O misterioso mr. Collins - mussum

O misterioso mr. Collins. Por Antonio Contente

…Collins… Eu gostaria de ir lá exatamente a fim de saber – ela respondeu da forma mais objetiva possível.  – Alguma pesquisa? – Talvez. É que vi a fazenda dele do alto num vôo que fizemos antes de você e seu colega da revista Veja chegarem e fiquei curiosa…

O misterioso mr. Collins - mussum

        Nora Cohn, além de belíssima, era estrelada bióloga com doutorado e mestrado numa das grandes universidades americanas. Eu a conheci num Inverno amazônico de muitas chuvas quando ela mais meia dúzia de cientistas estiveram fazendo pesquisas na contra-costa da Ilha do Marajó. Acompanhei o grupo como repórter do jornal em que trabalhava na época. Foi armado bom acampamento nas margens de um lago, não muito distante das dunas, e, ali, os técnicos trabalhavam. Numa noite de ócio, após o jantar, Nora, por me saber bom conhecedor da área, perguntou se eu já ouvira falar algo a respeito “do americano”. Respondi que não e ela apontou para o outro lado da água represada pela areia.

        — Ele mora numa grande fazenda além daquela margem.

        — E o que tem de especial?

        — Eu gostaria de ir lá exatamente a fim de saber – ela respondeu da forma mais objetiva possível.

        — Alguma pesquisa?

        — Talvez. É que vi a fazenda dele do alto num vôo que fizemos antes de você e seu colega da revista Veja chegarem e fiquei curiosa.

        A fim de ajudar a moça, investiguei; porém, consegui muito pouco. Tratava-se de fato de um gringo que criava gado nelore e búfalos. Os nativos o chamavam de seu Coli, porém apostei desde logo que deveria ser Collins.

        Repassei à Nora as parcas informações acentuando que o sujeito era meio recluso, não gostava nada de receber visitas. Mas isso, ao invés de desanimar, animou ainda mais a moça.

        — Com esse mistério a coisa fica ainda mais excitante – murmurou.

        — Ora – brinquei – vai ver que você assistiu alguns daqueles velhos filmes em que bonitões americanos tinham propriedades na Amazônia.

        — Pra te falar a verdade vi na TV “O Carrasco dos Trópicos”, com Ronald Reagan. Um lixo.

        — Imagino que você esperava encontrar um caçador tipo o Robert Redford de “Out of África”.

        — Pois é isso mesmo! – Ela deu uma gargalhada.

        No dia seguinte, bem cedo, saímos para a fazenda do “seu Coli”. Para isso fizemos a travessia do lago num barquinho empurrado pelo vento na vela. No outro lado, no ancoradouro uns trezentos metros distante da casa grande, vimos uma pessoa de pé, como se estivesse à nossa espera. A antropóloga, mesmo sem visualizar direito a criatura, ciciou:

        — Será que é ele?

        — Bem, se for, você pode sepultar suas esperanças de dar de cara com um Robert Redford.

        Até que, para o fim de mundo onde nos encontrávamos, o recepcionista foi bem civilizado. Ao saber o que queríamos, disse:

        — Não sei se mr. Collins vai poder atendê-los.

        — Puxa, ele se chama mesmo Collins? – Exultei.

        — Nem uma palavrinha? – Nora arriscou.

        — Vocês, por acaso, são de alguma televisão?

        Justamente a partir daí quando provamos, por A mais B, que não éramos de nenhuma TV, o sujeito, uma espécie de braço direito de mr. Collins, suspirou. É que uma troupe televisiva de São Paulo, que lá esteve, fez  documentário muito ruim e, à noite, os membros da equipe ainda abusaram de bebidas e “cannabis sativa”.

        — OK – o funcionário acaba apontando – é por aqui.

        Durante mais de uma hora, confesso a vocês, percorremos uma fazenda lindíssima. Porém, enquanto íamos sacando coisas, de vez em quando Nora me perguntava, com os olhos, pela figura do romântico americano. Que apareceu, afinal, pouco antes de irmos embora, tendo tido chance de contar que morava ali há mais de 15 anos, vindo do Estado do Winsconsin. Horas depois, quando pegamos o barco de volta, finalmente olho no olho com a linda bióloga, faço a pergunta inevitável:

        — E aí, muito decepcionada porque ele é negro?

        — Não, não sou racista. Mas veja só…

        — O que?

        — Ora, ele poderia muito bem ser parecido com o Sidney Poitier ou o Harry Belafonte dos velhos tempos, lembra deles?

        — Claro que lembro… “Advinhe Quem Vem para Jantar”, “Carmen Jones”…

        — Mas diabo – a moça termina — o misterioso e romântico mr. Collins é a cara e o corpo do falecido Trapalhão Mussum…

         ____________

Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

_____________________________________________________________

 

 

1 thought on “O misterioso mr. Collins. Por Antonio Contente

  1. É sempre uma delícia especial a leitura da produção inigualável de Antônio Contente. Quando termino de ler , me vem a tristeza de não ter suas crônicas reunidas em livro para presentear amigos que prezam e valorizam o velho hábito de livro nas mãos. Não sentirão a mesma emoção se eu enviar pelo WhatsApp. O livro carrega aspectos enraizados e insubstituíveis .
    Tenho fé em Deus e rogo para que , em breve , tenhamos a edição do primeiro volume *Crônicas Reunidas * de Antônio Contente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter