O discurso do rei

Visto em certos círculos
como capitulação, a presidente discursou em Davos numa tentativa de recuperar a
confiança perdida pelo país junto a investidores internacionais. Intenção
louvável (ainda que tardia) à parte, o resultado não foi dos melhores. O
discurso está permeado dos mesmos vícios que criaram o problema, a saber,
autossuficiência no limite da arrogância, assim como uma inacreditável
incapacidade de entender as críticas ao desempenho medíocre do país.
Um olhar mais detalhado
revela que a fala trouxe obviedades, inverdades e promessas. Nenhuma colabora
particularmente para a construção da confiança.
É muito bom saber, por
exemplo, que parcela considerável da população brasileira ascendeu social e
economicamente na última década, ou que as reservas internacionais do Brasil
são da ordem de US$ 375 bilhões. O problema é que estas informações só ajudariam
a melhorar a imagem do país caso fossem desconhecidas da audiência e reveladas
naquele momento feliz em que a presidente ofereceu ao mundo uma visão inédita
sobre a realidade brasileira, o que, convenhamos, está longe de ser o caso.
Pelo contrário, a
audiência já conhece a história e mesmo assim permanece reticente quanto ao
país, não, obviamente, porque desgosta de reservas elevadas e melhora social,
mas porque tem visto outros desenvolvimentos nada positivos, como inflação
alta, crescimento baixo e contas fiscais sob crescente suspeita. Neste aspecto
esperava-se algo de concreto acerca de como lidar com estes temas. O que se
viu, contudo, foi a negação da sua existência.
Assim, a presidente
reitera que o país busca, “com determinação, o centro da meta inflacionária”.
Caso fosse verdade, a diretoria do BC já estaria na rua. Não se atinge a meta
(não existe “centro da meta”; só a meta) de inflação desde 2009, e, de acordo
com as previsões do BC, isto não ocorrerá pelo menos até 2015. Se isto é
“determinação”, não quero nem imaginar o que teria ocorrido caso tivessem feito
“corpo mole”.
Na mesma toada afirma
que “as despesas correntes do governo federal estão sob controle e houve uma
melhora qualitativa (!) das contas públicas nos últimos anos”. Uma breve
inspeção dos números oficiais do Tesouro, porém, revela que as despesas
correntes saltaram de 16,5% do PIB em 2010 para 17,7% do PIB nos 12 meses
terminados em novembro do ano passado, para ficar apenas no período mais
recente (em 2003, por exemplo, eram 14,5% do PIB). De novo, se isto significa
controle, me arrepia pensar o que poderia ser uma situação de descontrole.
Afirmações como as
acima podem funcionar para uma audiência despreparada, mas dificilmente no que
se refere a investidores familiarizados com os números e as ações de política
econômica no Brasil. O resultado no caso é o oposto: a percepção que o governo
não reconhece seus próprios problemas apenas reforça a desconfiança na gestão
do país.
Contra este pano de fundo,
sobram as promessas, mas, vamos falar a verdade, estas só funcionam se houver
confiança, o que nos traz de volta à estaca zero.
Em momento algum houve
reconhecimento dos erros (e não foram poucos!) de política, os diagnósticos
equivocados, a execução malfeita de projetos. Houvesse autocrítica, certamente
seria possível construir uma base para a credibilidade acerca de rumos futuros
que incorporassem a correção dos enganos anteriores.
Assim, se tivesse que
resumir o discurso, seria algo na linha: “estamos fazendo tudo certo, mas vocês
não reconhecem; tratem de admitir que somos fantásticos e invistam”.

O governo prefere
acreditar que a questão se resume a dificuldades de comunicação e que um exercício
algo despudorado de autolouvação há de corrigi-las, apesar da evidência em
contrário. Se quisessem mesmo resolver o assunto poderiam começar ensinando à
presidente o que aprendi com minha avó: “elogio em boca própria é vitupério”.
(Publicado 29/Jan/2014)

24 thoughts on “O discurso do rei

  1. Bom dia Alexandre!
    Como o governo federal conseguiu comprar os dolares da reserva?
    Li que o governo vendia TDP para comprar. Foi isto?
    É valido se endividar pagando juros altos?

