clube da paz

…O Brasil está encarapitado no muro porque precisa de fertilizantes russos e também porque seu presidente tem a ilusão de resolver o problema no tapetão e candidatar-se ao Nobel da Paz. Quanto à China, está aproveitando a ocasião para atrair a empobrecida Rússia para sua órbita e transformá-la em país quase-súdito…
clube da paz

Faz séculos que a Rússia é uma potência imperial. Ao longo do tempo, agiu como a coroa portuguesa em terras brasileiras: foi, aos poucos, se apossando de regiões extensas e pouco povoadas. O Brasil se expandiu para o Oeste, especialmente na Amazônia; a Rússia se espichou para o Leste, pela Sibéria, até chegar às vizinhanças do Japão e da Coreia.

O desmanche da União Soviética, no início dos anos 1990, permitiu que uma dezena de países vassalos encontrassem o caminho da independência. Esse movimento pôs fim à guerra fria e o mundo imaginou que o risco de conflito mundial tinha desaparecido para sempre.

No entanto, a Rússia – país que nunca conheceu regime democrático – assistiu à ascensão de novo ditador, um antigo pequeno funcionário, de métodos mafiosos mas imensamente ambicioso. Vladímir Putin, é dele que estamos falando. Nos primeiros anos em que comandou o país, o mundo não se deu conta de que ele tinha o objetivo de recuperar territórios perdidos e restabelecer o esplendor da Rússia imperial.

Foi só em 2014, quando invadiu e se apossou da região ucraniana chamada Crimeia, que o planeta de repente se deu conta de que o risco de conflito mundial voltava a ser real. A partir desse momento, a Rússia foi objeto de sanções leves, que não entravaram o funcionamento do país.

Mas o que Putin queria mesmo era a Ucrânia inteira. Declarou que a Ucrânia não existia, que era apenas uma criação do espírito, um país inventado que não passava de um pedaço da própria Rússia e que era governado por um bando de nazistas degenerados. Foi com esse estado de espírito que invadiu o país a fim de anexá-lo.

Agora vamos refletir juntos. Vamos lembrar que o Uruguai já foi uma província do Brasil, no começo do século 19, logo depois do Grito do Ipiranga. Foi só durante três anos, depois nosso vizinho ficou independente. Agora imaginemos que um ditador aboletado em Brasília declarasse que o Uruguai é uma ficção, que não existe, que aquele território é parte do Brasil. E que mandasse soldados, tanques e metralhadoras para tomar o país à força. Dá pra imaginar? Pois foi o que aconteceu com a infeliz Ucrânia.

Da noite para o dia, começou uma chuva de bombas e mísseis aniquilando prédios de habitação, pontes, aeroportos, hospitais, creches, escolas. Sem falar dos campos de lavoura, contaminados de minas e bombas não explodidas que ainda vão matar gente daqui a cem anos. Como reagiria o mundo?

Se o Brasil invadisse o Uruguai, o mundo civilizado certamente se posicionaria em defesa do país soberano invadido. Pesadas sanções econômicas seriam aplicadas com o objetivo de prejudicar o funcionamento de nosso país.

É o que aconteceu na sequência da invasão russa. O chamado “Ocidente” (Europa, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Japão) uniu esforços para amparar o país invadido. Por motivos que dizem respeito a cada um deles, outros países preferiram abster-se, ou seja, ficaram em cima do muro. Esses motivos podem ser de ordem comercial ou política. Ou ambos.

O Brasil está encarapitado no muro porque precisa de fertilizantes russos e também porque seu presidente tem a ilusão de resolver o problema no tapetão e candidatar-se ao Nobel da Paz. Quanto à China, está aproveitando a ocasião para atrair a empobrecida Rússia para sua órbita e transformá-la em país quase-súdito.

Um Lula assoberbado com os conchavos de Brasília delegou a seu assessor Celso Amorim a missão de levar adiante a ideia do Plano de Paz para acabar com a guerra. Amorim voltou estes dias de uma viagem a Moscou, onde foi recebido por Putin em pessoa, com direito a sentar-se àquela folclórica mesa de 5 metros. Em grandes linhas, apresentou sua ideia ao ditador russo, que se mostrou interessado. Ficaram de se reunir de novo.

Mas um conflito tem dois lados. Cumprida a missão do lado russo, Amorim dirigiu-se a Kiev para falar com a outra parte. Parece lógico, não é? Pois não é verdade, não foi o que aconteceu. Apesar de o presidente ucraniano já ter convidado Lula, ao vivo, para visitar seu país, Amorim se fez de desentendido e ignorou a Ucrânia.

Agora, vamos voltar a nosso terrível exemplo. Suponhamos que o Brasil tenha invadido o Uruguai e continue a martirizar seu povo. Imaginemos também um mensageiro estrangeiro que, a pretexto de pregar a paz entre os que estão em guerra, visitasse somente Brasília, deixando Montevidéu de lado. Falar com uma parte e ignorar a outra. Pode?

Pois foi o que o emissário de Lula fez. Conversou com o agressor e não quis se encontrar com o agredido. É humilhante para a própria Ucrânia, que se sente tutelada por potências estrangeiras, que discutem seu destino sem consultá-la. Curiosa concepção de mediação, essa do governo brasileiro, não?

Que Lula goste ou deixe de gostar, não há muito que conversar para acabar com essa guerra. A condição indispensável para permitir qualquer início de negociação é que a Rússia se retire do território da Ucrânia. Os invadidos não vão sossegar enquanto não expulsarem o derradeiro soldado russo. Afinal, estão defendendo a própria pátria. Antes disso, não faz sentido negociar. Negociar o quê? A entrega ao inimigo de parte do território nacional?

Lula não consegue (ou não quer) entender isso. Talvez esteja sendo empurrado por seu antiamericanismo primário. Talvez ignore a história recente dos países da Europa Oriental. Ou talvez esteja realmente sonhando com o Nobel.

Lula, o caminho não é esse! Chegou a hora de uma correção de rota.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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