corrupção

Corrupção e Infantilização. Por Meraldo Zisman

CORRUPÇÃO E INFANTILIZAÇÃO

 Meraldo Zisman

A moral, tanto do corrupto como a do corruptor, é pervertida e em seu lugar institui-se a imoralidade. Subornar os fortes e atemorizar os fracos é o primeiro passo para institucionalizar a corrupção…

Apesar de a palavra corrupção ser empregada (ad nauseam) nos noticiários nesses últimos tempos, mesmo após as eleições de 2018, pouco se discute sobre a personalidade dos corruptos.  Vale salientar que inexiste país com corrupção zero. Ela abrolha em vários países. Não é uma exclusividade nacional, nem uma jabuticaba.

A Mídia (tanto a versão oficial quanto a social), tão alardeadora das prisões, condenações, delações et caterva, omite ou pouco menciona os aspectos do funcionamento do “aparelho psíquico” dos corruptos, que fere os princípios morais e éticos da sociedade. Conferir o significado do aparelho psíquico em https://brasilescola.uol.com.br/psicologia/o-aparelho-psiquico.htm (Acessado em 11 de novembro de 2018).

Mas há uma diferença significativa entre corromper um indivíduo e corromper uma instituição. Embora a primeira seja lamentável, intuímos que a segunda traga graves consequências ao país.

Afirmo que a desintegração moral que leva à corrupção – no sentido mais grave do termo — não é ideológica e sim se trata de um desvio de personalidade.

Assim, a pessoa que se corrompe baseia-se, simultaneamente, em duas lógicas contraditórias (a pública e a privada). A moral, tanto do corrupto como a do corruptor, é pervertida e em seu lugar institui-se a imoralidade. Subornar os fortes e atemorizar os fracos é o primeiro passo para institucionalizar a corrupção. Além disso, não devemos nos esquecer da subjetividade que se institui no meio desse novo laço dos fracos, que passa a achar normal a impunidade praticada por determinada pessoa ou grupo.

Aplica-se a essa distorção a abordagem psicodinâmica, que vem a ser a parte da Psicologia que se concentra nos pensamentos do indivíduo sobre suas experiências vitais, em como ele enxerga o Mundo e no seu relacionamento com outros.  A psicodinâmica, portanto, é o estudo e a teorização sistemáticos das forças psicológicas que agem sobre o comportamento humano, enfatizando a interação entre as motivações conscientes e inconscientes (Sigmund Freud 1922-1939) e pode ser utilizada para explicar o que se passa na cabeça dos corruptos.

O que ocorre, na maioria das vezes, é que o detentor do Poder (seja financeiro, político ou simbólico) sente-se superior aos outros indivíduos, induzindo-os à infantilização.

Essa fantasia de impunidade ou de sentimento de superioridade alastra-se como um câncer, o que reforça o mito de os poderosos estarem sempre acima do bem e do mal. Essa penetração na psique social acaba tornando a corrupção um meio de vida, o que leva a graves patologias sociais, dentre elas a instituição – como valor – do desrespeito à Lei e, pior, à própria Constituição.

A corrupção torna-se assim uma Instituição.

Por outro lado, sob o ponto de vista social, os escândalos causados pela corrupção têm naturalmente uma vantagem: as pessoas percebem que as coisas não funcionam como deveriam, que há abuso de poder, etc.

Os corruptos não matam A ou B; suas vítimas são anônimas. Essa despersonalização faz com que a corrupção pareça menos grave do que outros delitos…

E, quando um caso é revelado, tem-se aí um novo escândalo, inicia-se um longo processo, a imprensa fornece diariamente novas revelações e o povo se ocupa com isso, intensamente.

O Poder exige uma estrutura psíquica própria e nem todos estão imunes às tentações. A competência – que evita que os políticos caiam em desejos e atos antissociais – cria estratégias e é parte da tática do Poder, levando-os também a dizer que a corrupção é menos corrosiva do que os chamados crimes sangrentos.

A corrupção é um crime sem rosto, por isso parece ser um problema menor (Psicanalista Joel Birman), muito embora prejudique a vida de milhões de pessoas e da nação.  Os corruptos não matam A ou B; suas vítimas são anônimas. Essa despersonalização faz com que a corrupção pareça menos grave do que outros delitos, como assassinato ou tráfico de drogas, mas ela é extremamente grave, sendo uma das mais sérias formas de patologia psicossocial.

Será pertinente sublinhar que o desenvolvimento psicológico do indivíduo depende da interação que ele mantém com outras pessoas, em ambiente social ou de trabalho e no lar. No entanto, o desenvolvimento psicológico do indivíduo no Poder hipertrofia-se quando os que estão a sua volta, seus subordinados, acabam acreditando que os poderosos possuem um poder maior e gozam de impunidade… ou são dessemelhantes das demais pessoas.

Vale lembrar que mesmo um “chefe extraordinário” pode fazer enlouquecer através de um vínculo com outras pessoas, que sistematicamente procuram mostrar ter uma posição reverente levando-as a ficarem intimidadas, subservientes e até deslumbradas.

Nos casos extremos, o paranoico (aquele acredita que tudo ao seu redor gira em torno de si) tem a impressão de ser a personagem adequada a fazer brotar a reação de medo nas pessoas que o circundam. Aliás, essa é a mesma atitude acrítica que a criança pequena tem em relação aos pais, que são sentidos como aqueles que “podem tudo”.

Termino citando Millôr Fernandes (1923-2012) que escreveu: “Os corruptos são encontrados em várias partes do mundo, quase todos no Brasil”.

Espero que agora tudo isso vá mudar.


Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

 

 

 

1 thought on “Corrupção e Infantilização. Por Meraldo Zisman

  1. BRILHANTE CRÔNICA, DR. MERALDO. PARABÉNS…PARABÉNS…PARABÉNS.

    A moral, tanto do corrupto como a do corruptor, é pervertida e em seu lugar institui-se a imoralidade. Subornar os fortes e atemorizar os fracos é o primeiro passo para institucionalizar a corrupção. Além disso, não devemos nos esquecer da subjetividade que se institui no meio desse novo laço dos fracos, que passa a achar normal a impunidade praticada por determinada pessoa ou grupo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter