Nanismo e as quatro operações

Poucas coisas me alegram tanto quanto escrever esta coluna. Tenho que dizer, porém, que, até hoje, nada se compara à satisfação de ler a reação de João Sicsú a meu último artigo, não apenas por confessar publicamente ter subestimado a inteligência do público, mas principalmente pela sua incapacidade de contrapor qualquer argumento aos pontos que destaquei. Sua única resposta foi afirmar, envolto em pretensa ironia, que sou bobo, feio, mau e chato, o que, cá entre nós, é muito pouco, até para Sicsú.

De fato, o máximo que consegue é repetir o mesmo argumento nanico: temos poucos fiscais de impostos relativamente à área e à população (em breve vai fazer a mesma conta com relação ao perímetro e, fracassando esta, com relação à profundidade da plataforma continental). Peço, pois, perdão ao leitor por ter que explicar o óbvio, mas parece haver mesmo certa dificuldade de compreensão.

Não adianta escolher (nada aleatoriamente, diga-se) uma estatística específica e apresentá-la como evidência de nanismo do setor público. Ela pode, no máximo, ser sintoma de dificuldades de um segmento particular e, mesmo assim, convido os eventuais leitores a procurarem em meu blog os comentários enviados for um fiscal que contesta os argumentos sicsunianos (entre outras coisas ele diz que, sim, a grande maioria dos fiscais “trabalha em escritórios refrigerados em uma vintena de localidades no país que concentram 99% de todo o fluxo comercial brasileiro”).

Quem pesquisa o real tamanho do setor público no Brasil e conhece seus números sabe que a história contada por eles não casa com a anedota sicsuniana (por que será?). Assim, nos anos que antecederam a estabilização da inflação (de 1991 a 1994), o gasto primário de União, estados e municípios era, em média, 21,7% do PIB; entre 2003 e 2006 atingiu 29,5% do PIB. Em 2006 alcançou, por baixo, 31% do PIB e novos recordes serão batidos ainda este ano.

Comparando o aumento do PIB e o aumento do gasto entre 1994 e 2006 conclui-se que crescimento do gasto correspondeu a 51% do produto adicional, o que também não condiz com a noção de nanismo estatal. Não é difícil, pois, concluir que aumento do gasto primário é o principal fator de aumento da carga tributária (de 23,8% do PIB para 33,1% no mesmo período, um acréscimo de 9,3% do PIB).

Por outro lado, o gasto com juros (deduzida a inflação) aumentou de 3% do PIB para 5,4% do PIB entre 1991/94 e 2003/06, muito menos do que os gastos primários. Além disto, nos 12 meses terminados em setembro deste ano já haviam caído para 3,8% do PIB, enquanto os gastos primários e a carga tributária seguem sua inexorável expansão.

Só a renúncia completa às regras da aritmética poderia implicar uma conclusão que não apontasse para um inchaço extraordinário do setor público nos últimos 13 anos, sem contrapartida na qualidade dos serviços públicos. E não será o apelo a um número escolhido a dedo que irá mudar esta triste realidade.

Por fim, em troca da satisfação que me deu, ofereço a Sicsú uma pequena lição de etiqueta governamental que ele, neófito, certamente desconhece: não é de bom tom criticar publicamente uma decisão de governo, como fez ao qualificar como “absurda” a resolução do BC de manter inalterada a Selic, ainda mais se considerarmos que argumentos pertinentes a esta matéria requerem o domínio total das quatro operações.

(Publicado 31/Out/2007)

21 thoughts on “Nanismo e as quatro operações

  1. Impressiona como a nova equipe do IPEA esta batendo nessa mesma tecla: “O Estado brasileiro tem que aumentar de tamanho”. Para eles parece que nos temos pouco Estado…. engracado que ate agora nenhuma palavra sobre maneiras de se estimular o desenvolvimento do setor privado (cortando impostos por exemplo).

    Boa materia, parabens.

    Adolfo

  2. Adolfo:

    O impressionante na defesa deste contra-senso é que, no caso da realidade mostrar exatamente o contrário do que dizem, eles não hesitam em atropelá-la.

    Pobre Ipea.

    Abs

    Alex

  3. Gostei muito do seu artigo sobre as 4 operacoes. Fico espantado. O pessoal do IPEA foge do debate, tem ideias retrogradas e vive no mundo dos anos 70.
    Preocupa o fato de terem tanta influencia neste governo. Pochman + Sicsu + Mantega = trio ternura!

  4. Economistas tem por defeito a arrogância e o desrespeito a outras correntes de pensamento…a discussão sempre sai dos argumentos e números e acaba em questões pessoais…adjetivos para burrice alheia e qualificações de insanidade. Impressionante!

