Só acaba quando termina. Por Alexandre Schwartsman

SÓ ACABA QUANDO TERMINA

 ALEXANDRE SCHWARTSMAN

A análise dos cenários para a inflação divulgados pelo BC sugere haver condições para redução da Selic até 4% ao ano. Para que isto se materialize, porém, o BC precisa dirimir dúvidas sobre a potência da política monetária.

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM INFOMONEY, 25 DE DEZEMBRO DE 2019

O Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação na semana passada, detalhando o raciocínio por trás das decisões de política monetária e, crucialmente, incluindo suas projeções de inflação até o final de 2022. Tais previsões são construídas com base em quatro cenários no que diz respeito à evolução da Selic e da taxa de câmbio e, além de balizarem as escolhas do BC, também contêm informações relevantes para os analistas, em particular o espaço disponível para a redução adicional da taxa de juros, que poderia, a princípio, cair para 4% ao ano.

Para entender isto, consideremos inicialmente as premissas que embasam cada cenário contemplado pelo BC. O primeiro deles se pergunta o que ocorreria com a inflação caso a tanto a Selic quanto a taxa de câmbio ficassem constantes daqui até o Juízo Final (ou quando o Palmeiras finalmente ganhar um mundial, o que vier primeiro, se bem que o Juízo Final é favorito), respectivamente em 5% ao ano (o nível que prevalecia antes da última reunião do Copom) e R$ 4,20/US$ (a média na semana que antecedeu o Copom).

Premissas

Dez-19 Dez-20 Dez-21 Dez-22
R$/US$ 4,15 4,10 4,00 4,00
% no ano (1,2) (2,4) (2,4) 0,0
Selic 4,50 4,50 6,25 6,50
Pontos base (50) (50) 125 150

O segundo cenário projeta a inflação sob a suposição que tanto a Selic quanto a taxa de câmbio sigam as trajetórias esperadas pelos economistas que contribuem para a pesquisa Focus. A tabela acima resume a evolução esperada de ambas as variáveis, em particular sugerindo que a Selic, já reduzida para 4,5% ao ano na semana passada, se encontraria no mesmo patamar ao final do ano que vem, mas com redução para 4,25% entre fevereiro e agosto de 2020.

Projeções de inflação

Cenário 4Q19 1Q20 2Q20 3Q20 4Q20 1Q21 2Q21 3Q21 4Q21 1Q22 2Q22 3Q22 4Q22
(1) Selic e câmbio constantes 4,0 3,8 3,7 3,8 3,6 3,3 3,4 3,7 3,7 3,8 3,8 3,9 3,9
(2) Selic e câmbio de mercado 4,0 3,7 3,7 3,8 3,5 3,2 3,3 3,5 3,4 3,4 3,4 3,4 3,4
(3) Selic de mercado 4,0 3,8 3,8 3,9 3,7 3,4 3,5 3,7 3,7 3,7 3,6 3,6 3,5
(4) Câmbio de mercado 4,0 3,7 3,6 3,7 3,4 3,1 3,2 3,4 3,4 3,5 3,6 3,7 3,8
Efeito da Selic (3) – (1) 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 (0,1) (0,2) (0,3) (0,4)
Efeito do câmbio (4) – (1) 0,0 (0,1) (0,1) (0,1) (0,2) (0,2) (0,2) (0,3) (0,3) (0,3) (0,2) (0,2) (0,1)
Efeito combinado (2) – (1) 0,0 (0,1) 0,0 0,0 (0,1) (0,1) (0,1) (0,2) (0,3) (0,4) (0,4) (0,5) (0,5)

O terceiro cenário é uma mistura: considera a trajetória da Selic embutida na primeira tabela, mas mantém a taxa de câmbio “congelada” a R$ 4,20/US$. O último cenário é também híbrido, mas, no caso, “congela” a Selic a 5% ao ano e permite que a taxa de câmbio siga as previsões dos analistas.

A primeira conclusão importante da tabela diz respeito à inflação projetada para 2020 e 2021: em todos os cenários a inflação se encontra abaixo da meta para aqueles anos (4,00% e 3,75%), embora no caso de 2021 a diferença seja muito pequena nos dois cenários que mantêm a taxa de câmbio parada em R$ 4,20/US$. Tomadas ao pé da letra, tais previsões sugerem que a taxa de juros pode continuar caindo. Mas quanto?

O efeito da taxa Selic sobre a inflação nos modelos do BC pode ser inferido pela diferença entre o cenário (3) e o cenário (1): em ambos os casos a trajetória da taxa de câmbio é a mesma (parada em R$ 4,20/US$), logo a diferença na projeção de inflação só pode se originar da diferença na trajetória da taxa Selic. Em 2020 a diferença na projeção de inflação atinge 0,1% e em 2022 chega a 0,4%.

No cenário (3) a taxa Selic fecha 2020 em 4,50%, 50 pontos base abaixo da considerada no cenário (1), 5,00%, e passa seis meses 75 pontos base abaixo deste nível (de fevereiro a agosto, como notado acima), atingindo 6,25% no final de 2021, 125 pontos base acima da taxa de juros que prevalecia até a semana passada. É possível, portanto, concluir que o efeito de um aumento de 1% na taxa Selic, tudo o mais constante, reduza a inflação em algo como 0,2-0,3% (e vice-versa).

Já a comparação entre o cenário (4) e o cenário (1) isola o efeito da taxa de câmbio sobre a inflação, visto que a trajetória da Selic é a mesma em ambos. Fazendo um exercício similar ao exposto no parágrafo anterior podemos inferir que o efeito da desvalorização de 1% do real frente ao dólar eleva a inflação em algo como 0,08-0,09% no horizonte relevante.

Mantendo, pois, a interpretação literal das projeções do Copom para a inflação, considerando que no cenário (2) a inflação se encontra 0,5% abaixo da meta para 2020 (3,5% versus 4,0%) e 0,35% abaixo da meta para 2021 (3,4% versus 3,75%), haveria espaço para o BC reduzir a Selic para 4% ao ano e, ainda assim, se manter alinhado à trajetória de metas.

Há, porém, mais coisas entre o céu e a terra do que os modelos conseguem capturar, fatores que o BC inclui em seu chamado “balanço de riscos”. São fenômenos que puxam a inflação acima ou abaixo do indicado pelas previsões do modelo, mas que, seja por sua natureza recente, seja por limitações dos dados, não podem ser devidamente incorporados a ele.

Em sua comunicação o BC enfatizou desenvolvimentos nos mercados de crédito e de capitais que podem aumentar a potência da política monetária. Neste caso, o impacto sobre a inflação de uma redução adicional da Selic seria maior do que os 0,2-0,3% hoje implicado pelos modelos. Não é por outro motivo que o último parágrafo da ata do Copom abre com “O Copom entende que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela na condução de política monetária”.

Dado, porém, que a próxima decisão sobre a Selic só ocorrerá em fevereiro, creio haver tempo suficiente para dirimir boa parte das dúvidas do comitê acerca do impacto da redução adicional da taxa de juros sobre a inflação. Estamos perto do fim do longo ciclo de afrouxamento monetário, mas parece ainda haver espaço para que a Selic ainda caia sem prejuízo para o controle da inflação.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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