Uma chacina por semana. Por Lilia Frankenthal

Uma chacina por semana

Por Lilia Frankenthal

Punir e prender indiscriminadamente, não livra a sociedade da violência; os coloca em uma estufa do ódio, que germinará assim que ganharem a liberdade novamente.

Nos últimos dias o Brasil foi protagonista de cenas de barbárie no sistema prisional.

E fora dele também.

As redes sociais foram invadidas por comentários do tipo “bandido bom é bandido morto”.

Indignação pelo ocorrido dentro dos presídios. E indignação pelo ocorrido fora deles.

Se chegarmos ao ponto de perder a nossa característica humana, que nos diferencia dos selvagens, o que nos restará?

A Declaração do Secretário da Juventude de que ele desejaria uma chacina por semana foi ovacionada. E sua demissão gerou protestos.

Não, não podemos torcer para que coisas como essa aconteçam, como se fosse um show em uma antiga arena grega.

Quem acha que isso só afeta aos presidiários comete grande engano. O clima de ódio se dissemina além dos muros das prisões. A selvageria de quem não tem nada a perder. E a violência urbana se alimenta disso, ocasionando chacinas diárias no seio da sociedade.

Nem sempre o que é mais popular é o melhor para a sociedade.  E nem todos os que habitam os presídios deveriam realmente lá estar.

Sim, as prisões devem abrigar os que cometeram crimes, mas, no Brasil prende-se muito. Delitos pequenos, como furto, receptação, roubo, ou delitos maiores. Nem se pensa em reeducação ou em medidas que não sejam a prisão.

As pessoas, exaustas de tanta insegurança, aplaudem. Aplaudem a sua própria condenação ao caos urbano.

A maioria dos detentos aguarda longos meses, às vezes anos, pela verificação da legalidade de sua prisão e até mesmo de sua culpa. A condição financeira da maioria destes indivíduos não permite que contratem advogados particulares, e a defensoria pública faz o que pode diante do acúmulo diário de prisões.

Esta superlotação e os encarceramentos ilegais e desnecessários fornecem mão de obra farta para as organizações criminosas. Pequenos criminosos entram no sistema prisional  como aprendizes e saem diplomados. Tudo em nome de manter a ordem, prender provisoriamente para averiguação e posterior investigação.

Punir e prender indiscriminadamente, não livra a sociedade da violência; os coloca em uma estufa do ódio, que germinará assim que ganharem a liberdade novamente.

Sei bem que o sofrimento que alguns presos causaram à famílias que perderam seus entes queridos na guerra urbana não tem compensação. Mas nos entregamos à nossa própria selvageria, ao aplaudir  quando muitos são decapitados e esquartejados, nos colocando na mesma condição… só que estamos soltos.

A política do sistema prisional precisa ser revista. Urgentemente. Revisão esta que não deve se limitar a bonito palavrório e um belo projeto apresentado em Powerpoint. Necessário desafogar a superlotação dos presídios e deixar que permaneçam presos  somente os que realmente devem lá estar.

Certa feita, o caso de uma senhora que havia sido presa em flagrante por ter furtado duas bandejas de bife e 6 iogurtes em um supermercado. Seus filhos tinham fome. E ela estava presa. Aguardando.  E teria continuado aguardando por meses, até que chegasse a hora de ser dada atenção ao seu caso.

Urge que o Estado e a sociedade repensem o sistema. Melhor seria que pensassem em como evitar o crime, ou como recuperar o criminoso. Quantos estão presos sem necessidade? Muitos.

O Brasil não admite a prisão perpétua ou pena de morte (exceto em caso de guerra). Assim, os encarcerados de serão os libertos de amanhã. Jogá-los em uma jaula, sem nenhuma condição, é atiçar o engrandecimento de seu lado selvagem. Aprenderão o que é ser criminoso de verdade. Recrutados pelas organizações criminosas e terão seu futuro selado. E há os que nem deveriam estar lá, poderiam ser penalizados de outra forma, que não o encarceramento.

Parece que para o Estado e a sociedade nada disso importa. Vamos prender, e depois veremos o que fazer.

E, assim, vamos aumentando o ódio, o incitamento à violência e o número de criminosos diplomados. Depois, vamos soltá-los, porque assim manda a lei. Indivíduos cheios de ódio adentrarão as vidas de muitos cidadãos. E causarão tragédias.

A audiência de custódia é fundamental para que sejam encaminhados ao sistema prisional aqueles que realmente merecem.

Ora, na tragédia dos últimos dias, a defensoria pública conseguiu salvar pais que estavam presos por não pagamento de pensão alimentícia. Poderiam ter sido esquartejados, pois não pertenciam a nenhuma organização criminosa. Simplesmente porque estavam lá, habitando essa panela de pressão chamada presídio.

