flor do lácio

...Última Flor do Lácio, inculta e bela... (Olavo Bilac)

A última flor do Lácio. Por Antonio Contente

A última flor do Lácio

         A um gabinete presidencial, como se sabe, chegam muitas cartas, mesmo agora quando elas estão quase em extinção. E, como ocorre em qualquer administração, tais mensagens dificilmente sequer roçam as mãos do chefe do Governo — há uma equipe de assessores que faz a triagem e responde o que é para ser respondido. Aconteceu, porém, que, dia desses, uma singela cartinha, postada em São Carlos do Pinhal, despencou sobre a mesa do Lula. Sabe-se lá pôr que cargas d’água ele, que nunca leu nem o “Almanaque do Biotônico Fontoura”, quanto mais Olavo Bilac, abriu a missiva. Na qual estava escrito o seguinte: “Gostaria imensamente de saber qual a razão de Vossa Excelência não cultivar a última flor do Lácio, inculta e bela”. Ele então apertou um botão e logo plantou-se à sua frente o chefe do Gabinete.

         — O companheiro acaso sabe – perguntou – se há, em Brasília, a flor do Lácio?

         Primeiro o auxiliar pensou um pouco. Depois respondeu:

         — Vou fazer investigação a mais completa possível. Logo lhe comunico.

         Na realidade o próprio ministro possuía alguns livros sobre jardinagem. Como não encontrou nada, ligou para uma amiga:

         — Na sua casa, no seu imenso jardim, existe a flor do Lácio?

         — Olha, pra te dizer a verdade nós temos girassol, rosas, hibiscos até agapanto. Mas essa flor do Lácio não temos não.

         Foi então que o homem resolveu deixar a coisa de lado, certa de que o chefão esqueceria. Só que ele cobrou.

         — Já comecei as minhas consultas, companheiro presidente, mas até agora nada.

         — Sabe?, companheiro, acho que você terá que consultar a Embrapa.

         — Perfeito, esse pessoal da Embrapa sabe tudo sobre agricultura.

         Daí um assessor especial foi mandado à sede do organismo. Onde atirou-se sobre o primeiro agrônomo que encontrou.

         — Doutor, o senhor precisa descobrir algo sobre o cultivo da flor do Lácio.

         — Hum, hum – o cara suspirou – flor do Lácio? Quem quer saber isso?

         — O presidente em pessoa, meu caro. Mexa-se.

         Ao sair, largou a observação:

         — Mais tarde ligo para saber.

         O tal funcionário da Embrapa, na verdade, não perdeu tempo. Correu à biblioteca da repartição e, após virar páginas e páginas sem encontrar nada, debruçou-se sobre a mesa de um colega:

         — Você sabe alguma coisa sobre o cultivo da flor do Lácio?

         — Flor do Lácio… Flor do Lácio… Na verdade tô meio pôr fora.

         — Quem quer saber é o presidente.

         — Da Embrapa?

         — Não, sua besta, o presidente da República.

         — E se a gente consultasse o pessoal do Incra? Eles mexem com esse negócio de terras, MST, devem saber.

         Só que no Incra também não sabiam de nada. Assim, no terceiro dia, quando Lula tornou a cobrar, o auxiliar foi taxativo:

         — Nada, companheiro presidente; trata-se, pelo jeito, de um vegetal exótico.

         — Tudo bem. Então você responde ao eleitor de São Carlos do Pinhal que aqui em Brasília não medra a flor do Lácio.

         Daí pegou o telefone para bater mais um papo com o presidente venezuelano Nicolas Maduro Moros. Sem que neste último sobrenome suspire alguma longínqua ironia…

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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2 thoughts on “A última flor do Lácio. Por Antonio Contente

  1. Simplesmente sensacional. Fez-me rir muito.
    Só me deixou uma dúvida : os aliados do presente vão considerar que a culpa desse desconhecimento a respeito da Última Flor do Lácuo é do Olavo Bilac ou do Bolsonaro ?

  2. Genial e criativo o seu conto, meu Querido Amigo e Inspiradíssimo, Virtuoso e Talentoso Cultor da Última Flor do Lácio, à altura da grandeza do soneto “Língua Portuguesa” do Poeta, Jornalista e também Contista Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), fundador da Academia Brasileira de Letras,se constituindo o paraninfo da Cadeira número 15 e o primeiro laureado com o Título de “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, além de, entre inúmeras outras obras, autor do nosso Hino à Bandeira.

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