    Discutir nesse nível não paga o papel do jornal e muito menos o tempo dos leitores. Sobre brigas e xingamentos entre economistas, vale o artigo “Dilemmas of an economic theorist” by Ariel Rubinstein publicado na Economática, vol. 74, n° 4 (July, 2006), 865-883.

    Como você é um economista de banco, gostaria de ver artigos sobre como o papel dos bancos privados no financiamento de cadeias produtivas (setores que dependem, que estão com caixa e não dependem dos bancos, etc), sobre os ciclos de financinamento privado e suas principais vertentes (consignado, crédito imobiliário, etc), influência dos juros e câmbio na relação crédito/pib, etc. Esclarecer esses pontos para seus leitores…isso sim vale à pena.

    Abs

    Frederico

  5. Parabéns pelo blog e artigos Alexandre!

    Eu acho que toda discussão é saudável, desde que mantida dentro dos limites da boa etiqueta. Me preocupa um pouco quando qualquer dos lados do debate começa a usar do deboche como ferramenta de argumentação.

    De toda maneira o meu medo nesta discussão é cair no velho debate se o estado brasileiro é pequeno ou grande. Isto não leva a nada, a resposta é muito dependente do contexto específico de cada nação(ver o novo livro do Dany Rodrick – One Economics, many recipes para uma discussão interessante do assunto). Para todos nós preocupados com políticas públicas a grande questão é se o estado brasileiro é razoavelmente eficiente ou não em prover os bens públicos que lhe competem. Quer me parecer que apesar dos pesares temos caminhado na direção correta neste quesito nos últimos 20 anos.

    Abraços,
    Eduardo

  6. Eduardo:

    Obrigado pelos comentários. Quanto à ironia, pode ter gente que não gosta e eu entendo isto, mas, quando alguém desrespeita os dados da forma como Sicsú o fez, eu acredito que faz parte da regra ser sacaneado. Caso me apresentem bons argumentos, eu os tratarei de forma respeitosa.

    Eu não sei, de fato, caminhamos para ter um estado mais eficiente nos últimos 20 anos. Acho que é verdade em alguns aspectos, mas não no geral. A política de transferência de renda (Bolsa Família), ainda que possa (e deva) ser aprimorada, tem se mostrado muito eficiente, mostrando que os “focalistas” estavam, é claro, cobertos de razão.

    Por outro lado, consumir quase 15% do PIB em aposentadorias e pensões para um país com apenas 5% da população com idade superior a 65 anos me cheira a desperdício. Gastamos o mesmo que gastam países com cerca de três vezes mais idosos e nível de renda per capita não muito diferente do nosso.

    Enfim, um setor público que taxa a população em cerca de 1/3 do produto e gasta 31% do PIB (primário) oferecendo em troca serviços sofríveis de saúde e educação públicas e uma infraestrutura abaixo da crítica não me parece estar se tornando mais eficiente, exceto em extrair cada vez mais da sociedade.

    Apareça sempre. Abs

    Alex

  7. Certamente não é caveira… A proposta de contratar 1 milhão de novos funcionários para macaquear a Inglaterra só deixa de lado que isto nos custaria, muito provavelmente, um aumento entre 2-2,5% do PIB. Dado que o superávit primário do governo federal (com arrecadação “bombando”) tem ficado na faixa de 2,1% do PIB, a implicação disto seria o desaparecimento do primário. E, diga-se, sem um centavos de investimento; só aumento de gasto corrente. Haja cretinicie…

  8. Alexandre,
    gosto de escrever textos que satirizam “papers” heterodoxos. Segue abaixo um dos meus clássicos (esse tem todo o estilo do Sicsu)
    PS: Parabéns pelo ensaios.

    “Um Ensaio sobre as políticas cambial, fiscal, monetária e comercial em uma Economia Fechada, sem Governo e sem Moeda”

    Este trabalho discute a aplicabilidade do modelo centro-periferia de Prebisch ao atual debate sobre desenvolvimento sustentável. Ao invés da tradicional análise do processo de desenvolvimento através das mudanças na composição setorial da produção, enfatizando a dualidade entre matérias-primas e produtos industrializados,a dinâmica do modelo é apresentada em função dos determinantes sistêmicos da competitividade. Assim, a consolidação de uma indústria baseada em mão-de-obra e recursos naturais baratos pode não resultar na esperada solução dos problemas econômicos e sociais, apesar da maior participação de manufaturados no produto e pauta de exportações. Nessa nova perspectiva sobre a relação entre “atraso” e “modernidade”, a questão ambiental aparece como um dos possíveis eixos analíticos, e a “exclusão ambiental” deve ser entendida como uma manifestação análoga a das desigualdades econômicas e sociais no processo de desenvolvimento.

