O barulho de Tejo e Canindé. Por José Paulo Cavalcanti Filho

O BARULHO DE TEJO E CANINDÉ

 Por José Paulo Cavalcanti Filho

Orlando Tejo

Orlando Tejo era um gênio. Todo mundo sabe disso. A cabeça foi antes, o corpo velho só agora. Uma tristeza. Perda enorme. Entre suas grandes histórias, lembro uma que se deu com o premiado escritor Luiz Berto, editor do Jornal Besta Fubana. Quando Tejo, liso como um mocó, pediu ao amigo Berto que lhe arranjasse um agiota. E ao tal cidadão, (João) Canindé, pediu 30 mil cruzeiros. Só que o dinheiro não chegava. E ele na lona. E angústia muita. E notícia nenhuma. Foi quando o juízo ferveu e Tejo, na hora, escreveu esses versos:

LOUVAÇÃO A CANINDÉ

Estando sem um tostão
E me encontrando bem perto,
Fui procurar Luiz Berto
Para alguma solução.
Berto disse: “Meu irmão,
Eu também queria até
Fazer um querrequequé
Daquele que o diabo pinta
Para ver se arranco trinta
Do bolso de Canindé”.
***
E toca a telefonar
E Canindé a correr,
Mas não pôde se esconder
E teve que tapear:
“Pela manhã não vai dar,
Porque de tarde é que é
Bom para a coisa dar pé.
Aguarde, portanto, amigo”.
Berto ficou de castigo
Esperando Canindé.
***
E eu que necessitava
Também da mesma quantia
Me fiei nessa franquia
Que Canindé propalava
Quando eu menos esperava
O safado, de má fé,
Filho de puta, ralé,
Disse que hoje não tem nada…
Ah! uma foice amolada
No chifre de Canindé.
***
Eu já podia notar
E mudar de interesse
Que cabra com um nome desse
Não poderia prestar.
No entanto vou esperar
Até amanhã com fé.
Se ele me deixar a pé,
Juro por Nossa Senhora:
Corto de pau uma tora
E vou matar Canindé.
***
O cabra fuma e não traga
Faz do crime o seu idílio!
Onde está Flávio Marcílio
Que não demite esta praga?
Ao menos dava-se a vaga
Pra um sujeito de fé,
Já que esse indivíduo é
Tratante e delinquente
Haja chumbo grosso e quente
No rabo de Canindé.
***
Por capricho do destino
De Satanás ou Deus Brama,
O bicho também se chama
Coisa e tal e Tolentino,
Doido, avarento e mofino,
Não conhece a Santa Sé,
Faz da cola o seu rapé,
Vive da desgraça alheia,
Devia estar na cadeia
Esse tal de Canindé.
***
Não sei como Luiz Berto
Este escritor inspirado,
Toma dinheiro emprestado
A um ladrão tão esperto,
Que representa um deserto
De trabalho, amor e fé,
Que anda de marcha ré
Pela estrada da virtude
E além de covarde e rude
Se assina por Canindé.
***
Antes quero outro “pacote”
Desemprego, moratória,
Ver Delfim contar história,
Comer carne de caçote,
Levar chumbo no cangote,
Me abraçar com jacaré,
Beber caldo de chulé,
Dar o rabo a marinheiro,
Do que tomar um cruzeiro
Emprestado a Canindé.

***

Mas o destino é cobra traiçoeira. Prega suas peças. E isso aconteceu, então, mais uma vez. Dando-se que o amigo Luiz Berto avisou, logo em seguida, ter chegado seu dinheiro. Foi quando nosso Tejo, com remorsos por ter falado tão mal do pobre Canindé, resolveu a questão escrevendo outros versos. A favor dele, agora.

NOSSO AMIGO CANINDÉ

Um sujeito despeitado,
Desses de baixa maré,
Inventou que Canindé
É um canalha safado.
Eu fiquei preocupado
Com a informação ralé,
Porém não perdi a fé
Em quem merece louvores…
E haja palmas e haja flores
Na fronte de Canindé.
***
Tenho dito e sustentado
(Todo mundo sabe disso)
Que na Câmara, esse cortiço,
Há um cidadão honrado,
Pai de família extremado,
Homem de bem e de fé!
O Papa já disse até
Que há no torrão brasileiro
Padre Cícero em Juazeiro
E em Brasília, Canindé.
***
Sei que o Papa tem razão,
Mas ninguém quer saber disto.
Se já falaram de Cristo,
Que se dirá de um cristão
Porém a fofoca não
Atinge um homem de fé.
E se eu descobrir quem é,
Meto a mão no pé do ouvido
Do sem-vergonha enxerido
Que falar de Canindé.
***
Canindé – nome decente!
Tolentino – ô nome macho!
Ribeiro – lindo riacho
Que mata a sede da gente!
Honrado, amigo e valente,
Subiu da glória o sopé…
A Virgem de Nazaré
Já lhe envolveu com seu manto,
Por isso um caminho santo
Vai trilhando Canindé.
***
Canindé pra ser beato
Só falta mesmo a batina,
Pois tem vocação divina
Pureza, fé e recato!
Por isso ele é o retrato
Mais fiel de São José
E já se comenta até
Que Frei Damião Bozano
Sugeriu ao Vaticano
Canonizar Canindé.
***
Mas sabem por que razão
Já querem canonizá-lo?
É por causa de um estalo
Que recebeu nosso irmão
Lá nas margens do Jordão,
Ao lado de São Tomé,
Quando dava cafuné
Numa velhinha doente
E morreu a penitente
Nos braços de Canindé.
***
Nesse chão onde ele pisa,
Por ser grande patriota,
Se faz até de agiota
Pra ajudar quem precisa.
Mas não comercializa
A sua alma de fé!
Jamais ganhou um café
Pelo dinheiro que empresta…
Caridade é uma festa
Pra alma de Canindé.
***
Santo Agostinho, dos santos
Foi o mais puro entre os ermos
Que consolava os enfermos
E lhes enxugava os prantos.
Obrava milagres tantos,
Pela pureza e a fé
Pois acreditava até
Em fala de passarinho.
Mas sabem? Santo Agostinho
É pinto pra Canindé.

***

       No fim, o infeliz agiota sofreu para receber sua grana. Mas ganhou versos, em troca. Ficou no lucro. Perdemos um gênio. Abraços para Luiz Berto.

E homenagens ao grande Orlando Tejo.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
jp@jpc.com.br

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