Dr. Bellezza e a inflação

Nos cursos de Introdução à Economia, ali pela quarta aula, ensinamos aos alunos a necessidade de distinguir entre variáveis reais e nominais. Por exemplo, o PIB de um país, medido em sua moeda, pode ter crescido porque a produção de bens e serviços aumentou, ou porque os preços destes subiram, ou, como é mais comum, por uma combinação destas duas coisas. Separar a parcela que se deve à inflação nos permite aferir o que realmente ocorreu com a produção.
No caso do Brasil, o PIB na primeira metade de 2015 alcançou R$ 2,836 trilhões, uns 6% acima do que fora observado no mesmo período do ano passado (R$ 2,677 trilhões). No entanto, como se sabe, uma vez descontada a inflação, o crescimento real do PIB foi negativo, -2,1%, revelando que todo aumento do produto nominal foi uma ilusão de ótica, resultado do aumento dos preços, não da atividade econômica.
Em texto recente, porém, o Dr.
Bellezza, um dos conselheiros informais da presidente na montagem da desastrada
“nova matriz macroeconômica”, em conjunto com um de seus lacaios, revela ter
esquecido as preciosas lições da quarta aula.
Ele reclama que, em minha coluna de 4 de novembro, argumentei que, para
saber o efeito da taxa de juros sobre a dívida, teríamos que deduzir o impacto
da inflação sobre esta última. O motivo é simples, embora, ao que parece, além
da sua capacidade de entendimento. Sorte dele que não me furto à missão
civilizatória.
Imaginem dois países
iguais, com PIB no valor de $ 100 e uma dívida pública de $ 50, o que, em
matemática compreensível até para Dr. Bellezza e asseclas, implica uma relação
dívida-PIB de 50%. Para facilitar o cálculo vamos também fazer de conta que não
há crescimento real do PIB (a conclusão não muda se alterarmos esta hipótese).
No primeiro país supomos
que não haja inflação e que a taxa de juros seja 3%. Assim, depois de um ano,
caso o superávit primário seja zero, a dívida chegaria a $ 51,5, por conta da
incidência de juros de 1,5 sobre seu valor inicial (3%x50), ou seja, uma relação
dívida-PIB de 51,5%.
No segundo país a taxa
de juros é 13,3%, mas a inflação é de 10%. Neste caso a incidência de juros
sobre a dívida é bem mais alta, $ 6,65 (13,3%x50), levando-a a $ 56,65 no final
do período. Contudo, como os preços subiram 10%, o PIB agora vale 110 e a
relação dívida-PIB é exatamente 51,5% (56,65÷110), embora juros nominais
equivalham a 6% do PIB (6,65÷110).
A variação da razão
dívida-PIB, portanto, depende da taxa real de juros (a que desconta
o efeito da inflação). Neste aspecto, a medida de déficit operacional (que
justamente faz este procedimento) é sempre
a mais adequada para explicar a evolução das contas públicas, mesmo quando a
inflação é moderada, ao contrário do que afirmam os autores.
Ocorre que, sob esta
circunstância, não há muita diferença entre usar os números com ou sem ajuste à
alta de preços. Isto dito, só quem não entende do riscado pode argumentar, como
Dr. Bellezza e seu cúmplice, que a inflação no Brasil, 9,93% nos últimos 12
meses, seria “moderada”.

 

Dado seu conhecido
desrespeito à aritmética, não me espanta que a incompetência do Dr. Bellezza
tenha conseguido mandar o Palmeiras para a Segundona. Difícil é entender como
ainda permitem que ele insista em fazer o mesmo com o Brasil.
Dr. Bellezza (e seu lacaio)
(Publicado 18/Nov/2015)

31 thoughts on “Dr. Bellezza e a inflação

  1. "Nos cursos de Introdução à Economia, ali pela quarta aula, ensinamos aos alunos a necessidade de distinguir entre variáveis reais e nominais."

    Alex, tu tá pedindo muito dele. O próprio nunca estudou economia formalmente. O máximo que possui é uma "pós" pela Cepal (sic).

  2. Me impressiona a sua "etica seletiva" que critica economistas de "bem" como Beluzzo,Bresser e poupa seus colegas que trabalham em empresas como BTG,Opportunity,etc!!

  3. "Me impressiona a sua "etica seletiva" que critica economistas de "bem" como Beluzzo,Bresser e poupa seus colegas que trabalham em empresas como BTG,Opportunity,etc!!"

