Devotos de São Nunca

Pior que a comunicação
do Banco Central do Brasil, apenas sua gestão de política monetária. No dia 23
de dezembro de 2014, quando divulgou o último Relatório Trimestral de Inflação
(RTI) daquele ano, o BC, contrariando sua mensagem inicial de “parcimônia” no “esforço adicional
de política monetária”
, afirmou que iria “fazer o necessário para que [em 2015]
a inflação [entrasse] em longo período de declínio, que a [levaria] à meta de
4,5% em 2016
”.
A partir de então o BC,
seja por meio de sua comunicação oficial (RTI e atas), seja através dos
pronunciamentos dos membros de sua diretoria, comprometeu-se a trazer a
inflação de volta a 4,5% em 2016. Em particular, o diretor Tony Volpon, assegurou
que votaria “pelo aumento de juros até que nossa
projeção de inflação esteja de maneira satisfatória apontando para o centro da
meta
”.
A frase, é bem verdade,
lhe custou a participação na reunião do Copom em julho, por haver supostamente
antecipado seu voto, mas seu conteúdo jamais foi contestado pelos demais
membros do comitê. Pelo contrário, a partir daquela reunião o BC passou a
enfatizar que a “manutenção da [Selic], por período de tempo
suficientemente prolongado, [seria] necessária para a convergência da inflação
para a meta no final de 2016
”, sugerindo que sua
mensagem acerca do retorno da inflação para 4,5% deveria ser levada a sério.
Como já deve ter ficado
claro ao longo das minhas colunas, jamais cometi o pecado de levar a sério as
afirmações do BC, em linha com a imensa maioria dos colegas de profissão que,
mesmo em face das inúmeras promessas, nunca trouxe as projeções de inflação
para o ano que vem abaixo de 5,4%.
A razão para isto me
parece simples: até em circunstâncias menos graves do que a atual o BC
repetidamente falhou em sua tarefa, revelando uma fraqueza intrínseca; se
técnica, política, ou de caráter (ou todas simultaneamente) é ainda matéria de
debate, mas dúvida não resta que esta diretoria se mostrou incapaz de fazer o
que todas as demais em alguma medida haviam conseguido.
E seu comportamento
recente revela os mesmos erros do passado. No RTI divulgado em setembro o próprio
BC previa que a inflação de 2016 deveria ficar em 5,3%
, mesmo se mantivesse
constante a taxa de juros, o que mostrava a insuficiência de sua política, em
flagrante contradição com a promessa da convergência da inflação para a meta no
ano que vem.
Ao invés de corrigir
este problema pelo ajuste da política monetária, porém, o BC adotou a linha da
presidente: não vai dizer qual é a meta e, quando lá chegar, há de dobrá-la.
Não pode ser outra
interpretação da mudança de seu comunicado: ao invés de prometer a inflação na
meta em 2016, o compromisso agora é que a convergência se dará no “horizonte
relevante para a política monetária”, sem, é claro, especificar que prazo é
este, embora eu acredite que, na prática, isto signifique algo entre “fiado só
amanhã” e o “dia de São Nunca”.

E, se o BC crê, como
parece, que a extensão do prazo de convergência tornará seu serviço mais leve,
sugiro que monitorem as expectativas de inflação para 2016 e 2017, novamente em
alta em resposta à sua postura mais frouxa. Conversa fiada, sem ação, só
empurra mais acima um alvo que compreensivelmente se recusa a ficar parado.
O
padroeiro das causas procrastinadas
(Publicado 28/Out/2015)

42 thoughts on “Devotos de São Nunca

  1. Duas perguntas de leigo:

    1) o BC possui alguma outra ferramenta para baixar a inflação que não seja aumentar os juros?

    2) Além da inflação, o BC costuma olhar para outras variáveis macroeconômicas (PIB, desemprego, etc..) para determinar suas escolhas?

    Um saluto
    Daniel

  2. "Tombini foi seu colega de trabalho durante o tempo em que o senhor trabalhou no BC,nao e anti-ético critica-lo?"

    Não, acho antiético deixar de falar a verdade. Por exemplo, você é claramente um cretino sem qualificação para amarrar seus próprios sapatos e quem quer que seja o responsável pela sua saída do zoológico deveria ser processado por colocar em risco a saúde pública.

