Nada de novo no front

Crédito - Filme Nada de novo no front (Divulgação)

Nada de novo no front. Por Paulo Renato Coelho Netto

Nada de novo… Na próxima tragédia brasileira anunciada que ocorrer, aplique a fórmula: irregularidades sobrepostas, falta de fiscalização, negligência, ambição, imprudência, violação de leis e normas básicas, desrespeito ao ser humano e, principalmente, certeza de impunidade…

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Nada de novo — tragédias se repetem

Noite de 31 de dezembro de 1988. Entre crianças, idosos, turistas e a tripulação, 142 pessoas embarcam no Bateau Mouche IV para assistir à tradicional queima de fogos na Praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro.

Pouco antes da meia-noite, às 23h50, a embarcação aderna e naufraga, após ser atingida por uma onda na Baía de Guanabara, entre a Ilha de Cotunduba e o Morro da Urca. Cinquenta e cinco pessoas morreram no local.

Investigações revelaram que a tragédia poderia ser evitada. Para começar, o Bateau Mouche IV não foi projetado para ser uma embarcação de turismo. Originalmente, era um lagosteiro fabricado na década de 1970, em Fortaleza, batizado de Kamaloka, para cerca de 20 pessoas. Foi modificado várias vezes.

No acidente, havia excesso de passageiros, furos no casco, mobiliários soltos, escotilhas abertas e coletes salva-vidas insuficientes para todos a bordo. Uma reforma no convés superior incluiu um piso de concreto e duas caixas d’água, somando quatro toneladas, o que comprometeu a estabilidade do barco de fundo chato, não apropriado para mar aberto. Para piorar, chovia e ventava.

Trinta e dois anos após o naufrágio, a tragédia, que se tornou um simples passeio turístico, serve como roteiro para outras tantas que aconteceram e acontecem no Brasil: irregularidades sobrepostas, falta de fiscalização, negligência, ambição, imprudência, violação de leis e normas básicas, desrespeito ao ser humano e, principalmente, certeza de impunidade.

Tragédias aqui mudam apenas o nome, o cenário e a quantidade de vítimas. Os elementos que contribuem para que aconteçam são parecidos, na essência.

O incêndio na Boate Kiss matou 242 pessoas e deixou centenas de feridos e traumatizados na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Jovens estudantes na maioria. Aconteceu no fim de janeiro de 2013 e foi provocado por uma série de imprudências, desde efeitos pirotécnicos proibidos em ambientes fechados, a falhas básicas de segurança, de saídas de emergência e fiscalização pelas autoridades.

Sobre a tragédia na Boate Kiss, basta somar os mesmos elementos para notar as semelhanças com o naufrágio do Bateau Mouche IV: irregularidades sobrepostas, falta de fiscalização, negligência, ambição, imprudência, violação de leis e normas básicas, desrespeito ao ser humano e, principalmente, certeza de impunidade.

Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, dez garotos morreram em um incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo. Eram atletas promissores da base de um dos times mais ricos e populares do país. As vítimas tinham entre 14 e 16 anos. O fogo destruiu contêineres improvisados que serviam de alojamento no Ninho do Urubu, Zona Oeste do Rio.

Processos se arrastam por anos, até serem prescritos. Parentes das  vítimas, muitas vezes, morrem deprimidos ou revoltados, décadas depois, por não serem atendidos no alienável direito de ver a justiça feita, para colocar na cadeia os responsáveis, além de serem indenizados pelas tragédias.

Todo ano, as chuvas cada vez mais fortes de verão causam alagamentos, quedas de árvores nas cidades e desmoronamento de morros, muitos dos quais ocupados com moradias irregulares. Famílias inteiras morrem soterradas, comunidades vão abaixo.

A tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, é apenas mais um exemplo. Deixou mais de duzentas pessoas mortas depois de um deslizamento de terra. As casas haviam sido construídas em uma área de risco, que abrigava um lixão, e, com a chuva, muitas foram destruídas ou soterradas, no dia 7 de abril de 2010.

Sempre que ocorre uma catástrofe neste país, logo em seguida, geralmente, começa o jogo de omissão e de empurra entre os envolvidos. Culpam até a chuva, se a causa for natural. Um joga para o outro a responsabilidade. Sabem que a Justiça é lenta e investem na procrastinação como método de escapar de suas responsabilidades.

Na próxima tragédia brasileira anunciada que ocorrer, aplique a fórmula: irregularidades sobrepostas, falta de fiscalização, negligência, ambição, imprudência, violação de leis e normas básicas, desrespeito ao ser humano e, principalmente, certeza de impunidade.

Trechos do capítulo
“Nada de novo no front. Hospitais lotados e entrando em colapso”,
do livro “2020 O Ano Que Não Existiu – A pandemia de verde e amarelo”

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paulo rena

Paulo Renato Coelho Netto –  é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”.

 

capa - livro Paulo Renato 

 

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