atentado

Atentado à brasileira. Por Antonio Contente

… levou certa organização clandestina sediada numa das cidades satélite de Brasília, e conhecida como Frente Revolucionária de Taguatinga (FRG), a organizar a implosão do enorme mastro num atentado. Para o cumprimento da missão, designaram três revolucionários, sendo dois rapazes e uma moça…

atentado

Quem circula, hoje, pela Praça dos Três Poderes, em Brasília, pode até passar batido pelo grande, alto mastro com uma bandeira nacional imensa a tremular no topo. Mas aquilo ali já foi objeto de muitas polêmicas, com justificativas variadas. Uma, com viés francamente político, condenava o, digamos assim, monumento, por ter sido implantado, nos idos de 1972, pelo presidente Médici, um dos caciques colocados no Palácio do Planalto pela ditadura militar. Outra das discordâncias bordejava aspectos estéticos. Os contrários à permanência do que chamavam de “coisa” no coração administrativo da cidade e do país, vociferavam por achá-lo feio e discordante do contexto arquitetônico do entorno.

Quando, nos idos dos anos 80 o regime militar chegou ao fim e foi implantada aquilo que chamavam de Nova República com o esperto maranhense José Sarney no comando,  anunciaram que o mastro seria retirado. Neste caso justificavam a remoção por medida de economia. É que a bandeira, imensa, segundo alguns com 286 m², ocasionava muitas despesas, uma vez que precisava ser trocada a cada 30 dias. E, para essa troca, sempre feita com pompa e circunstância cada vez sob o patrocínio de um dos Estados da Federação, muitos convidados iam ao Distrito Federal na base da mordomia, com hospedagens em caros hotéis e alimentação de primeira para a horda. Anunciada a demolição do mastro, todos esperaram.

Esperaram, diga-se, em vão, uma vez que não ocorreu retirada nenhuma. O que, seis meses após a promessa, levou certa organização clandestina sediada numa das cidades satélite de Brasília, e conhecida como Frente Revolucionária de Taguatinga (FRG), a organizar a implosão do enorme mastro num atentado. Para o cumprimento da missão, designaram três revolucionários, sendo dois rapazes e uma moça.

Bom, mas o que estou querendo contar é que como o fantástico monumento permanece onde sempre esteve, é mais do que lógico supor que o planejado atentado não surtiu efeito. Depois, pelo fato do caso nunca ter sido noticiado pela imprensa da época, sempre esteve a dormir uma história realmente curiosa. Que, hoje, com esta crônica, vem, como se diria antigamente, à lume pela primeira vez.

Quem me contou os fatos sobre a ação revolucionária foi um dos rapazes designados para o cumprimento do atentado. Atualmente ele é próspero empresário na mesma Taguatinga que sediava a organização clandestina FRG.

Para o cumprimento da ação os dois jovens e a moça dela encarregados começaram roubando, de uma pedreira em Goiânia, algumas bananas de dinamite. Isto feito, rascunharam minucioso plano de ação com horários rígidos e movimentação precisa pelas imediações da Praça dos Três Poderes. Naturalmente tinham que agir à noite e, pelas 23 horas, se dirigiram para o sustentáculo da imensa bandeira.

         — Mas – me contou o antigo, se assim podemos chamar, antagonista – no instante em que chegamos para a operação, verificamos que havia um grupo de pessoas ao pé do mastro.

         — Outros revolucionários que se anteciparam? – Indago.

         — Negativo. Tratava-se de alguns estudantes.

         — Fazendo algum protesto?

         — De certa forma sim. Pois, como a aura da ditadura ainda perdurava, apesar do Sarney, eles faziam uma serenata para homenagear o ex-presidente Juscelino Kubitscheck que aniversariava naquele dia. E JK, como você sabe, sempre foi uma espinha cravada na garganta dos milicos.

         — De fato – concordo – vai ver que os moços estavam cantando o “Peixe Vivo”.

         — Exato. E nós ali, querendo explodir as bananas de dinamite para acabar com o tal mastro.

         — Mas como? – Arregalo os olhos – Não me diga que vocês estavam com os explosivos na mão.

         — Não, acondicionados. Ironicamente, porém, talvez essa tenha sido a nossa desgraça…

         — Como assim? – Agora eu derretia de curiosidade.

         — Veja só: como as circunstâncias eram favoráveis, resolvemos nos aproximar.

         — Posso saber pra que?

         — Para sondar se os caras da seresta iam demorar.

         — Já sei – dou um sorriso.

         — Como já sabe? – O antigo militante da FRG me encara.

         — Ora, vocês chegaram aos seresteiros, enturmaram, a lembrança de JK é sempre estimulante, acabaram tomando umas e outras e o atentado foi para as calendas.

         — Nada disso. O que aconteceu é que o pessoal da serenata estava meio confuso.

         — Confuso?

         — É que três deles tocavam violino. E, se repente, os do violão acharam que só este instrumento deveria ser usado.

         — Ora – abro os braços – e o que a dissidência musical teve com o fracasso da missão?

         — Muito simples – o amigo acentua – num determinado momento os violinistas acharam que estavam demais e resolveram ir embora.

         — Diabo – dou um grunhido – e só por isso vocês deixaram de explodir o mastro?

         — Claro – ele termina – pois ocorreu certa confusão, até com empurrões pra cá e pra lá; e os músicos levaram a caixa de violino errada. Exatamente aquela na qual, para camuflar, estávamos levando as bananas de dinamite…

Ah, sim, o mastro com a bandeira está lá até hoje. E, a bem da verdade, muito pouca gente nele presta atenção.

________________________________________________________________

Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

___________________________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter