Governo fantasma. Por Edmilson Siqueira

GOVERNO FANTASMA

EDMILSON SIQUEIRA

…estamos diante do ocaso de um governo que, ao anunciar alguns grandes nomes para o ministério (Guedes e Moro, principalmente), criou uma expectativa de que dois dos maiores problemas que o Brasil enfrenta há décadas seriam encaminhados no sentido de se chegar perto de uma solução…

A queda moral do governo Bolsonaro, evidenciada no caminhão de mentiras que vem falando e nos atos completamente destoantes do bom senso e da ciência no combate à pandemia da covid-19, estão anunciando um final de governo antecipado. E não importa se esse final de governo vai ser agora, através de alguma ação que comprove seus crimes, ou se será terá uma agonia alongada até dezembro de 2022. Em qualquer das hipóteses, estamos diante do ocaso de um governo que, ao anunciar alguns grandes nomes para o ministério (Guedes e Moro, principalmente), criou uma expectativa de que dois dos maiores problemas que o Brasil enfrenta há décadas seriam encaminhados no sentido de se chegar perto de uma solução.

 A economia, cujos rumos foram dados há mais de um quarto de século pelo Plano Real, parecia que agora ia partir para um liberalismo verdadeiro, sem a covardia dos tucanos de encolher o Estado, com novas regras trabalhistas, com privatizações amplas e com a menor interferência possível do governo nos negócios. E a segurança, que já havia dado mostras de que o combate à corrupção é possível e, durante o primeiro ano de governo, mostrou-se altamente eficaz no combate ao crime comum, fazendo cair de forma significante – e pela primeira vez em muito tempo – o número de assassinatos e de outros crimes que proliferavam pelo Brasil, também mostrava suas vitórias, com Moro ganhando mais apoio da população.

Mas o estilo tosco de um ex-capitão do Exército e obscuro deputado do baixo clero da Câmara botou tudo a perder. As coisas já davam mostras de que iam se complicar quando, desde o inicio, Bolsonaro mostrou que ouvia conselhos de um charlatão que vive de cursos de formação de radicais em política com especialização em palavrões. Algumas nomeações que se originaram desse exótico guru se mostraram totalmente inadequadas até para gerenciar um boteco de esquina, quanto mais um Ministério da República.

A influência maligna dos três zeros à esquerda, os filhos do capitão, também ajudaram a azedar o clima. Ainda no primeiro ano de governo não foram poucos os eleitores de Bolsonaro que começaram a entortar o nariz para algumas atitudes como a criação de inimigos diários e de um núcleo organizado para produzir fake news e destruir reputações dos “inimigos”. Muita gente decente acabou ficando ficou espantada sem, no entanto, se arrepender do voto que barrou a ascendência do Brasil a uma venezuelização comandada pelo lulopetismo e passou a criticar as atitudes totalmente desonestas dos filhos e dos grupos incrustados no poder e pagos com o dinheiro dos impostos que nos são tão caros.

A descoberta de que um dos zeros à esquerda praticava tenebrosas transações no Rio de Janeiro, envolvendo divisão de salários de funcionários para proveito próprio e tinha perigosas relações com marginais milicianos, desandou de vez a postura de guardião da honestidade que Bolsonaro queria incutir na mente de todos os brasileiros. Usando subterfúgios de toda ordem para escapar de acusações notórias, escondendo o principal acusado de ser o operador das mutretas, inventando inacreditáveis histórias de empréstimos entre amigos, dando desculpas esfarrapadas para notórios negócios impossíveis, o clã Bolsonaro mostrou literalmente que é composto por políticos sujos, corruptos e malvados.