    Trataremos também a centralidade do conceito de trabalho para a construção do conjunto da reflexão de Karl Marx acerca do capitalismo. Diferentemente da obra Ricardiana onde ocorre uma derivação do trabalho a partir dos valores de troca, Marx deriva o valor como fruto de uma sociabilidade especifica determinada pelas relações de trabalho. Estas, além de significarem um ponto de partida seguro para a teoria do valor, fundamentam ainda uma teoria objetiva da alienação e do processo de socialização dos homens. Sugerimos, então, a partir da ontologia do trabalho uma dada hierarquia entre categorias e conceitos para melhor compreensão do capital, compreensão esta que retoma a objetivação do trabalho abstrato como concretização de uma lógica contraditória só perceptível através do esforço materialista dialético aplicado a história.
    Essa, por sua vez trata do vir a ser do homem, que não implica numa leitura humanista da história, mas o contrário uma leitura histórica do homem.

    Por fim, o objetivo geral do trabalho é procurar analisar a transição do projeto nacional desenvolvimentismo para o projeto econômico neoliberal. Contudo, esta transição seria analisada da perspectiva da burguesia nacional. Enfim, busca-se identificar quais os incentivos ou motivações teriam a burguesia nacional para aderir ao receituário neoliberal.
    A análise se centra inicialmente nos sinais econômicos que evidenciariam a desarticulação do projeto nacional desenvolvimentista. Em seguida, identifica-se três motivações que poderiam explicar a adesão por parte de nossa burguesia, a agenda econômica neoliberal, entre motivos, estão: a abertura de novas oportunidades de valorização, a possibilidade de aprofundar a associação externa e, por fim, a possibilidade de intensificar a modernização de seus padrões de consumo.

  9. Acho que tem um aspecto que é, no mínimo, preocupante… mais fiscais para quê, senão para “recolher” mais para os cofres públicos, ou seja, retirar mais dinheiro da economia, lembremos que – certamente o alvo “dessa gente”, hoje no governo (do qual, é claro, não pretendem sair)-, a economia informal representaria um aumento no PIB substancial, imaginem a propaganda que “esse gente” não fará…

    Por outro lado, desde os tempos do Brasil colônia, os fiscais são postos cobiçados. Assim, o Estado serviria:

    1) Para pagar as despesas correntes, via salários em cargos comissionados, “dessa gente” que já deu mostras que não larga o osso, nem que seja para viver como “consultor de multinacional”… falando em multinacional, esse papo da diretoria da Cisco ter caído assim, de hora para outra, não cheira mal?

    2) Arranjar empregos para mais centenas de milhares de apaniguados, somando-se assim aos 25 mil comissionados + 11 milhões de famílias em bolsa-miséria.

    Obviamente, temos aí um mecanismo pujante de distribuição de renda, imaginem quantas TVs de plasma os 25 mil comissionados não vão poder comprar no final do ano, e quantos sacos de feijão (ainda que com caruncho) os bolsa-miséria não vão poder cozinhar.

    A pergunta que permanece, e sinto que ninguém ainda respondeu é: isso é sustentável? isso se sustenta economicamente?

    Até agora o que sabemos, de real e de concreto é que as classes A/B tiveram um aumento de renda 300% superior ao das classe D/E.

    As 4 operações não precisam ser feitas: elas são sentidas no bolso.

  10. Dizem q há um vigoroso paper da primeira fase da obra de (Sic)sú no qual ele recomenda o uso de capitalização simples p conter a escalada inflacionária que perturbava nossa economia.

  11. Não estou surpreso com as asneiras do Sicsú. Foi um dos piores professores que tive no curso de economia da UFRJ (e a concorrência é grande). Claramente não tinha conhecimento da matéria, chegando inclusive a publicar gabaritos errados para as provas.

    A única coisa que fez o curso valer a pena foi o tombo histórico que ele levou quando estava balançando em sua cadeira durante uma prova.

    Conhecendo a pessoa eu digo sem dúvida; é um fanfarrão.

  12. Lendo o excelente livro de textos selecionados do prof. Simonsen, deparei-me com uma definição interessante e q vai na linha do título deste artigo: os defensores do Estado-pode-tudo são aqueles sensíveis inconsequentes q não têm a censura aritmética. O mais deletério é q os valentões do Ipea levam isso ao paroxismo.

  13. Sicsú, este incompreendido. Homem tímido, não quis mostrar todo o arrojo de sua proposta e acabou vítima do deboche. Seus cálculos foram precisos – ao contrário do q pregam os ortodoxos maus, feios e chatos: ele pegou os dados do IBGE e viu q a população desocupada nas RMs é de…..2 milhões de pessoas. Homem bom, pensou. Contrato a rapaziada e mato dois coelhos numa “caixa d’agua só”. Acabo com o desemprego nas RMs e melhoro os serviços públicos!!

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