O Rio de Janeiro solou. Por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

O Rio de Janeiro solou

Por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
O Rio solou porque não respeitamos as regras elementares, sobretudo a que se refere aos ingredientes: não são de boa qualidade, estão com a validade vencida, e ficaram na prateleira do congelador por muito tempo…
Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, 
21 de julho/ 2017
Sabem quando fazemos, com todo carinho, um bolo para as crianças comerem na hora que chegam da escola com muita fome? E, na hora H, ao cortar o bolo, vemos que solou?
Pois é essa a sensação que tenho com o Rio. Está solado, deixou de ser aquele bolo delicioso que tanta alegria nos dava.
O Rio solou porque não respeitamos as regras elementares, sobretudo a que se refere aos ingredientes: não são de boa qualidade, estão com a validade vencida, e ficaram na prateleira do congelador por muito tempo…
A cidade assim solada, triste, assustada, afasta os seus e não apetece aos turistas.
As notícias (recentes) são apavorantes:
– na fila do Instituto de Diabetes e Endocrinologia, no centro da cidade, ontem à tarde, os pacientes que aguardavam o acesso em fila, foram assaltados por quatro bandidos que levaram o que puderam;
– na Linha Vermelha, no início da noite de ontem, tiroteios e muita confusão, como tem sido hábito. A via, uma das mais importantes para o acesso à cidade, foi parcialmente interditada para que a Polícia Militar pudesse prender um traficante conhecido como ‘Charlinho’. Ele escapou, há boato de que foi baleado, estão fazendo buscas em hospitais para ver se o encontram;
– mais cedo, na mesma região, houve intenso tiroteio entre o bando do tal ‘Charlinho’ e policiais da 59ª delegacia, a ponto da população achar que a delegacia estava sendo atacada, segundo os delegados. Não estava. Tudo não passava de uma das batalhas diárias entre a Polícia e os traficantes;
– anteontem, o tiroteio na mesma Linha Vermelha obrigou os motoristas a se abrigarem no 22º BPM (Maré). Os que buscaram abrigo estavam muito assustados, ainda mais quando a energia foi cortada e o batalhão ficou às escuras. Dá para sentir o medo das pessoas: idosos, crianças, adultos, no escuro e ouvindo um forte tiroteio;
– na noite de anteontem um homem morreu com um tiro no rosto na Avenida das Américas, numa tentativa de assalto;
– um serviço essencial para a cidade pode parar a qualquer momento: a empresa terceirizada que opera a central telefônica que atende ao pedido de ambulâncias (SAMU) pode parar por falta de dinheiro. É isso mesmo, a dívida do governo do Estado com eles já está em mais de R$10 milhões. São vencimentos atrasados desde dezembro de 2016!
Tudo isso mexe conosco de modo muito negativo. Estamos sempre com o coração na mão, preocupados com os nossos. No que se refere às crianças, então, a situação é mais grave. A UNICEF, reunida em Genebra, atesta que escolares do Rio estão sob grande risco de não desenvolverem integralmente o seu potencial.
De acordo com a UNICEF, “estudos mostram que interrupções repetidas em ambientes de violência afetam negativamente a habilidade das crianças de se concentrarem e aprenderem sem medo. Precisar buscar abrigo e esconderijo e até testemunhar episódios de violência têm um grande impacto psicossocial nas crianças e várias relatam sofrerem de síndromes de estresse, como pesadelos e crises de ansiedade. Crescer em um ambiente com frequentes episódios de violência armada também pode fazer com que as crianças percebam a violência como o procedimento normal na resolução de conflitos”.
Na antessala do horror em que nos transformaram, o bolo definitivamente solou.

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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.
https://www.facebook.com/mhrrs e @mariahrrdesousa

 

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