    Já a mim impressiona que comece uma frase com um pronome oblíquo…

  4. Alex,

    Diz se você concorda com o seguinte raciocínio. Em 2011 o Bacen diminui a selic em um momento que era para ter o comportamento contrário (aumentar jutos), já que havia uma pressão inflacionária. Essa postura acomodou o custo da dívida do governo naquele momento e o governo expandiu gastos. Com o aumento da participação do BNDES no crédito, é possível que a selic necessária para estabilizar a taxa de inflação tenha deslocado para cima. Assim, mesmo com o ciclo de aumento da selic, que teve início em 2013, essa taxa não teria alcançado esse valor para estabilizar a taxa de inflação. E fez isso para não aumentar o problema fiscal. Se isso for verdade, você acha que poderíamos falar em dominância fiscal nesses dois períodos?

  5. Concordo em grandes linhas, Celso.

    Sim, o BC errou feio lá em 2011 (lembram-se da "recessão global equivalente a um quarto da Grande Recessão"?).

    100% de acordo quanto ao papel do BNDES e direção do impacto que deve ter provocado na "taxa neutra" (mas, infelizmente, ainda não sei quantificá-lo) e, sim, é possível que, por conta disto, não tenhamos alcançado a taxa neutra (mais, repito, é uma possibilidade; sem saber o impacto do BNDES não termos como aferir a posição da atual taxa de juros relativamente à neutra).

    Já a expansão de gastos, desconfio, viria com ou sem acomodação monetária.

    Quanto à dominância fiscal, ainda não temos elementos para determinar se já estamos lá, mas a piora persistente das expectativas aponta nesta direção.

    Abs

  6. Meu pitaco ao Celso,
    O BC cortou juros em 2011 porque: o crescimento veio pra perto de 1% e 4% era o que merecíamos crescer; a inflação fez uma barriga pra 4,5% no curto prazo; os juros despencavam lá fora e o QE estava na mesa; estrangeiro iria brigar pra trazer dinheiro pra cá; a inadimplência doméstica subia; eles sempre querem cortar os juros independente do ambiente. Expandiram os gastos e o BNDES porque: juros reais seriam pra sempre 2% e o deficit nominal iria ficar controlado; gasto público é oxigênio. Eles pararam de subir os juros não por restrição fiscal e sim por que não contavam com: mudança de vies do dólar; deterioração do investimento sufocando o PIB potencial; crise hidríca impulsionando as tarifas; crise fiscal forçando soltar tarifas; queda das commodities impulsionando o câmbio; sempre querem parar se subir os juros. A restrição nunca passou pela cabeça do BC nem dos gênios do governo.

  7. Até agora não se manifestaram em relação a sua ultima coluna, Alexandre!!!

    Talvez a próxima resposta venha com uns 38 autores….pq só assim para entenderem de aritmética.

    A professora da usp não me respondeu….

    rsrsrs

  8. "O q vc usa para prever inflacao?"

    Curto prazo não prevejo. Não tenho conhecimento, nem tempo para me dedicar a isto.

    Medio prazo (1 ano, 1,5 ano à frente) uma réplica do modelo de pequenos porte do BC. Tem subestimado a inflação.

    De verdade: um deck de tarô desenhado pela minha filha.

  9. "no seu exemplo, a composicao da divida (mix de fix or float) altera as conclusoes?"

    Duration, de maneira geral é um assunto ignorado por conveniência, mas não muda o fundamental: seja fixa, seja flutuante, a taxa de juros que incide sobre a dívida tem que ser deflacionada.

    Abs

  10. Que controles vc usa na IS e na CP do seu modelo de pequeno porte? O bcb nao diz exatamente quais e isso complica a tarefa. Assim, se puder passar sua especificacao, seria otimo.

    Bjs Julia

  11. Claro. Se o Alex me permite, fiz alguns comentários. É incrível como, na tréplica, eles ainda conseguem cometer confusões conceituais de iniciante.

    ***

    Os números divulgados pelo Banco Central, vide nota à imprensa em 29/10/2015, revelam dívida bruta de R$ 3,789 trilhões, 66% do PIB, em setembro de 2015. Nos 12 meses anteriores, essa dívida foi acrescida por um deficit nominal de R$ 536 bilhões, equivalente a 9,34% do PIB, resultado de um deficit primário consolidado de R$ 25,7 bilhões, 0,45% do PIB, e de despesas com juros nominais de R$ 510,6 bilhões, 8,89% do PIB, que incluem perdas com operações no mercado de câmbio no valor de R$ 132 bilhões, 2,3% do PIB.

    EU: Aqui começam os erros. Eles começam a confundir divida bruta com divida liquida. Deficit nominal (NFSP) é um conceito relativo à dívida líquida. Na conta de juros da NFSP entram também os juros recebidos com os ativos do setor público (obviamente, com o sinal contrário). Se eles querem analisar a dívida bruta, a conta de juros é ainda maior, pois não desconta o rendimento dos ativos.

