O nazista que amava mulatas. Por Antonio Contente

sepultura nazista no Amapá

O nazista que amava mulatas. Por Antonio Contente

…ao largo da pequena vila de pescadores de São João de Pirabas, nas proximidades da cidade balneária de Salinópolis, Pará, teria existido uma base de submarinos nazistas…

O nazista que amava mulatas. Por Antonio Contente

Sob o ponto de vista puramente literário, dado que faz tanto tempo, e também um pouco histórico, a região brasileira que esteve mais próxima do palco da II Guerra Mundial talvez tenha sido o litoral atlântico da Amazônia; que abrange o hoje Estado do Amapá (na época, Território) e o Pará. Dos acontecimentos que ali se desenrolaram alguns foram de tal forma redesenhados, ao correr dos anos, que poderiam, hoje, ter cores de lenda. Mas mesmo neste caso narrar os fatos agora, em página de jornal e neste site, se torna pertinente. Principalmente se considerarmos o raciocínio fordiano (de John Ford) exalado por um dos personagens, iniciante jornalista, do genial “O Homem que Matou o Facínora”: “Quando a lenda supera a realidade, publique-se a lenda”.

Há uma história a circular nos dias de hoje entre os pesquisadores dos acontecimentos dos velhos tempos, que está perfeitamente inserida no raciocínio acima citado. Pois mesmo não contando com muitos personagens revela-se embebida em doses de suspense que só aumentam a possibilidade de que em torno dela a imaginação das pessoas tenha navegado sobre realidades. Pode-se começar lembrando que ao largo da pequena vila de pescadores de São João de Pirabas, nas proximidades da cidade balneária de Salinópolis, Pará, teria existido uma base de submarinos nazistas. Que pode ser resumida à ação de um comerciante, caboclo nativo que mantinha lá pequeno estabelecimento que vendia arroz, feijão, farinha de mandioca, peixes frescos e salgados, exígua lataria ou pouco mais do que isso. Segundo se revelou tempos depois de terminada a II Guerra, cientistas alemães residentes em Belém a serviço do Museu Emilio Goeldi desde antes da explosão do conflito teriam feito (sempre trabalhavam pelo Eixo) contato com o dono da birosca para que atendesse embarcações que eles diziam ser “americanas”. Mas que, na verdade, eram submarinos alemães que vinham periodicamente se abastecer de água, cocos, peixes etc. Na vilazinha nunca ninguém desconfiou de nada até porque os ralos habitantes, na sua maioria, sequer sabiam que o mundo se encontrava em armas.

… Quem melhor noticiou o acontecimento foi a “Folha do Norte”, o maior jornal da cidade, à época. A manchete dizia assim: “Oficial nazista é morto no meretrício da Condor”…

O toque de suspense começou a se desenhar quando, certa manhã, um gringo alto, louro, envergando vistoso casaco de couro apesar do calor amazônico, entrou num estabelecimento comercial chamado O Vesúvio, instalado no andar térreo de um belo prédio art-nouveau na então avenida XV de Agosto, em Belém. Foi imediatamente confundido com os inúmeros americanos que circulavam pela cidade na época da Guerra, e começou a comprar mercadorias que iam sendo acondicionadas em caixas. Súbito ele avista, numa das prateleiras, garrafas (as latinhas ainda não existiam) de cervejas europeias. Pediu uma e para bebê-la, quente mesmo, acomodou-se a um canto do balcão. Só que acabou chamando a segunda, a terceira e, antes da quarta, até porque o clima tórrido exigia, tirou o casaco de couro e o colocou no espaldar da cadeira. Passou o tempo todo se comunicando através do inglês frágil de um dos empregados; encontrava-se meio zonzo ao resolver ir embora. Pegou o casaco, vestiu com certa dificuldade, pagou a conta com dinheiro brasileiro e também algumas cédulas de dólares. Para transportar as várias caixas com mercadorias foi chamado um “carro de praça” (ainda não existiam táxis).

O gringo já tinha ido embora quando o empregado que o serviu avistou algo no chão sob a cadeira que o sujeito ocupara. Juntou e deu de cara com um documento escrito em alemão, encimado por uma suástica junto ao retrato do identificado. Tratou de levar a coisa ao posto policial.

Na cena, agora noturna, o cara que perdera o documento estava em uma pracinha no bairro da Condor, antigo reduto da boemia da cidade, às margens do rio Guamá. Ali o gringo se dirige a uma pequena lancha na qual descarrega as caixas com mantimentos que comprara no Vesúvio; inclusive várias garrafas de vinhos franceses. Isto feito dá meia volta e entra num dos bares onde circulavam as prostitutas.

O resto aconteceu rápido, com o homem a tomar cervejas aos beijos e abraços com vistosa mulata, a um canto do bar. A briga pintou entre alguns nativos na entrada do boteco; surge o revólver, ecoam os estampidos, uma bala perdida atinge o estrangeiro no peito. No dia seguinte, com a polícia de posse do documento com a suástica achado no chão da loja de importados, a ligação foi feita. Quem melhor noticiou o acontecimento foi a “Folha do Norte”, o maior jornal da cidade, à época. A manchete dizia assim: “Oficial nazista é morto no meretrício da Condor”. Só tempos depois da Guerra terminada, é que sacaram que a vítima era da tripulação de um dos submarinos que se abasteciam em Pirabas. Foi enterrado, como indigente, no Cemitério de Santa Isabel, onde certamente ainda permanece. Em local incerto e não sabido.

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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