  3. Olá, Alexandre. Bom texto. Você não acha que a situação fiscal impede uma ação efetiva do BC? O que se poderia fazer de diferente nessa situação? Elevar a taxa de juros subitamente em vez de fornecer pequenas doses de 0,5 p.p.?
    Abraço. Fernando

  4. Mas como economista, o senhor deve honrar o seu código de ética.Quando o senhor diz que o BC fez um trabalho porco,é um desrespeito para a instituição e os funcionários que trabalham nela.

    Art. 2º – O Economista pautará a sua conduta profissional pelos seguintes
    princípios e valores:
    a) honestidade;
    b) trabalho;
    c) justiça social;
    d) liberdade;
    e) fraternidade;
    f) humanidade; e
    g) compromisso com o desenvolvimento profissional e intelectual da pessoa
    humana e com o progresso da sociedade.
    Parágrafo Único . No desempenho de cargo ou função pública, cumpre ao
    economista dignificá-lo moral e profissionalmente, fazendo prevalecer sempre
    o interesse público sobre o particular

    DOS DEVERES ESPECIAIS EM RELAÇÃO AOS COLEGAS
    Art. 5º – O economista, com relação aos colegas, deve:
    a) prestar-lhes assistência em assuntos profissionais, no que for de direito e
    justiça;
    b) evitar referências prejudiciais ao seu conceito;
    c) respeitar-lhes as iniciativas, os trabalhos e as soluções, jamais expondo-os
    ou usando-os como de sua própria idealização.

    http://www.eticaempresarial.com.br/imagens_arquivos/artigos/file/eticaenegocios/codetica_economia.pdf

  5. "Mas como economista, o senhor deve honrar o seu código de ética.Quando o senhor diz que o BC fez um trabalho porco,é um desrespeito para a instituição e os funcionários que trabalham nela."

    Alguém poderia, por favor, chamar a carrocinha? Obrigado

  6. Na sua coluna de quarta-feira na folha falastes que os juros reais em 12 meses totalizaram aproximadamente 70 bilhões, desculpa a pergunta, mas os juros reais da NFSP não seriam os dispêndios com juros reais realizados pelo setor público?

  7. Caros bacharéis,

    Se for na área de macro, não tem o que pensar. Na PUC tem o Carlos Viana, o Eduardo Zilberman, o Thiago Berriel e o Marcio Garcia. Sem dúvida, é o melhor time de macro no Brasil hoje.

    Agora, se o objetivo for micro ou econometria, então há motivos para haver dúvidas, afinal todos os centros estão bem servidos. De qualquer forma, a PUC é também gigante nessas áreas com Vinícius Carrasco, Claudio Ferraz, Gabriel Ulyssea, Leonardo Rezende e Marcelo Medeiros.

    Enfim, eu escolheria a PUC. To acabando meu mestrado lá e pelo que ouço de amigos que fizeram USP, EPGE e EESP, acho que lá é a melhor opção.

    Abs

  8. Alexandre, como faço para obter o seu artigo "O que aconteceu com Gustavo Franco em 99?". A resposta do Gustavo eu encontrei mas o artigo, não. Como faço para acessa-lo.

    Laura

  9. Observando os riscos na mesa, o BC está correto ao postergar a convergência. PIB caindo como estivéssemos em guerra, incerteza política e fiscal, calotes acelerando, quantidade de empresas em RJ em níveis preocupantes etc-etc. O BC está mantendo juros reais decentes(bastante decentes para uma economia em recessão), promovendo um retorno já em 2016 da inflação aos níveis pré ajuste (6,5%/7%) e colocando 2017 como a batalha pós-ajuste. De 2017 não pode fugir! Mas me parece que alguns caras querem que o BC suba juros para provar que não estamos numa dominância fiscal. Ou mesmo que suba os juros porque se a inflação atingir 7,01% ano que vem a dinâmica ficará "perigosa" (como se fosse muito diferente de 5,99%!). O BC não pode errar pra mais agora pois isso traz riscos importantes. Só por que fez cagada em 2012/2013/2014, o BC não deve ficar cego aos fatos.

  10. "Alexandre, como faço para obter o seu artigo "O que aconteceu com Gustavo Franco em 99?". "

    Eita! Não sei se tenho cópia. Deve estar em algum CD (é, CD mesmo, foi escrito há 15-16 anos), mas não faço ideia de onde possa estar. Me mande um e-mail e se achar, mando a cópia.

