DITADURAS

FOTO: EVANDRO TEIXEIRA

Ditadura em formação. Por Edmilson Siqueira

DITADURA EM FORMAÇÃO

EDMILSON SIQUEIRA

… os fatores que levaram o deputado à prisão se constituíram em uma perigosíssima mistura de crimes de opinião e motivações políticas. Crimes de opinião, como se sabe, são recursos próprios das ditaduras. Estamos fartos de conhecer os métodos de todas elas contra os que se atrevem a se opor a um regime autoritário. …

Boa parte da sociedade brasileira quer ver o deputado Daniel Silveira apodrecer na cadeia por ter ofendido ministros do STF e clamar pela volta do AI-5. Eu prefiro vê-lo cassado por seus pares na Câmara dos Deputados, o que fará com que ele volte ao ostracismo de sua infeliz existência. Talvez ganhe alguma notoriedade depois da cassação, por alguns meses. Cassado e sem direitos políticos, não poderá se candidatar novamente tão cedo e, talvez, quando o fizer, a turba o que o elegeu já tenha outros “ídolos” a incensar e o troglodita da hora já seja, definitivamente, uma página virada nesse folhetim chamado Brasil.

A prisão foi excepcional e, numa democracia, a Justiça não pode usar de excepcionalidades para prender ninguém. Para que ela se realizasse, não se levou em consideração apenas o que diz a lei, pois, se assim fosse, ela não seria consumada. Foram, é óbvio, vários fatores a contribuir também para que a Polícia Federal, no meio da noite, cumprisse um mandado de prisão em flagrante, outra aberração jurídica inventada pelo  STF. Se há flagrante, não pode haver mandato. Se há mandado, não pode haver flagrante, como disseram vários e renomados juristas.

E os fatores que levaram o deputado à prisão se constituíram em uma perigosíssima mistura de crimes de opinião e motivações políticas.

Crimes de opinião, como se sabe, são recursos próprios das ditaduras. Estamos fartos de conhecer os métodos de todas elas contra os que se atrevem a se opor a um regime autoritário. Aconteceu muitas vezes no mundo, com ditaduras de esquerda e de direita. O “nosso” AI-5, de tão triste lembrança, era isso: dava ao general de plantão no Palácio do Planalto e ao guarda da esquina o direito de esbravejar o famoso “teje preso” para qualquer um que entortasse o nariz diante de um pronunciamento presidencial na televisão ou de um discurso de um prefeitinho no cafundó do Judas.

E se um ministro do STF se arvora no direito de prender um deputado cuja imunidade para emitir opiniões é garantida pela Constituição, então estamos diante de um naco de ditadura sendo aplicado por alguém que, pela prática, tem toda a vontade de se tornar um ditador. Ou, pior ainda, oferecer seus poderes todos para que um ditador se instale no país e voltemos às trevas dos atos institucionais a nos ditarem o comportamento social.

E quando esse comportamento ditatorial é referendado por todos os seus pares, num julgamento que teve de absurdo o que teve de rapidez (esse um fator raramente visto no STF), o caso todo assume uma proporção gigantesca, cujo perigo de se alastrar é maior do que as mais elaboradas cepas que estão surgindo do novo coronavírus.

A atitude descabida do STF, como disse anteriormente, não foi só baseada num possível “crime de opinião”. Foi eivada de fatores políticos e fez parte de um diálogo entre poderes.

O STF, talvez farto de ser criticado por soltar notórios traficantes e famosos corruptos, quis passar um recado à ala radical do bolsonarismo e ao próprio presidente: “Nós podemos prender e arrebentar e acabar com sua festinha familiar aí no Planalto”. O recado também foi para o Congresso: “Nós podemos dar uma solução rápida a uma quantidade enorme de processos envolvendo vossas senhorias, inclusive colocando na cadeia os culpados de roubar o erário”.

Recados dados, suas consequências foram o silêncio palaciano e a submissão do Congresso. A decisão marcada para a tarde desta sexta-feira, 19,  sobre o destino do deputado, tem tudo para ser a de mantê-lo preso. Ou seja, os deputados pretendem, em sua maioria, referendar a aberração da prisão, ao invés de agirem rápido e cassá-lo, o que seria o correto. Antes de fazer o correto, os senhores deputados querem deixar claro ao STF que não vão entrar em choque como vossas senhorias togadas, pois têm muito a perder.

Então ficamos assim: os políticos todos aceitam um STF ditatorial quando um obscuro deputado resolve subir o tom de seus ignorantes discursos, desde que esse mesmo STF, através de suas manobras e estratagemas, todos previstos no emaranhado de leis e regulamentos que podem ser usados a gosto do freguês, garantam que a farra com o erário será perene, esteja no poder um populista ignóbil como Bolsonaro ou um ignóbil populista como Lula.

Eles todos talvez não saibam o risco que corremos. Nossa democracia é frágil e um presidente com vocação ditatorial – Bolsonaro ou Lula, ambos são iguais nesse mister – pode ser dar muito bem com seus iguais no STF criando o cenário perfeito para um golpe que, hoje já se sabe com nitidez, teria muitos generais favoráveis, talvez um número suficiente para tomar as tropas e impor a vontade autoritária.

Pobre Brasil, onde a “jurisprudência de ocasião” se sobrepõe ao bel prazer daqueles que deveriam ser os primeiros a repudiá-la.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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2 thoughts on “Ditadura em formação. Por Edmilson Siqueira

  1. Irretocável.
    Nem bem dado um mês deste governo eu já dizia que Bolsonaro era a outra face da mesma moeda falsa e vagabunda de três reais onde seu verso estampava Lula.
    Bolsonaro e Lula se equivalem em todos os sentidos, inclusive no quesito cegueira de seus seguidores.
    Demorará, mas um dia chegaremos ao meio termo ideal de tolerância e respeito ao próximo.

  2. A mais pura verdade refletida neste artigo impecável. Aplaudam a ditadura do STF, aplaudam a covardia do Congresso, esmagadora maioria de ignorantes. Mais tarde não venham verter lágrimas de Madalena Arrependida: vi milhares de patriotas lacrimejantes menos de dois anos depois de apoiarem o golpe de 1964!

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