Balanço de um ano complicado. Por Ives Gandra da Silva Martins

Balanço de um ano complicado

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O presidente da República, para fazer reformas necessárias e implodir a esclerosada máquina administrativa inchada na administração lulo-petista, foi obrigado a dialogar com sua base de apoio, contaminada em parte por males muito semelhantes aos que atingiram os atores do governo anterior…

ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 23 DE DEZEMBRO DE 2016

 O ano de 2016 não deixará saudades. Os brasileiros foram constantemente surpreendidos por notícias negativas. A imprevisibilidade dos acontecimentos afetou investidores, já reticentes pela equivocada política dos presidentes anteriores, que não perceberam ser impossível promover uma efetiva ação social se as empresas não gerarem empregos e tributos.

Um modelo apenas distributivista não alavanca o desenvolvimento e esgota-se rapidamente. Foi o que houve no país.

Alguns ingredientes deletérios foram acrescentados, como a avassaladora corrupção dos governantes e a desilusão dos jovens -estes cada vez mais procuram se acomodar em concursos públicos, desistindo de disputar um lugar ao sol na sociedade não governamental.

A adiposidade da máquina pública tornou o cidadão sujeito a um sem número de obrigações e documentos para provar que existe e que tem condições de atuar profissionalmente, com o que a carga tributária subiu a patamares insuportáveis para um país emergente.

O sucesso da Operação Lava Jato, que teve merecidamente o apoio da população, levou o Ministério Público a considerar-se um superpoder da República, propondo dez medidas contra a corrupção, muitas delas de nítido conteúdo ditatorial -como a redução do direito de defesa, que fere um instrumento essencial de uma democracia.

O Supremo Tribunal Federal decidiu abandonar suas funções exclusivamente jurisdicionais, em que os excelentes 11 ministros que o integram são eficientes -tenho admiração quase mística por eles, enquanto aplicadores do direito-, para transformar-se em protagonista político, maculando o artigo 53 § 3º da Constituição ao afastar o presidente da Câmara de suas funções e o presidente do Senado da linha sucessória.

Tais medidas, a teor da Constituição, só o Legislativo poderia tomar. Outro exemplo foi ter imposto um regulamento interno para a Casa Alta, no processo de impeachment, deixando o país praticamente sem Presidência, no período compreendido entre a decisão da Câmara e a do Senado. Dilma Rousseff já não governava e Michel Temer não era sequer presidente interino.

Há ainda o recente episódio de exigir nova votação, por deliberação de um só ministro do STF, para uma casa eleita por mais de 100 milhões de brasileiros.

O presidente da República, para fazer reformas necessárias e implodir a esclerosada máquina administrativa inchada na administração lulo-petista, foi obrigado a dialogar com sua base de apoio, contaminada em parte por males muito semelhantes aos que atingiram os atores do governo anterior, com o que a troca de ministros tornou-se constante e está levando a um grande custo político e ao desgaste da imagem do governo, à frente das imprescindíveis mudanças de que o país precisa.

O povo tem ido às ruas para discutir temas complexos apenas com “slogans”, muitas vezes insuflado por agentes populistas, que desejam aproveitar a instabilidade atual para defender ideias que vão de uma ditadura castrista até a intervenção militar.

 

Neste quadro, com alta recessão, desemprego, insuficiência de tributos para sustentar a amorfa máquina administrativa -apesar da indecente carga tributária, dólar elevado e instável e juros desproporcionais-, o empreendedorismo sente-se reticente. A sociedade aguarda com apreensão 2017.

Aos 81 anos, apesar de tudo, continuo um otimista. Acredito que sairemos desta crise, como já saímos de outras. O Brasil é como o besouro que, segundo os físicos, não poderia voar, pelo tamanho de suas asas e o peso de seu corpo, mas, como o besouro não entende de física, ele voa. Assim também o Brasil.

Apesar do peso de seu corpo burocrático e das pequenas asas dos poucos que sabem como tirar o Brasil da recessão, superaremos todas as dificuldades. É certo que a Federação não cabe no PIB, mas o país é maior que a crise.

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ives-gandraIves Gandra da Silva Martins**Professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e Unifmu, do CIEE/’O Estado de S. Paulo, da Eceme, da ESG e da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª região

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