  2. Alex: “É muito bom saber, por exemplo, que … as reservas internacionais do Brasil são da ordem de US$ 375 bilhões.”

    BC(03/02/2014): reservas internacionais = US$361,395bilhões
    BC(30/12/2013): dívida externa (pública e privada) = US$312bilhões
    BC(30/12/2013): posição vendida em swap cambial = US$68bilhões
    Ou seja, a rigor deixamos de ser um credor internacional, condição que foi importante para a obtenção do investment grade.
    Além disso, observa-se uma tendência crescente para o déficit em transações correntes, com poucos sinais indicando possível reversão.

    Com esse cenário, dá mesmo pra se sentir confortável?

  3. enquanto isso na sala de justiça:

    os forwards do mercado puxando o juros em quase 14%.

    e os ativos entrando numa nova rodada de desvalorização.

  4. Equipe econômica do Aécio: Armínio Fraga, Monica de Bolle, Mansueto Almeida, Gustavo Franco e Helena Landau.

    Equipe econômica da Marina: Eduardo Gianetti, André Lara Resende, Ricardo Abramovay e José Eli da Veiga.

    Eqipe econômica do Eduardo Campos: José Luis Oreiro, Luis Fernando de Paula e Luciano Coutinho.

    Equipe econômica da Dilma (para um novo governo): Nelson Barbosa, Esther Dweck e Alexandre Tombini.

    O que esperar das eleições de 2014?

  5. Sobre esse artigo do tal de Adolfo…

    "Por outro lado, se o câmbio fosse flexível, tão logo grandes movimentos de saída de capital ocorressem o câmbio seria desvalorizado, punindo as empresas que adotaram esse comportamento."

    >>> Qq menino(a) de 4a. série primária sabe disso; só lá no bc que não. lamentável…

  6. SWAP CAMBIAL:

    O banner do canal a cabo da Bloomberg não pára de anunciar, quase que diariamente: Banco Central coloca 4000 contratos de swap cambial

    >>> Isso tudo para ficar rolando Fundo Cambial, etc…

  7. Acho que os colegas aí em cima estão um pouco enganados…
    Equipe econômica de Eduardo Campos: Pérsio Arida, Fábio Giambiaggi, Alexandre Rands etc… Podem apostar!

  8. Alex você pouco fala da situação fiscal dos EUA,vi na reportagem que o CBO projeta para 2024 uma relacao divida pib de 79% do PIB,que e alta se comparado a crise,quando era de 35%.

    "dívida deve cair para 74% do PIB no final do ano e a 72% do PIB até 2017, mas então subirá, atingindo 79% do PIB no final de 2024.
    A agência destacou que a dívida relativa ao tamanho da economia estava "muito alta" para os padrões históricos. Recentemente, como no final de 2007, a dívida representava 35% do PIB antes de os déficits orçamentários inflarem em meio aos gastos do governo para responder à crise financeira de 2008 e à profunda recessão."

    http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2014/02/04/interna_internacional,495019/economia-norte-americana-registrara-solido-crescimento-e-queda-do-deficit-diz-relatorio.shtml

  9. Felipe:

    Não consegui entender bem sua pergunta. Você quer saber se há como colocar séries na mesma base (ano xx = 100), ou algo mais relacionado à uniformidade de critérios?

    Abs

  10. Acabei me expressando mal. Mas é isso mesmo, se há como comparar por exemplo a série de participação da indústria no PIB, já que a mesma passou por mudanças na metodologia das contas nacionais em 1980 e em 1990.

    Se sim, é possível aplicar em dados iguais, mas que sofreram mudanças na metodologia ao longo do tempo?

    Valeu!

    Abs

  11. "se há como comparar por exemplo a série de participação da indústria no PIB, já que a mesma passou por mudanças na metodologia das contas nacionais em 1980 e em 1990."

    Foram até mais alterações. Estritamente falando, fica difícil e houve até um caso comentado aqui no blog a respeito (http://maovisivel.blogspot.com.br/2009/12/os-panetones-do-sr-oreiro.html)

    Há formas de contornar o problema, mas, principalmente para séries mais longas, a chance de erro é crescente com o tamanho da série.

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