Vem aí o Sete de Setembro. Por José Horta Manzano

… a lição cai bem para nosso Dia da Pátria. Quem decide é a urna. Como não dá pra votar todos os dias, as pesquisas fazem as vezes. Todas elas são claras e mostram de que lado está a maioria no Brasil. Então, o que é que fazemos? Deixamos vencer os que berram mais alto?…

Já faz semanas que os franceses são obrigados a apresentar um “pass sanitaire” (passaporte vacinal) para entrar em bares, restaurantes, teatros, salas de concerto, museus e outros lugares públicos. Para obter o documento, é preciso dar prova de estar vacinado contra a covid ou de ter contraído a doença e estar curado. Há também raros casos em que, por razões médicas, o cidadão não pode tomar a vacina.

Desde que a obrigação foi anunciada, os franceses estão praticando um de seus esportes preferidos: a tradicional passeata do sábado à tarde. O ambiente costuma ser familiar, com muitos carregando faixas e cartazes, e outros escandindo slogans. Exigem que lhes seja devolvida a liberdade de ir e vir, de entrar onde quiserem, sem ter de tomar essa vacina que consideram imposição de um governo tirânico.

Eu estava ouvindo hoje a fala do dirigente de uma região do país, a quem tinha sido perguntado o que gostaria de dizer a esses manifestantes que, sábado sim, outro também, saem às ruas pra reclamar. Sua explicação me pareceu cheia de bom senso. Aponto aqui os pontos principais.

Viver em sociedade implica aceitar abrir mão de certos direitos individuais em prol do bem coletivo. Todo adulto tem direito de se embriagar, à condição de depois renunciar a dirigir. É, sem dúvida, uma restrição ao direito de ir e vir, mas é imposta para proteger a maioria.

Com a vacina, dá-se o mesmo. A vacinação individual serve para proteger a sociedade como um todo. Na região administrada pela autoridade que citei, 7 mil manifestantes têm saído em passeata toda semana. Enquanto isso, entre 40 mil e 50 mil cidadãos têm se apresentado toda semana para a vacinação. Esses que tomam a vacina, embora quietos, sem faixa e sem slogans, também estão se manifestando!

Isso é democracia. Apesar de barulhenta, a minoria não pode impor sua vontade à maioria. O passaporte sanitário não foi inventado pelo capricho de uma autoridade qualquer; é fruto de decisão dos eleitos do povo – é a lei. No dia em que a minoria impuser sua vontade no grito, já teremos deixado de viver em democracia.

Acho que a lição cai bem para nosso Dia da Pátria. Quem decide é a urna. Como não dá pra votar todos os dias, as pesquisas fazem as vezes. Todas elas são claras e mostram de que lado está a maioria no Brasil.

Então, o que é que fazemos? Deixamos vencer os que berram mais alto?

 

Observação

Repare que, em países mais adiantados, não viria à cabeça de ninguém sair em “carreata” ou “motociclata”. Vai-se a pé, sem pensar duas vezes. A divisão da sociedade em classes superiores e inferiores é especialidade nacional. E é tão arraigada no Brasil – em especial entre devotos do capitão – que a tradicional passeata, em que todos se igualavam ao pisar o asfalto, transformou-se em “moto-carreata”.

Na cabecinha dos “moto-carreateiros”, esse comportamento apresenta duas vantagens. Por um lado, têm a impressão de que a lataria protege sua frágil pessoa contra a plebe ignorante. Por outro, mostram a todos que possuem veículo potente, o que significa que são importantes e ricos.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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2 thoughts on “Vem aí o Sete de Setembro. Por José Horta Manzano

  1. Há o cara de Ray-Ban americano – e a ‘perua’ a seu lado, que errou a mão na meleca que usa pra cobrir os buracos que a catapora deixou na sua cara feia 40 anos atrás – no carrão importado, normalmente blindado, que desfila a riqueza buzinando pela redenção do capitalismo mais selvagem que o capitão promete realizar – e, de fato, realiza, tendo prometido ou não, com Paulo Guedes ou sem ele. Há o motociclista paramentado em couro do mais caro que desfila sua BMW de duas rodas enquanto observa, com um sorriso invisível (oculto pelo capacete de titânio projetado pela NASA), a gente normal de classe média-média que baba de inveja e murmura pra si mesma: ‘putz, eu também queria ser bolsonarista’… E há os outros, nós mesmos, que só queremos um pouco de paz de espírito, vida civilizada, um país funcionando. Nada demais. Mas é exatamente o nosso mundo que eles destroem, é a nossa paz que eles destroem, é o nosso país que eles destroem. Às vezes, fico me perguntando por que esses caras não vão para um lugar só deles, onde só eles possam estar, para que se contemplem a si mesmos, e apenas a si mesmos e suas crueldades e riquezas, e vivam felizes para sempre – longe de nós, que também viveremos melhor assim, muito melhor assim. Por quê? A resposta é fácil: porque precisam de nós! Porque, sem nós, que país eles teriam para parasitar, sugar até a última gota? Em que país desregrado, desregulamentado, destrambelhado, eles poderiam reinar? Que país mais eles poderiam sujar? Nenhum outro. O Brasil atual é deles. Cabe a nós, no ano que vem, recomeçar o lento processo de retomar nossa terra e nela fazer um país de verdade.

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