Primeira dama e censura. Por José Paulo Cavalcanti Filho

PRIMEIRA DAMA E CENSURA

 Por José Paulo Cavalcanti Filho

…Problema é quem decide, em casos específicos, o que deve ser ou não publicado. Para donos de TVs e jornais, seriam eles. Enquanto, nas democracias, é o Poder Judiciário. No caso da primeira-dama, o Judiciário proibiu a divulgação. Não houve censura. Foi só uma decisão judicial. Dando prevalência ao direito da privacidade…

 

A primeira-dama obteve, na justiça, direito de não ser tornada pública uma chantagem que sofreu. Os jornais reclamaram. Censura, berraram. Mas terá sido mesmo?, eis a questão. Vale a pena olhar com mais calma, sobre o tema. A ideia de uma liberdade de informar sem nenhum limite é, nas sociedades maduras, somente lenda. Não vigora nem mesmo nos Estados Unidos. Onde a Primeira Emenda (1791) do Bill of Rights – nome coletivo das dez primeiras emendas à Constituição – proíbe, ao Congresso, votar leis limitando a liberdade de imprensa. Definindo, a Suprema Corte, “não ser absoluta essa liberdade, comportando seu exercício limites”.

Esse princípio de controles consensuais e democráticos à informação está presente em teoria hoje dominante na Suprema Corte, das Unprotected Speech (caso New York x Ferber, 1982). Sem esquecer que, com as teorias do Gravity on Evil (1924) e sobretudo das Free Speech (1945), a mesma Corte já confirmara que “a liberdade de expressão não é um direito absoluto, confrontando-se com outros direitos constitucionais”. Como a “privacy, que a tradição americana dotou de uma amplitude tentacular” – palavras de Hubert Gordon. Essa mesma privacidade que, em 1873, foi definida pelo justice britânico Cooley como “o direito de ser deixado só” (the right to be let alone).

Sem falar dos sigilos profissionais. Ninguém admitiria, por exemplo, que padres mencionassem, nas missas dominicais, a relação das confissões da semana. Os pecadores e seus pecados.

Para além dos preconceitos, parece indiscutível que democracia é informar. Problema é que é, também, não informar. Dependendo das circunstâncias. Desde 1936, por exemplo, ações de família (como reconhecimento de paternidade) correm em segredo de justiça. Também, hoje, notícias que digam respeito a menores – por conta do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sem falar dos sigilos profissionais. Ninguém admitiria, por exemplo, que padres mencionassem, nas missas dominicais, a relação das confissões da semana. Os pecadores e seus pecados. Dona Maria, mulher do barbeiro José, confessou que trai o marido com o jardineiro Severino. Por aí. O mesmo se dando com médicos e advogados. Claro que não se trata, nesses casos, de censura.

Critério básico, para definir se uma informação deve ou não ser publicada, é o interesse coletivo. Em princípio, prevalente sobre a privacidade. Mas não em todos os casos. Até por haver diferentes graus, nesse direito à privacidade. A do indeterminado cidadão comum, por exemplo, é quase absoluta. Mas vai caindo, à medida em que aumenta o nível de exposição do interessado – governador, senador, ministro. Quanto mais alto, o cargo, menor a privacidade. Até chegar a presidentes da República, em que é quase nenhuma.

Problema é quem decide, em casos específicos, o que deve ser ou não publicado. Para donos de TVs e jornais, seriam eles. Enquanto, nas democracias, é o Poder Judiciário. No caso da primeira-dama, o Judiciário proibiu a divulgação. Não houve censura. Foi só uma decisão judicial. Dando prevalência ao direito da privacidade. Os jornais recorreram. E o Judiciário atendeu esse recurso. Talvez por conta de pressão da mídia. Um erro, na minha modesta opinião. Afinal, tratava-se de um crime. E o responsável está preso. Mas assim foi. A chantagem, bem ou mal, acabou publicada. Cumpriu-se a lei. Paciência. Bom nisso tudo é que, se continuarmos nesse caminho, e como dizia Millor, “nós vamos acabar caindo em uma democracia”.

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jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.

jp@jpc.com.br

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