E mais, medida impopular, porém necessária, seria deixar preso somente quem realmente deve lá ficar, com a existência de um programa de  ressocialização dos encarcerados para que voltem de modo adequado ao convívio social. Suas jaulas serão abertas e terão que conviver com tudo que aprenderam a odiar enquanto permaneciam presos. Poderão, sim, destilar seu ódio contra quem os colocou no inferno : a sociedade.

Sei bem que o sofrimento que alguns presos causaram à famílias que perderam seus entes queridos na guerra urbana não tem compensação. Mas nos entregamos à nossa própria selvageria, ao aplaudir  quando muitos são decapitados e esquartejados, nos colocando na mesma condição… só que estamos soltos.

E mais, muitos não se dão conta, mas estão aplaudindo o temeroso fato de ter ficado patente que o Estado não controla as prisões. Quem manda são eles, os criminosos. E a sociedade se regozija com isso, sem entender o alcance que o fato tem para a vida cotidiana de todos os cidadãos. A sociedade está cega pelo desejo de vingança. Ergamos, então, arenas gregas, e soltemos todos aos leões !!

Acompanhei, há anos, o resultado de presos que cumpriam pena nas APAC´s. Estas eram prisões que cumpriam sua função social. Havia uma real preocupação com a reeducação dos indivíduos. O índice de reincidência daqueles que eram colocados de volta ao convívio da sociedade era de 8%.

Há que se pensar em uma verdadeira política de ressocialização, já que, hora ou outra, aqueles que cometem delitos voltarão ao convívio social. As cadeias devem deixar de ser jaulas aonde se jogam animais selvagens para cumprir sua função principal : a de reeducar. A mentalidade do encarceramento como único castigo para todo e qualquer delito, grande ou pequeno, tem que ser revista. As prisões provisórias têm de ser limitadas à extrema necessidade de sua decretação, buscando assim reduzir a superpopulação carcerária e mantendo afastado desse sistema quem nunca deveria ter entrado lá, e, ainda, com maior possibilidade de fazer com que o encarceramento de quem realmente merece cumpra o seu papel, o de reeducar e ressocializar.

Não se justifica a atitude de alguém que furta uma residência ou mata um pai de família. Mas colocar todos em um mesmo patamar de só faz com que cada dia mais o ódio destes indivíduos seja companheiro da sociedade.

Chocante o fato dos cidadãos de bem aplaudirem uma chacina, facilitada pelo fato das prisões estarem superlotadas pela falta de um sistema de execução penal adequado.

Os presídios devem ser,  de fato, comandados  e controlados pelo Estado o que só será possível se quem estiver preso realmente mereça estar, evitando assim a superpopulação que tanto satisfaz as organizações criminosas, pela facilidade de recrutamento de novos “soldados” e, também, se a função social do encarceramento for levada a cabo, com um sério e firme programa de reeducação, combatendo-se assim a reincidência.

Vamos endossar o desejo de uma chacina por semana, ou vamos entender que esta opção coloca a todos em um caminho de ódio que não terá volta. E que só a sociedade tem a perder com isso.

Mantenhamos nossa condição de humanos.

Para que haja paz. Para que haja justiça na verdadeira acepção da palavra.

E para que toda a sociedade esteja segura.

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A imagem pode conter: 1 pessoa, sentado e área internaLilia Frankenthal – é advogada

lilia@frankenthal.adv.br

3 thoughts on “Uma chacina por semana. Por Lilia Frankenthal

  1. Parabéns pela perfeita análise, Lilia Frankenthal. Destacaria que, além de fornecer mão de obra barata para as organizações criminosas, os presos são também uma ótima fonte de renda para essas organizações, agentes prisionais, advogados. Porque o preso paga para não ser estuprado, para conseguir dormir um pouco, para se alimentar e vestir, ir ao médico, etc. A família, do lado de fora, também fica endividada. Muitos presos devem tanto que aproveitam a liberdade temporária de determinadas datas, como dia dos pais, e saem praticando furtos e tráfico, para auferir algum dinheiro. E as pessoas que aplaudem os assassinos e decapitadores, achando que eles estão matando criminosos terríveis, estão na realidade aplaudindo e fortalecendo os piores que matam os mais fracos.

  2. O problema principal do país é a impunidade e a advogada (sempre eles…) vem propor aumentá-la…quem disse que a função da prisão é reeducar? Eu tenho idade suficiente para ter vivido em um Brasil em que havia respeito às leis, não por educação, mas por medo da punição, que era quase certa. Mas hoje, tem a lei da palmada, tem o politicamente correto, os “direitos humanos”…

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