    Sendo mais específico, a dívida bruta que eles colocam (3.789 bi) era 3.132 bi 12 meses antes, o que dá uma variação de 657 bilhões. Além disso, não precisa nem falar que essa variação é explicada por fatores que não juros e resultado primário. Chegaremos lá.

    ***

    A evolução da razão dívida/PIB é expressão dos efeitos descritos nas variáveis supracitadas a preços correntes: desconsiderados ajustes, a dívida bruta equivalente a 57% do PIB em setembro de 2014, somada ao deficit nominal de 9% no período de 12 meses, respondem pelos 66% do PIB de dívida bruta de setembro de 2015.

    EU: Aqui é a atrocidade maior do artigo. O déficit nominal (9,3% PIB) não tem nada a ver com os 8,4 p.p. de variação na DBGG. Pra começo de conversa, já vimos que déficit nominal (NFSP) se refere à dívida líquida (DLSP) e não à bruta. Fora isso, vamos olhar separadamente para numerador e denominador da relação, para facilitar o entendimento (DBGG/PIB).

    A dívida bruta variou 657 bilhões, mas aí não estão só juros e primário. Por exemplo, o aporte de 30 bi do Tesouro no BNDES realizado em dez/14 aumentou a dívida bruta. Cadê isso nas contas do artigo?

    Sobre o denominador, eles não falam nada. Mas e a queda real do PIB? É claro que tem efeito na proporção! Só para ficar em um número: se o PIB nominal tivesse avançado pela inflação acumulada dos 12 meses de análise (9,89%), a dívida bruta de 3.789 equivaleria a 63,6% do PIB (em vez de 66%). *PIB nominal de 5.955 bi em vez de 5.741.

    Sinceramente, acho que eles viram números com a mesma ordem de grandeza (cerca de 8/9 pontos do PIB) e fizeram essa associação totalmente equivocada. Minha nossa….

    ***

    Portanto, nesse período, as despesas com juros nominais foram responsáveis por 95,2% do deficit nominal que aumentou a dívida bruta, enquanto o deficit primário responde por 4,8%.

    EU: Erradíssimo!! Confusão terrível de conceitos. O deficit nominal de 9,3% do PIB não se relaciona à dívida bruta, mas sim à líquida! E olha só, a dívida líquida nem aumentou, pelo efeito reservas, mas isso eles não vão te contar, porque o objetivo é bater o máximo possível nos juros.

    ***

    Enfim, acho que eles resolveram baixar o tom depois de vários erros lá atrás, mas continuaram confundindo conceitos. Não é possível que, já que não conhecem os números, não tenham ninguém para ajudá-los.

    Abs
    Guilherme T

  12. Olá Alexandre

    Eu não sou economista mas gosto de acompanhar as suas colunas. Então
    não me xingue se minhas contas não estiverem corretas 🙂

    Eu entendo que para a dívida crescer como proporção do PIB, uma das duas
    coisas deve acontecer:
    1) O PIB pode cair (como ocorrerá este ano).
    2) O governo paga menos do que os juros devidos no período, tendo que refinanciar o que não foi pago.
    2.1) O item 2 pode vir tanto de um aumento da taxa de juros ou de gastos extras do governo com
    outros items que não os juros da dívida.

    Eu entendo que deve-se considerar juros reais. Deixado seu exemplo mais extremo, se a taxa de juros for 100% e a inflação for 100% depois de um período a razão dívida/PIB permanece constante (ainda que os juros nominais sejam 50% do PIB; no seu exemplo de dívida 50 e PIB 100). Então a discussão
    de juros nominais é um tanto irrelevante.

    Então para mim está claro que temos que separar os dois fatores em 2.1. Onde encontramos estas informações?

  13. Bom dia para o senhor que critica Tombini,um funcionário publico de carreira e faz vista grossa para seus colegas de trabalho que estão no BTG!!!

  14. "Eu entendo que deve-se considerar juros reais. Deixado seu exemplo mais extremo, se a taxa de juros for 100% e a inflação for 100% depois de um período a razão dívida/PIB permanece constante (ainda que os juros nominais sejam 50% do PIB; no seu exemplo de dívida 50 e PIB 100). Então a discussão
    de juros nominais é um tanto irrelevante."

    Parabéns, Eduardo, você já sabe mais que um professor-doutor da Unicamp 🙂

    Os dados que você procura estão no BC, séries temporais.

    Abs

  15. Seu ex-colega Eduardo Loyo é economista chefe do BTG,esta envolvido em escândalo de corrupção e o senhor faz vista grossa para esse fato !!!

  16. Quer assinar seu nome aqui, por favor?

    Assim o Loyo pode te processar por injúria e difamação. Já eu vou te processar só por cretinismo… Mas a pena só envolve ser mandado de volta pro zoológico.

    P.S. Aproveite e dê pro Tombini.

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