  11. Achei o artigo no site do Gustavo Franco da PUC. http://www.economia.puc-rio.br/gfranco/

    Precisa ir lá e, via control-F procurar por "o que aconteceu com Gustavo Franco"…

    Está um pouco ruim de ler porque os acentos e cedilhas cederam lugar a mini-hexágonos com interrogação, nada qincontornável.

    At,
    Ricardo Conte

    PS: tentei o botão "Reply" não funcionou…

  12. Alex,

    Voce é favoravel a rediscutirmos a arquitetura do nosso regime de metas?

    – BC independente?
    – ano calendario?
    – medida de nucleo?

    Abs

  13. Alexandre,

    O Ciro tem dado uma de economista. Parece que o tema de pesquisa dele é inflação. rs

    Nesse vídeo ele comenta sobre a inflação brasileira.

    https://www.facebook.com/tvbrasil/videos/10153922582872985/?pnref=story

    Ele esquece de dizer que parte da inflação de hoje vem do aumento de crédito do governo Dilma 1? (Estou certa?) É essa falta de cuidado no debate sobre inflação que afeta a interpretação sobre a essência da inflação, se de demanda ou de custos?

    Se HOJE quisermos discutir a inflação precisamos falar do período de crédito farto do PASSADO. Se analisarmos só o presente a inflação teria um componente de custos maior do que o de demanda. (Certo?)

    Como ter inflação de demanda se estamos em recessão?

    Essa discussão sobre a essência da inflação é meio esquisita para quem está no 4º perido de economia. rsrs

    Laura

  14. "Voce é favoravel a rediscutirmos a arquitetura do nosso regime de metas?"

    – BC independente?

    Sim, claro

    – ano calendario?

    E no que isto é diferente do que temos hoje e, para falar a verdade desde sempre? Quando a inflação desviou para cima em 2004 estabelecemos um objetivo intermediário para 2005 e compensamos em 2006.

    – medida de nucleo?

    Não iria mudar muita coisa e pioraria a transparência. Em particular, nos últimos 10 anos os núcleos superaram a inflação cheia em 5. A diferença média entre o IPCA cheio e os núcleos nos últimos anos foi -0,04%….

  15. "Por que o senhor crítica Alexandre Tombini e poupa Joaquim Levy? O senhor parece que prática uma ética seletiva!!"

    Achava que você era apenas burro; hoje percebi que se trata de um analfabeto funcional…

  16. Joaquim Levy, coitado, está empenhado e arrumar uma bagunça que não foi ele quem provocou. A cúpula do BC, ao contrário, está refém de seus próprios erros. Se não tivesse baixado os juros na marra em 2011, certamente o esforço para trazer a inflação de volta a meta seria menor.

  17. Alex,

    Sabemos que a política monetária atua, basicamente, embora não somente, pelo lado da demanda. A demanda agregada, por sua vez, está muito enfraquecida o que, em parte, resulta da ação do próprio BC. Se de fato a economia brasileira tiver crescimento negativo neste ano e no próximo de cerca de 3% e, nem assim, nossa inflação convergir para a meta, então precisamos analisar o que está ocorrendo. à primeira vista, algo parece errado. Ou bem temos um banco central sem credibilidade nenhuma, o que dá um peso enorme às expectativas de inflação (desancoradas) para determinar nossa inflação, ou bem somos extremamente dependentes do comportamento da taxa de câmbio para conseguir cumprir com a meta de inflação. Confesso que ambas as possibilidades fazem sentido, embora a segunda seja mais intuitiva. Se isso for verdade, e o câmbio for, na prática, nosso pilar da estabilidade, não faria, então sentido, adotarmos um regime de âncora cambial?

    Bjs,
    Julia Prates

  18. Quando foi o Krugman que ganhou o nobel, o senhor fez um post em dedicatória a ele,agora quando o criador do Bitcoin ganha o nobel o senhor fica "mudo"!!!

  19. " Quando foi o Krugman que ganhou o nobel, o senhor fez um post em dedicatória a ele,agora quando o criador do Bitcoin ganha o nobel o senhor fica "mudo"!!!"

    Voce esta me trollando ou eh tao imbecil quanto eu desconfio (o Nobel de Economia deste ano foi para o Angus Deaton)

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