Fazer certas coisas nem sempre dá certo. Por Josué Machado

FAZER CERTAS COISAS NEM SEMPRE NÃO DÁ CERTO

Por Josué Machado

Misturar verbos de regências diferentes às vezes resulta em algo quase tão improvável como seria o resultado daquele gracioso encontro romântico do elefante com a formiga.

Para obter frases mais concisas, alguns sábios conhecedores do idioma defendem como corretas, legítimas e adequadas construções como estas:

  1. “Entrou e saiu do Congresso como sombra.” (Registro feito por um analista político sobre um de nossos “representantes”.)

  2. “No Brasil não leram e não gostaram de meus livros.”

(Declaração meio amarga e conformada do acadêmico, ex-deputado, ex-governador, ex-senador, ex-presidente e senhor do Maranhão, José Sarney.)

Em frases como essas e muitas outras, ignora-se o fato de certos verbos dispensarem preposição para unir-se aos complementos e outros verbos a exigirem: ENTRAR EM, SAIR DE; LER ALGO; GOSTAR DE ALGO.

Como ficariam as frases dos dois exemplos de acordo com a linguagem padrão ou língua oficial cobrada em concursos?

  1. 1. “Entrou no Congresso e saiu dele como sombra.”
    Ou:
    “Entrou no Congresso e saiu como sombra.”

Se saiu, é porque um dia ou em algum momento entrou para bem servir ao povo brasileiro, como o Calheiros, o Jucá e o Paulinho Forçudo – gloriosos exemplos.

  1. No Brasil não leram meus livros e não gostaram deles.”

Ou, em linguagem mais apropriada ao acadêmico:

“No Brasil, desgostaram de minha imorredoira obra mesmo sem a ler.”
Ou:
“No Brasil, denigrem a essência de meus papiros e palimpsestos sem sequer os decifrar.”

Alguns linguistas consideram aceitáveis as construções em que se misturam regências porque assim se obtêm frases mais concisas e menos rebuscadas do que as que obedecem à regência verbal defendida por especialistas apontados como conservadores.

No entanto, como a linguagem oficial é que vigora nos concursos e nos meios de comunicação de interesse geral, convém obedecer às suas regras para evitar que se confunda síntese com ignorância da amada língua.

O que não fizeram também os autores dos seguintes períodos, publicados em jornais há algum tempo, numa espécie de espantoso cruzamento romântico de formiga com elefante:

  1. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kaká) reiterou que Duda nunca trabalhou ou se associou à Mkpol, conforme disse à PF.”

  2. “É impossível ouvir calado e dizer amém à grosseria do secretário do Tesouro dos EUA, Paul O’Neill,[…]”

Então, de acordo com a regência indiscutível em cada caso:

  1. Trabalhar com alguém; associar-se a alguém —

“O advogado Kaká reiterou que Duda nunca TRABALHOU COM A MKPOL nem se ASSOCIOU A ELA, conforme disse à PF.”

  1. Ouvir algo de; dizer algo a –

     “É impossível OUVIR CALADO A GROSSERIA do secretário do Tesouro dos EUA, Paul O’Neill, e DIZER AMÉM (a ela).”

Percebe-se que o uso da regência adequada dos verbos nem complica nem alonga as frases. E não fica a dúvida sobre se a mistura de regências teria ocorrido por convicção, distração ou ignorância do redator.

(Em vez de “ignorância”, Temer usaria insciência ou, melhor ainda, inscícia. E o faria com a agnição ou conhecença de sempre.)

Nota: 1) insciência e inscícia = ignorância. 2) agnição e conhecença = sabedoria, conhecimento.

………….

(Escrito para a revista e o blog Língua Portuguesa.)

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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