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Jerusalém. Por Raquel Naveira

… O poeta reconhece que Jerusalém é uma “grande bomba-relógio”, cheia de estilhaços, de pedaços das Tábuas da Lei, de altares, de cruzes e cravos de crucificação enferrujados, de utensílios domésticos e sacros, de ossos, de sapatos, de óculos, de dentes, de latas vazias do veneno destruidor…

Mapas de Jerusalém - Israel | MapasBlog

Amigos mostram-me fotos de sua recente viagem a Jerusalém, a capital de Israel, a cidade santa e sagrada para cristãos, judeus e muçulmanos: as montanhas, o Mar Morto, a Igreja do Santo Sepulcro, a Tumba do Jardim, a Cúpula da Rocha, o Portão do Algodão, o Muro das Lamentações. Tudo tão belo, antigo, caiado, luzindo a ouro e lampiões.

Há muito tempo, li um dos épicos clássicos mais lindos da literatura universal: Jerusalém Libertada, do italiano Torquato Tasso, publicado em 1581. São vinte cantos narrando a Primeira Cruzada, onde os cavaleiros cristãos, liderados por Godofredo de Bulhão, combatem os muçulmanos a fim de levantar o cerco de Jerusalém. O poema tem essa base histórica, factual, elaborando o episódio ocorrido em 1099. Teve grande repercussão em sua época, pois o Império Turco Otomano estava se expandindo e representava uma ameaça de invasão para a Europa. Uma característica marcante da obra é o choque entre as emoções, os impulsos do coração e a necessidade de colocar o dever acima de tudo. Esse impasse atinge seu auge no amor infeliz entre Tancredo, um cristão e Clorinda, uma muçulmana guerreira. O livro é atual, cinematográfico, cheio de plasticidade, com cenas realistas de duelos, batalhas, cavalos, espadas, cabeças e membros voando. Momentos de sangue e confronto misturados com compaixão.

Agora, chega às minhas mãos, esse outro livro de poemas,  belo de doer: Terra e Paz, de Yehuda Amichai. Yehuda nasceu em 1924 na Alemanha, com o nome de Ludwig Pfeufer, em uma família judaica ortodoxa. Em 1935, perto da Segunda Guerra Mundial, migrou para a Palestina, onde, na maioridade, trocaria o nome para Yehuda Amichai, adotando assim uma identidade hebraica, que afastaria a lembrança dos sofrimentos e humilhações do passado. É considerado o poeta nacional de Israel. Morreu em 2000, em Jerusalém. Que rica produção poética! A cultura e a tradição judaicas ganham uma leitura renovada, misturada a temas da intimidade amorosa, da guerra e da paz.

É a partir de Jerusalém, sua cidade-mundo, umbigo do planeta, sua casa, que o poeta e professor revê a história, a matéria de sua escrita. Na sua poesia convivem o diálogo com o passado bíblico, cenas cotidianas e contemporâneas, erudição misturada com simplicidade. Ah! Como pulsa humana e divina Jerusalém em sua poesia: “No céu da Cidade Velha/ há uma pipa./ No fim da linha-/ um menino,/ que eu não vejo/ por causa da muralha.” Ainda contemplando a Cidade Velha: “Carpidores de dias santos nós somos, gravadores de nomes em qualquer pedra,/ infectados de esperança,/ reféns de governos e da história.” Refere-se aos turistas com ironia. Diz que eles “ficam sérios diante do Muro das Lamentações”, mas “dão risadas atrás das cortinas pesadas nos quartos de hotel”, fotografam-se com mortos importantes no Túmulo de Raquel e na Colina da Munição.

O poeta reconhece que Jerusalém é uma “grande bomba-relógio”, cheia de estilhaços, de pedaços das Tábuas da Lei, de altares, de cruzes e cravos de crucificação enferrujados, de utensílios domésticos e sacros, de ossos, de sapatos, de óculos, de dentes, de latas vazias do veneno destruidor.

A tradução de Moacir Amâncio é primorosa com explicações sobre os nomes hebraicos, os costumes, as festas de Pessach (Páscoa), Shavuot (Das Colheitas ou Primícias), Sucot (Cabanas), Chanucá (Luzes). Pairando no presente, as saudades do passado e do futuro.

Jerusalém, cidade destruída várias vezes, sitiada, minada, atacada, capturada, recapturada. É cidade dual, multifacetada, de onde, segundo os muçulmanos, Maomé fez sua viagem noturna de ascensão aos céus, contada no Alcorão. A Palestina reivindica partilha. Fogo cruzado. Ataques terroristas na Faixa de Gaza deixam centenas de mortos. Nesse conflito israelo-palestino há laços fortes de parentesco. Necessidade urgente de um Tratado de Paz.

Os Estados Unidos, em 2017, reconheceram Jerusalém como capital de Israel e anunciaram a transferência da embaixada para lá. O governo brasileiro, desejando aproximação com parcerias em tecnologia e segurança, numa guinada arriscada para o comércio brasileiro com os países árabes, visitou Israel.  Com cuidado, o Brasil, deve, ao mesmo tempo, dar as mãos a Israel e preservar sua neutralidade. Um jogo que exigirá tato e sabedoria de nossos diplomatas.

Jerusalém guarda um mistério apocalíptico. A Nova Jerusalém Celeste é revelação, profecia, anúncio do fim desde o começo. Será um lugar de alívio para os cansados e oprimidos por dores, injustiças e sofrimentos. Um lugar de alegria eterna. Um anjo medirá o quadrado da cidade, que será clara como vidro. Os portões serão de pérolas e as muralhas de jaspe e outras pedras preciosas. O único templo será o próprio Deus. A cidade não precisará de sol, nem de lua, nem de candelabros. As nações trarão seus tesouros. O rio da água da vida correrá na rua principal. “Tudo será bendito na Nova Jerusalém” é o que penso, enquanto sorrio para os amigos, que me trouxeram fotos de Jerusalém.

(O Hamas, um dos mais radicais grupos militantes palestinos, apoiado pelo Irã, recusa-se  a aceitar a existência de um Estado Judeu no Oriente Médio. O ataque do último sábado, 07 de outubro de 2023, coloca o mundo em estado de alerta)

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Raquel Naveira – Raquel Naveira – professora de literatura semiótica da Universidade Federal do Mato Grosso. Formou-se em Direito e Letras. Mestre em Comunicação e Letras. Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao PEN Clube do Brasil; diretora cultural da UBE (União Brasileira de Escritores) de São Paulo.

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