Mulher é tudo de bom. Por Marli Gonçalves

Mulher é tudo de bom

Marli Gonçalves

Eu sei que você já sabia disso. Todo mundo sabe ou deveria saber porque sempre tem uma por perto. Mas de vez em quando – ou melhor, sempre – é bem bom relembrar o fato pisando com o saltinho agulha, sambando com toda a ginga nas cabeças e corações dos que ainda não se deram conta da plenitude desse significado: mulher é tudo de bom. Não adianta bater, sufocar, espezinhar, humilhar, discriminar, matar: isso cada vez nos fará mais fortes. Vingamos umas às outras, tanto aqui na Terra quanto no Céu.

Falo com conhecimento de causa, sim, senhores. Não faz muito tempo que conseguimos sair por aí para dizer tudo isso bem na lata de quem teima em não reconhecer a extrema e diferenciada força das mulheres. Inclusive outras mulheres – ainda há muitas apegadas na barra de alguma perna de calça como se dizia antigamente. Ou ainda adormecidas aguardando o beijo redentor. A novidade é que esse beijo agora pode vir tanto de um príncipe quanto de uma princesa. Mulheres que amam mulheres hoje são visíveis. Brotam.
(Aliás, os movimentos LGBTS e outras letrinhas – com elas formando a palavra chave diversidade – estão dando de dez nos feministas. Vitórias reais como o uso do nome social, casamento civil, rede de proteção).
Nada disso era assim, gente, até há muito pouco tempo atrás, três, quatro décadas, no máximo. Vivi para ver e acompanhar uma parte dessas passadas largas, que vieram para acelerar o andar das primeiras heroínas que carregavam essa luta com seus sapatos apertados. Foram pulos, saltos – os bons e os errantes; vivi para ver o mundo se transformando de uma maneira magnífica. Minha geração foi especialmente privilegiada nisso, e como fui atrás desses caminhos desde bem cedo, logo pós-adolescência, posso dizer que ainda deu para aproveitar um pouco, embora ainda falte, e muito, para conquistar. Mas ainda tenho tempo e é muito legal ser precursora. Dá orgulho. Devo até ter sido importante para muitas mulheres. Continuarei.
Pois bem, as coisas estavam indo muito bem assim até que aqui no Brasil, que pelo menos é de onde acompanho, surgem alguns grupos específicos jogando brasa perigosa na questão feminina. Perigosa, porque os identifico como grupos essencialmente moralistas, maternais e assistencialistas; infelizmente só virtualmente em redes sociais: se tem uma coisa de que toda mulher precisa é de real assistência, seja social, moral, profissional ou de saúde.
Essas novas tipas creem firmemente que sem elas, nós, as coitadas das outras mulheres, não veremos a luz, não conseguiremos a libertação. A lanterna delas tem uma direção só. A tal luz já chega cheia de ranços políticos, posições intelectuais arcaicas, preconceitos ao contrário, com regras além das menstruais, e palavras de ordem difusas, muito difusas. Chegam a ser infantis. Gostam de causar, esse é o foco 1, provocação.
Nessa toada tem até marchinhas que não se poderia cantar. Outro dia uminha fez um tratado sobre turbantes-emponderamento-pertencimento-e-apropriação digno, este sim, do samba da crioula doida que teve seu antepassado histórico aviltado pelas patricinhas ambulantes brancas e alienadas. E aí aquilo vira uma massa que a galera passa para lá, passa para cá, inunda nosso caminho com essas bobagens, faz com que percamos tempo. Falam em diversidade, mas são rainhas do homogêneo. A esquerda estranhamente gosta muito de exércitos, tropas. Não entendo.
As mulheres vão bem, sim, muito obrigada. De todas as cores, formatos, idades estão aí com sua linguagem especial, força, beleza, elegância, e cada uma com sua personalidade, propósito, tamanho de unha, cabelo, depilação e forma de encarar o mundo, muito além da decantada e santificada maternidade. Não precisam nem dependem mais de que ninguém fique soprando em suas orelhas o caminho do vento. Ela o sopra.
Além de ter de aturar o lançamento da tal cerveja Rosa Vermelha Mulherarghhh! – começou há dias a apelação do Dia da Mulher. Principalmente gente querendo vender de um tudo para a beleza eterna. Pouco se fala dos índices alarmantes de mulheres assassinadas ou de que, durante o Carnaval do Rio de Janeiro, uma mulher foi agredida a cada 4 minutos, 2154 denúncias à PM. Pouco se fala até de um movimento que está rolando na rede e que convoca e programa uma greve internacional feminina para o próximo dia 8. Você sabia?
Pois é. Até me animei e fui espiar. Mas sabe como vai chamar o ato aqui de São Paulo, às 15 horas, na Praça da Sé? “Aposentadoria fica, Temer sai”.
Quem saiu fora fui eu.
Entendeu? Aqui não é feito para unir. É para dividir. No resto do mundo pelo menos é greve de mulheres para mulheres, pelas mulheres.

mulher mae do mundo

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20170227_154333Marli Gonçalves, jornalistaO movimento 8M internacional propõe que as mulheres parem. Tudo que fazem – as chatices de casa – o dia inteiro. O trabalho externo, por duas horas. Que não comprem nada. Que apitem ao meio dia e meia, mesma hora que tuitem algumas hashtags. Ah! Que usem roxo. Em casa e na roupa.

2017, que traga mais para as mulheres em todos os dias

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marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

2 thoughts on “Mulher é tudo de bom. Por Marli Gonçalves

  1. Marli,
    Confesso que tinha lido o seu artigo transversalmente, como sói acontecer com aqueles que lêem muitos jornais ( não é bem meu caso), embora – perdoe – você mereça uma atenção especial. Ao ver o texto do Brickmann , ele fazia referência ao seu texto. Voltei lá, fui relê-lo. Está uma delícia, e muito agradável. Satírico – ri muito -, com muita informação e rico em reflexões. Nossas gerações foram, de fato, revolucionárias no sentido desestruturante. A reconstrução do mundo está repleta de contradições, tipo “esquerda estranhamente gosta muito de exércitos, tropas”. O mundo da mulher é cheio de linhas de pesquisas nas universidades, mas o hermetismo da linguagem e as propostas, tipo turbantes-emponderamento-pertencimento-e-apropriação, não conferem com realidade cotidiana, marcada por essa dominação cafajeste que avança para a criminalidade. Os estudos parecem buscar mesmo a homogenidade , e não a diversidade. A dificuldade de compreensão do problema pelos seus atores (e atrizes) é confusa. Daí aparecer coisas como essa cerveja Rosa Vermelha Mulher, que faz o sexo feminino retornar à mesa do bar na esquina da Ypiranga com a São João. Faço coro com você: “Arghhh!”. Corre-se o risco de ela vir a ser distribuída, a título de promoção, gratuitamente, nas manifestações do Dia da Mulher. Você é demais! Escreve muito bem. Fico imaginando como você produz um texto. Senta, e escreve. Sofro tanto com os meus!.
    Abraços para a minha protetora.

    OBS: Onde você funcionam analogicamente? Imaginava que fosse em Santos. Olhando por aqui, vi uma indicação de São Paulo. Você se incomoda de dar o endereço?

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