Como toda fera acuada, os contra-ataques passaram a ser mais vigorosos. A qualquer sinal de “desvio de conduta”, ou seja, qualquer pequena crítica a qualquer ato do “mito” passou a ser motivo suficiente para o tal gabinete do ódio assestar seus canhões virtuais contra o “traidor”. Algumas vezes, os motivos dos ataques nem eram públicos e o eleitor, ao ver bolsonaristas – reais e robôs, embora não haja tanta diferença entre eles – atacando um aliado ficava sem entender patavina. Até nomeados recentes (Regina Duarte, Nelson Teich) foram motivos de ataques antes mesmo de tomar qualquer atitude. E, pior, sem uma reação do chefe do clã, dando a entender que concordava com aquilo, mesmo tendo, no dia anterior, feito grandes elogios ao atacado.

Essas atitudes que beiram a psicopatia, a neurose, a falta de educação e a ignorância política e social, passaram a ser comuns. Aí veio a pandemia que acabou de revelar de vez o monstro embutido na figura presidencial.  Pois a rápida proliferação do novo coronavírus encontrou no Brasil o campo ideal para se reproduzir por conta de seu governo errático. Enquanto médicos e autoridades sanitárias buscavam a melhor maneira de enfrentar o problema – que já se mostrava gigantesco mesmo em países desenvolvidos – o presidente, cuja liderança seria essencial para que as medidas paliativas fossem tomadas, passou a se postar ao lado do vírus, dando a ele todas as oportunidades de passear pelo país e encontrar a cada metro um hospedeiro descuidado, fazendo ali sua morada mortal.

…Seja qual for o curso do governo daqui pra frente, o fato é que ele acabou. Vai ficar existindo apenas para os fanáticos seguidores do falso mito e que, com o passar do tempo, serão cada vez menos. 

Como num governo como esse tudo que está ruim pode piorar, no meio da crise, com hospitais lotando diariamente, com a proximidade da décima milionésima vítima, eis que o timoneiro desvairado resolve criar outra crise, apoiando o bando que considera que uma ditadura é melhor que a democracia, que o capitão tem que mandar prender todos os ministros do STF, fechar o Congresso e acabar com qualquer isolamento social de combate ao coronavírus, instalando aqui um governo totalitário, onde sua palavra é a lei, onde ele é o Estado e os 210 milhões de brasileiros, seus fiéis súditos ou escravos.

O grupo entrou na mira da Justiça e seus organizadores podem até serem presos, o que, obviamente, desagrada bastante o frustrados timoneiro. Além disso, o processo das fake news começa a descobrir as digitais de um dos zeros à esquerda. E pra entornar o caldo de vez, as investigações no Rio, sobre os esquemas nada republicanos nos gabinetes estaduais, avança e, claro, vai atingir a famiglia.

Para se proteger disso tudo o capo de tutti capi achou que se tivesse total controle sobre a Polícia Federal, poderia dirigir as investigações de modo que elas passassem ao largo de seus protegidos.  Ele já vinha pensando nisso há um bom tempo, mas agora era a hora de decidir. Só que havia um Sergio Moro no meio do caminho, incorruptível e invendável como muita gente já sabia e como restou comprovado na crise toda que se sucedeu ao assalto presidencial à direção da PF que casou a saída do ministro.

 Só que Moro saiu e mostrou os motivos. E esses motivos revelam um comportamento totalmente incompatível – inclusive legalmente – com o cargo presidencial. O processo, que pode ser até arquivado pelo obediente procurador geral da República, Augusto Aras (nomeado com a mesma intenção das nomeações que Bolsonaro fez na PF e no lugar de Moro), mas seus estragos, antes mesmo de revelados detalhes do mortífero vídeo da reunião onde houve as ameaças contra o ministro da Justiça, são devastadores.

Assim, deduz-se, por óbvio, que esse governo já não mais se sustenta, pois perdeu totalmente a credibilidade e se distanciou das promessas de campanha e dos objetivos iniciais. A aliança com o Centrão é a prova final de que nada mais resta. Seu fim pode ser oficializado por um penoso processo de impeachment ou por outra medida qualquer de interdição, ou mesmo de uma renúncia (tudo é possível em mentes conturbadas). Seja qual for o curso do governo daqui pra frente, o fato é que ele acabou. Vai ficar existindo apenas para os fanáticos seguidores do falso mito e que, com o passar do tempo, serão cada vez menos.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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