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Luther King Jr, Ignorância e as Vacinas. Por Tarcísio Corrêa Monte

Vem-me à memória então o incrível livro “A dádiva do amor”, de Martin Luther King Jr, especificamente uma frase que me marcou: “não podemos sobreviver separados espiritualmente em um mundo geograficamente unido”…

Martin Luther King

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA COLUNA DE FREDERICO VASCONCELOS, 
FOLHA DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 24 DE NOVEMBRO DE 2021

O hábito de ler jornais de manhã cedo já vem de um tempo. Na faculdade, antes da aula, era o Valor Econômico, principalmente o caderno de Internacional. De uns tempos para cá, tenho lido mais a imprensa europeia. Talvez fosse melhor sair para correr na praia ou no parque nesse horário. Melhor para evitar ver como nosso mundo tem se tornado surreal.

Abro o site da Euronews da França: “La police italienne cible les antivax”. A matéria basicamente diz que “na Itália, a polícia invadiu as residências de 17 extremistas antivacinas. Eles são suspeitos de terem incitado as pessoas a cometer delitos contra personalidades de instituições públicas italianas, como o primeiro-ministro Mario Draghi.

A operação está ligada a um inquérito sobre ameaças feitas no grupo “Basta Dittatura” do app Telegram. Um chat que já foi encerrado devido ao seu conteúdo ilegal. Várias manifestações recentes contra o “Green Pass” tornaram-se violentas e causaram grande perturbação em muitas cidades italianas”.

Fecho o site então e procuro algo no La Repubblica para confirmar: “I No Vax commentano in diretta le perquisizioni: “Andiamo e lanciamo bombe”.

“Somos famosos”, escreviam no bate-papo, enviando um ao outro por mensagem a notícia da blitz policial de Torino. O canal voltou a chamar-se “chega de ditadura”, mas é novo, depois que o Telegram por ordem do Ministério Público ordenou o fechamento daquele em que havia indícios de protestos de rua e ameaças a pessoas públicas.

“Vamos acabar com toda a merda criminosa do Ministério Público de Torino, do antiterrorismo de Milão”. “Devíamos todos ir debaixo do prédio para jogar bombas para que acabem com essa ditadura”.

A referência a símbolos tipicamente de extrema direita é clara, porém das buscas dos 18 suspeitos organizadas naquela semana em 16 cidades italianas, nenhuma ligação explícita a Forza Nuova ou a siglas neo-fascistas subversivas surgiu.

Vem-me à memória então o incrível livro “A dádiva do amor”, de Martin Luther King Jr, especificamente uma frase que me marcou: “não podemos sobreviver separados espiritualmente em um mundo geograficamente unido”.

Pego então o livro e reabro nos meus dois textos prediletos dele: “Amor em ação” e “Amar seus inimigos”.

Reflito sobre o que pensaria sobre todo esse momento que vivemos no mundo o maior ativista político da História dos EUA, que se tornou o ícone mais importante e herói do movimento dos Direitos Civis na década de 1950, até seu assassinato no fim dos anos 1960.

Os antivacinas, é de se reconhecer, alguns podem ser pessoas bem-intencionadas, alegam seu Direito Fundamental de Liberdade de não se vacinar. Outros afirmam que a vacina não funciona.

O segundo argumento parece não se sustentar. O pesquisador na Universidade de Yale Atila Iamarino, em artigo recente nesse jornal ‘Não faltam vacinas, faltam vacinados’ já afirma:

“Segundo o Office for National Statistics do Reino Unido, entre janeiro e setembro de 2021, não vacinados tiveram um risco 32 vezes maior de morrer por Covid do que os completamente imunizados. E segundo o Centro de Controle de Doenças dos EUA, quem pegou o novo coronavírus e se curou, mas não se vacinou, teve mais de cinco vezes mais chances de ter Covid novamente do que quem nunca pegou o vírus mas tomou as duas doses das vacinas.

Ou seja, até curados não estão tão protegidos quanto quem se vacinou e têm mais chances de ter e passar Covid”.

Então resta o argumento da Liberdade. Mas será que esta é absoluta?

Como bem mostra Michael Sandel em “Justiça”, Kant já dizia que esta tem limites. Não pode ser levada ao ponto de prejudicar os outros. Não posso ter a liberdade de guardar Plutônio-239 ou Urânio-233 e Urânio-235 em casa. O coletivo, pois, às vezes deve prevalecer em prol da proteção da própria sociedade.

Poderia então um médico não se vacinar e continuar trabalhando em uma UTI? Poderia então uma pessoa não se vacinar e continuar mantendo contato em locais públicos com pessoas idosas ou vulneráveis por terem alguma comorbidade? Mas e a tal Liberdade?

Na realidade, essa liberdade simplesmente não existe.

Na época da escravidão, um senhor de engenho tinha o Direito de Propriedade sobre seus escravizados. Poderia adrede jogar um cativo no forno se isso lhe aprouvesse. Tinha liberdade para isso. Esse é o nível de absurdo a que se pode chegar se procedermos a uma manipulação do discurso dos Direitos Civis às últimas consequências, invertendo sua verdadeira lógica. A ponto de quererem soltar bombas nas instituições na Itália!

Voltemos então ao gênio Luther King Jr para ver que todo esse ódio e ignorância não levam a nada.

É preciso ao contrário agir tendo em mente o que o mestre ensinou: altruísmo, empatia, não conformidade. Ter uma “mente rigorosa e um coração sensível”.

Vejamos alguns trechos dos sermões que mencionei acima:

“Quantas vezes nossas vidas são caracterizadas por uma alta pressão sanguínea de credos e uma anemia de atitudes”.

“Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez conscienciosa”.

“Diferentemente da cegueira física, que em geral é imposta aos indivíduos como resultado de forças naturais além de seu controle, a cegueira intelectual e moral é um dilema que o homem inflige a si próprio por seu trágico mau uso da liberdade e por seu fracasso em utilizar o máximo da sua capacidade mental”.

O que diria Luther King sobre o mundo atual? Difícil dizer. Provavelmente continuaria pregando o amor ao próximo, o altruísmo mesmo que perigoso e excessivo. Estaria consoante com o Liev Tolstói na esperança para perceber em Guerra e Paz que “quando a gente fala do sol, logo vê os seus raios”.

Ignorância e ódio nunca resolveram nada. Pois “Retribuir ódio com ódio só multiplica o ódio, acrescentando uma escuridão mais profunda a uma noite já desprovida de estrelas”.

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Tarcísio Corrêa Monte – (*) Mestre e Doutorando em Direito Constitucional na Universidade de Sevilha na Espanha. Linha de Pesquisa em Direitos Civis, Estado e Constituição.

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