 19 DE FEVEREIRO DE 2024

O ex-presidente Jair Bolsonaro teria dito: “Me esqueçam, já tem outro governando o País”. Imitou o também ex-mandatário João Figueiredo, quando, 40 anos atrás, pediu que o esquecessem. Ambos apelaram para o esquecimento, não desejavam ser lembrados. Talvez soubessem que boas lembranças deles não se teria. Não importam as razões desse desejo. Elas são pessoais, absolutamente subjetivas.

No entanto, há uma diferença marcante entre os dois que nos impede de esquecer o último deles a deixar o comando do Brasil: ele tentou, segundo fortíssimos indícios, destruir a democracia. O outro passou para a História como responsável pela chamada abertura democrática. Ambos com a mesma origem, mas Figueiredo, talvez premido por circunstâncias impositivas, tomou o caminho da legalidade institucional.

Os fatos já em parte revelados exigem uma apuração meticulosa e abrangente para determinar as responsabilidades criminais dos envolvidos. São eventos que não podem ser olvidados, assim como os seus protagonistas não podem ficar à margem da lei, esquecidos.

…Está, pois, criada para Jair Bolsonaro a obrigação de fornecer explicações amplas e cabais à Nação. Não há como esquecer os eventos que o envolvem direta ou indiretamente…

Nós, advogados criminais, sabemos que no início das investigações, quando ainda não se conhece por completo o quadro probatório, para certos casos a estratégia é simplesmente o acusado negar a autoria ou se manter em silêncio. Pode usar evasivas, alegar uma amnésia temporária, seletiva. Essa tática se justifica sob o aspecto jurídico, pois o suspeito não conhece os fatos colhidos ou a colher contra si, não podendo, pois, contestá-los ou até afirmá-los. Há um preceito universal que reza não estar ninguém obrigado a fazer prova contra si. Essa é a base do direito outorgado ao acusado de ficar em silêncio ou de só depor com pleno conhecimento dos elementos probatórios existentes.

No entanto, é diversa a situação do ex-presidente. Ao analisar as circunstâncias amplamente divulgadas de uma articulação engendrada no ambiente íntimo do Planalto, que se estendeu para outras plagas, verifica-se que foram armazenadas informações suficientes para formar um painel indiciário e, mesmo, probatório suficiente para um juízo de certeza quanto à ocorrência dos eventos.

Esta articulação, pelo que foi revelado, atingiu as altas esferas governamentais, incluindo gabinetes militares, mas não sensibilizou os quartéis.

Assim sendo, em relação a alguns fatos comprovados, não há como o investigado mor, a quem as armações golpistas beneficiariam, limitar-se a afirmar estar sendo vítima de perseguição e que as imputações são invencionices. Há evidências de que ao menos ele tinha plena ciência das manobras pré-golpistas. Caso ele não esclareça alguns dados concretos, especialmente aqueles registrados em mensagens e em vídeos, crescerão as suspeitas de sua conivência com a tentativa de ruptura institucional.

Está, pois, criada para Jair Bolsonaro a obrigação de fornecer explicações amplas e cabais à Nação. Não há como esquecer os eventos que o envolvem direta ou indiretamente.

O seu dever para com o povo tem origem nos pleitos eleitorais que disputou, pois com eles criou um vínculo que não pode ser rompido pelo silêncio com os seus eleitores e mesmo com a parcela que não o apoiou, afinal ele foi o presidente da República. O País exige uma posição clara, esclarecedora e verdadeira. Não falar ou apenas negar constitui um deboche, podendo até parecer reconhecimento de culpa. Caso a queira admitir, que o faça explicitamente. Caso continue a negar, que justifique as evidências e esclareça as dúvidas.

Não pode continuar a se dizer vítima de uma implacável perseguição. Este seu posicionamento está criando uma grave consequência. Poderá aumentar o clima de discórdia implantado por ele mesmo no seio da sociedade. Embora muitos de seus decepcionados correligionários viram o mito se desfazer, tantos outros não. Estes ainda creem no Messias e aderem à sua ladainha persecutória. Nesse ponto reside o mal, pois estes seus seguidores, tomados pela intolerância raivosa e até pelo ódio, fazem uma irracional defesa do grande guia, pois entendem estar ele a caminho do calvário.

Este segmento acometido pela cegueira não só verbaliza a sua ira feroz, como já a transmitiu por ações concretas, como se viu em 8 de janeiro do ano passado, em alguns episódios isolados e que poderão se repetir com intensidade em face da crença de que o mártir está sendo sacrificado.

Talvez não seja uma utopia, um devaneio piegas e pueril esperar que, em face da gravidade de sua situação pessoal, mude de discurso e de atitude e sinalize para a concórdia nacional, acalme os seus furiosos e reconheça os seus erros.

De qualquer forma, independentemente de sua atitude, a ele deve ser garantido o pleno exercício do sagrado direito de defesa. Mas não deve ser atendido o seu desejo ao esquecimento, pois isso equivaleria a esquecer os desassossegos, as intranquilidades e reais padecimentos impostos ao povo e à Nação. Equivaleria a que se renunciasse à justiça que deve ser realizada e deve prevalecer.

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado criminalista, da Advocacia Mariz de Oliveira. Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Conselheiro no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e atuou como Secretário de Justiça e Secretário de Segurança Pública de São Paulo nos anos 1990. Foi presidente da AASP e da OAB-SP por duas gestões.

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